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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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646 Padre Mateus Ribeiro<br />

delírio to<strong>do</strong>s o julgam por acerto. E não periga a estimação de entendi<strong>do</strong>,<br />

quan<strong>do</strong> o naufragante parece mais arroja<strong>do</strong>. Tínheis, senhor Hortênsio, vossa<br />

vi<strong>da</strong> em manifesto perigo pelo escan<strong>da</strong>loso <strong>do</strong> cargo que se vos acriminava, e<br />

não menos pelo poderoso <strong>do</strong>s ofendi<strong>do</strong>s que pela inteireza na justiça <strong>do</strong><br />

lega<strong>do</strong>; <strong>da</strong>i muitas graças a Deus, que em espaço tão breve vos chegou o<br />

remédio, quan<strong>do</strong> mais podíeis recear o <strong>da</strong>no. Brevemente vos vereis solto<br />

desta prisão, pois consta que a Aurora não furtastes. E quan<strong>do</strong> vos culpem<br />

pelos ditos <strong>da</strong>s cria<strong>da</strong>s, que a ausentar-se <strong>da</strong> casa de seu pai a persuadistes,<br />

já não convém a Octávio Lamberias o culpar-vos, em razão de Dom Rodrigo,<br />

que com ela se casa. Porque seriam mui desairosas para um esposo tão<br />

ilustre, sentenciarem-se em público juízo livian<strong>da</strong>des que pudessem desluzir a<br />

honrosa opinião de sua esposa. E é certo que em razão de esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> pun<strong>do</strong>nor<br />

vos hão-de <strong>da</strong>r por livre. Pois se tão facilmente vindes a segurar a vi<strong>da</strong> e<br />

liber<strong>da</strong>de, <strong>do</strong>us bens de inestimável valor que tão arrisca<strong>do</strong>s tínheis, fazei<br />

desconto <strong>da</strong>s memórias de Aurora que perdeis, com os interesses que<br />

granjeais, que sempre comprais a vi<strong>da</strong> e a liber<strong>da</strong>de mui barata, ain<strong>da</strong> quan<strong>do</strong><br />

julgais que mui caro vos custam.<br />

Recebei em pagamento <strong>do</strong>s desvelos e cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s que tendes referi<strong>do</strong> a<br />

vontade com que Aurora agradeci<strong>da</strong> vos pagava e o muito que se arriscou por<br />

vossa causa e o perigo a que se viu ofereci<strong>da</strong>, e sem dúvi<strong>da</strong> achareis que<br />

excederam muito seus agradecimentos a vossos serviços. Pendeu mais o não<br />

ser esposa vossa <strong>do</strong>s encontros <strong>da</strong> ventura que de sua ingratidão. Não vos<br />

moleste o que julgais que perdestes, antes considerai o que ganhastes:<br />

ganhais a liber<strong>da</strong>de e o poderdes voltar a vossa pátria e a verdes vossos pais,<br />

logrardes o tempo sem temores, o sono sem receios e a vi<strong>da</strong> sem cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s. E<br />

se perdeis o casamento de Aurora, entendei que não estava destina<strong>da</strong> para<br />

vossa. As luzes quan<strong>do</strong> não são naturais, pela maior parte são nocivas, como<br />

se vê nos cometas que, porque de sua natureza não lhes compete a luz,<br />

sempre que com ela brilham, prognosticam calami<strong>da</strong>des e ameaçam <strong>da</strong>nos.<br />

Assim, se Aurora não nasceu para ser vossa, to<strong>do</strong>s os meios haviam de sair<br />

violentos. Quem fica livre, senhor <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, para que suspira pela sujeição?<br />

To<strong>do</strong>s os sentimentos cura o tempo, aplaca a ira, mitiga o aborrecimento,<br />

desterra o temor e esquecem as finezas <strong>do</strong> querer. Tem o tempo, como diz

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