17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

804 Padre Mateus Ribeiro<br />

guiava o rio que sem parar nem descansar se movia; que com bastante pena e<br />

grande moléstia <strong>do</strong> cansaço, como tão pouco habitua<strong>da</strong> a tais jorna<strong>da</strong>s, ao<br />

romper <strong>da</strong> manhã se achou junto ao famoso lago em que o Santermo perden<strong>do</strong><br />

o nome se sepulta.<br />

Descansou Lívia <strong>do</strong> penoso caminho junto àquele recompila<strong>do</strong> mar, pois<br />

para rio era excessivo e para mar pequeno. Purpuriza<strong>da</strong>s as rosas de seu rosto<br />

com o cansaço, ao tempo que a aurora pretendia argentá-las de aljôfar, se<br />

adiantaram as lágrimas de seus olhos a cobri-las de finas pérolas que vertiam.<br />

- Oh Lívia sem ventura (dizia ela choran<strong>do</strong>), que no berço pobre em que<br />

te criaste tomaste a primeira lição de infelice, e quanto melhor te fora se <strong>do</strong><br />

berço passaras ao sepulcro, pois com isso evitaras o saber que eras<br />

desgraça<strong>da</strong>, quan<strong>do</strong> puderas morrer venturosa! Ai de mi desampara<strong>da</strong> e em<br />

terra alheia! Da natureza tão lisonjea<strong>da</strong> e <strong>da</strong> fortuna tão persegui<strong>da</strong>! Oh ingrato<br />

esposo, que tão mal me pagas, quan<strong>do</strong> tanto me deves, pois te arrojas como<br />

cioso e não como entendi<strong>do</strong>! Preferes tuas desconfianças a minhas ver<strong>da</strong>des,<br />

teus ciúmes a meus extremos? Mas quan<strong>do</strong> extremos lograrão o galardão de<br />

se verem agradeci<strong>do</strong>s? Nunca te ofenderam meus cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s porque te amava<br />

muito, e não tem parentesco o amar com ofender; e presumes que te podia<br />

ofender quem tão finamente te soube amar. Se se pusera em balança teu<br />

aborrecimento com meu amor, ain<strong>da</strong> pesaria mais o que hoje te amo magoa<strong>da</strong><br />

que o que tu me aborreces sem haver-te ofendi<strong>do</strong>. Para que me pretendeste<br />

para esposa? Eu não te procurei, tu me buscaste; por ti despedi tantos<br />

casamentos que me pediam, que como havias de ser meu verdugo, aprovou<br />

meu infelice destino a eleição de que havia de resultar-me o maior <strong>da</strong>no.<br />

Puseste-me sem razão em termo de padecer minha leal<strong>da</strong>de perigo nas<br />

opiniões, quan<strong>do</strong> devias granjear-me o decoro, e que seja Lívia censura<strong>da</strong>,<br />

quan<strong>do</strong> devia por leal e constante ser aplaudi<strong>da</strong>. Como com minha morte<br />

intentas disfarçar a cruel<strong>da</strong>de com aparências de vingança? Pois aonde não se<br />

dão ofensas, são as vinganças injustiças, e não se <strong>da</strong>n<strong>do</strong> agravos são as<br />

satisfações tiranias. Como te livrarás de que te culpe quem souber a causa que<br />

não te culpe de ingrato, que não te murmure de injusto, que não te censure de<br />

tirano? Mas como eu sou a que infelice padeço, faltará para mi o favor e para ti<br />

o castigo.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!