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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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622 Padre Mateus Ribeiro<br />

quan<strong>do</strong> por vós quero deixar o pátrio <strong>do</strong>micílio, frustra<strong>da</strong> de meu pai a palavra,<br />

exposta Bolonha às mais repeti<strong>da</strong>s guerras, esqueci<strong>da</strong> a bonança em que<br />

vivia, ofereci<strong>da</strong> aos assaltos <strong>da</strong> fortuna em terra estranha, tantas<br />

demonstrações de amante fiquem despreza<strong>da</strong>s e tantos extremos de querer<br />

tão mal agradeci<strong>do</strong>s, temeis porventura os perigos? Desluzimento será <strong>do</strong><br />

amor admitir temores. Por isso os antigos o pintaram cego; porque na<strong>da</strong> teme,<br />

ten<strong>do</strong> ven<strong>da</strong><strong>do</strong>s os olhos para não reparar nos <strong>da</strong>nos. O que sem risco se<br />

adquire, nunca granjeia estimação. Tanto tem as preciosas pedras de<br />

estima<strong>da</strong>s, quanto tiveram de custosas. Se o arrisca<strong>do</strong> enfraquecera o desejo,<br />

nenhuma empresa gloriosa se conseguira, e se perdera pelos desmaios <strong>da</strong><br />

cobardia quanto no mun<strong>do</strong> é objecto <strong>da</strong> estimação. Sen<strong>do</strong> meu esposo, que<br />

podeis recear? Não confiais em mim valor para saber morrer a vosso la<strong>do</strong>?<br />

Não me avalieis mimosa porque choro, julgai-me muito alenta<strong>da</strong> porque amo.<br />

São minhas lágrimas filhas de meu sentimento, não abortos <strong>da</strong> cobardia. Pois<br />

quem chega a derramá-las de considerar-se de vossa ausência sau<strong>do</strong>sa,<br />

também saberá derramar o sangue, se a vosso la<strong>do</strong> se vir a isso ofereci<strong>da</strong>. A<br />

condição mulheril, antes de deliberar-se, teme tu<strong>do</strong>; mas em se deliberan<strong>do</strong>,<br />

na<strong>da</strong> teme; e vem a ser destemi<strong>da</strong> por resoluta a que de antes era temi<strong>da</strong> por<br />

indetermina<strong>da</strong>.<br />

Assim falou Aurora, e não sem lágrimas, aljofra<strong>da</strong> eloquência de seus<br />

olhos, retórica de cristal poderosa para tu<strong>do</strong> persuadir, reforça<strong>da</strong> bataria que,<br />

com pérolas por balas, sen<strong>do</strong> tiros de neve, tem natureza de fogo. Rendi-lhe as<br />

graças <strong>do</strong> favor que me fazia em eleger-me por esposo, oferecen<strong>do</strong>-me de<br />

novo a aventurar a vi<strong>da</strong> por defendê-la, e assentámos que, pois não podia<br />

tornar a Bolonha, a esperasse o segun<strong>do</strong> dia junto ao palácio <strong>do</strong>s Rossis,<br />

grandiosa casa de campo destes ilustres fi<strong>da</strong>lgos bolonheses, merece<strong>do</strong>ra de<br />

hospe<strong>da</strong>r em seus obeliscos ain<strong>da</strong> aos maiores monarcas. E com isto me<br />

despedi <strong>da</strong> presença de Aurora entre alegre e triste: fronteira em que militam<br />

as esperanças <strong>do</strong> bem que muito se deseja, quan<strong>do</strong> a alegria o aplaude, e o<br />

temor de perdê-lo não se assegura. Considerava-me venturoso em ser<br />

escolhi<strong>do</strong> de Aurora para esposo, sen<strong>do</strong> tanto para estima<strong>da</strong> que sua própria<br />

estimação punha escrúpulos à minha ventura, e de seu muito merecer nasciam<br />

as desconfianças de a poder alcançar. Ponderava os muitos desvios que<br />

podiam encontrar minha alegria, queren<strong>do</strong> as esperanças pressagiar o mesmo

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