17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

446 Padre Mateus Ribeiro<br />

causar espanto. Mas em quem a <strong>do</strong>r sobrevenceu os limites <strong>do</strong> sofrimento foi<br />

em Flora, que tarde arrependi<strong>da</strong> <strong>da</strong> severi<strong>da</strong>de grande com que tratou a<br />

Reginal<strong>do</strong>, sentiu na <strong>do</strong>r a pena de seu demasia<strong>do</strong> rigor, que, como diz Tito<br />

Lívio, é o primeiro e não o menor castigo que ao arrependimento segue; e<br />

Quintiliano diz que cresce ca<strong>da</strong> vez mais o pesar quan<strong>do</strong> o pensamento mais<br />

sobre a causa discursa.<br />

Ansia<strong>da</strong> pois com os temores <strong>da</strong> ausência, que é o verdugo mais cruel<br />

para quem ama, pesarosa de se mostrar tão ingrata quan<strong>do</strong> era ocultamente<br />

tão amante, representan<strong>do</strong>-lhe a memória a rara gentileza e merecimentos de<br />

Reginal<strong>do</strong>, que para sempre de seus olhos perdia, que então cabalmente<br />

chegam a conhecer-se quan<strong>do</strong> se perdem, impaciente no penar e amante no<br />

sentir, buscou traça seu amor para impedir que Reginal<strong>do</strong> se embarcasse, sem<br />

que pudesse conhecer-se que como amante o fazia, e assim entran<strong>do</strong> na<br />

camera e esconden<strong>do</strong> as jóias mais ricas no valor que tinha, que vinham a ser<br />

de grande preço, se veio a queixar ao conde seu pai e a Carlos seu irmão de<br />

que as jóias mais preciosas que tinha lhe faltavam e que sem dúvi<strong>da</strong> Reginal<strong>do</strong><br />

as levava, e por isso passar-se a Veneza pertendia. Não foi mui dificultoso de<br />

crer o que Flora afirmava, porque ain<strong>da</strong> que seus bons procedimentos o<br />

desdiziam, contu<strong>do</strong> a repentina fugi<strong>da</strong>, para quem dela ignorava os motivos,<br />

não deixava de indiciar o poder no fingi<strong>do</strong> furto ser culpa<strong>do</strong>. Traz consigo a<br />

fugi<strong>da</strong> por companheira a suspeita: largou um fugitivo o campo às<br />

desconfianças, que como não pode defender-se <strong>da</strong>s calúnias, to<strong>do</strong>s se<br />

atrevem a culpá-lo. Não deixaria Reginal<strong>do</strong> de ter na casa <strong>do</strong> conde Manfre<strong>do</strong><br />

invejosos, que como em tão pouco tempo tinha subi<strong>do</strong> tanto seu valimento,<br />

assim como não há luz sem sombra, não há subi<strong>da</strong> sem inveja. Estes tais<br />

acreditaram o roubo por ver<strong>da</strong>deiro, e por ordem <strong>do</strong> conde, que senti<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

desleal<strong>da</strong>de de Reginal<strong>do</strong> se mostrava, saíram to<strong>do</strong>s a buscá-lo bem provi<strong>do</strong>s<br />

de armas, porque já conheciam quanto tinha de destemi<strong>do</strong>. Encomen<strong>do</strong>u muito<br />

o conde que o não matassem, mas que só preso e bem guar<strong>da</strong><strong>do</strong> à sua<br />

presença o trouxessem; e o mesmo pediu eficazmente Flora, que de nenhum<br />

mo<strong>do</strong> o ofendessem para que declarasse aonde as jóias tinha.<br />

Admiráveis são as traças <strong>do</strong> amor, pois talvez se disfarça no ódio,<br />

parecen<strong>do</strong> que aborrece o mesmo que com finezas ama. Reparou o padre

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!