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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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916 Padre Mateus Ribeiro<br />

quis chorar e suspendeu-lho o intenso <strong>da</strong> mágoa que congelou as lágrimas na<br />

corrente e estancou a fonte nativa no coração, por que não apelasse para o<br />

alívio <strong>do</strong>s olhos o requinta<strong>do</strong> de tão perene <strong>do</strong>r. Quis a voz romper a<br />

suspensão ao silêncio e embargou-lho a pena, que na música Filomena (a)<br />

parece maravilha que possa cantar tão bem, quem padece tanto mal.<br />

Perturbou-se o discurso, sain<strong>do</strong> a controvérsia a aflição com o juízo e o penar<br />

com o entender, um apontan<strong>do</strong> o perigo e o outro não descobrin<strong>do</strong> o remédio,<br />

ven<strong>do</strong> que era arrisca<strong>da</strong> a ousadia, quan<strong>do</strong> a vi<strong>da</strong> não ficava segura. Para<br />

aventurar-se seu esposo, confiava pouco <strong>da</strong> ventura que tantas vezes se<br />

mostra desleal a quem dela se fia; para faltar em aceitar a eleição <strong>do</strong> sena<strong>do</strong><br />

de Módena, que com instâncias repeti<strong>da</strong>s lho pediam, era mostrar-se<br />

inexorável aos rogos, rústico à cortesia e ingrato ao favor que eles avaliavam<br />

que lhe faziam e sobretu<strong>do</strong> indiciar suspeitas a discursos odiosos de quererem<br />

investigar os motivos de tanta renitência sem justa causa que desculpável<br />

fosse. Enfim entre tanta confusão de sustos, tanta varie<strong>da</strong>de de juízos e tantas<br />

representações de perigos, não lhe <strong>da</strong>n<strong>do</strong> o temor crepúsculo de luz em que<br />

pudesse avistar algum remédio, dizem que Eurides rompeu o silêncio, dizen<strong>do</strong>:<br />

- Chegou já, Manfre<strong>do</strong>, esposo meu, o prazo preciso à minha vi<strong>da</strong>, pois<br />

não se satisfazen<strong>do</strong> o incessável rigor de minha fortuna com me ver desterra<strong>da</strong><br />

por terras estranhas há tantos anos, depois de padecer tantos perigos, de<br />

sofrer meu coração tão repeti<strong>do</strong>s sustos, tantas sombras <strong>da</strong> morte em tantos<br />

riscos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, agora de novo na ocasião presente quis cifrar quanto tenho<br />

padeci<strong>do</strong> em um compêndio breve para os olhos, mas sem limites para a alma,<br />

que nele suas mágoas estu<strong>da</strong> e seus tormentos decora. Começam as<br />

infelici<strong>da</strong>des com aparências de venturas para ser a tragédia mais lastimosa,<br />

porque se tivera o exórdio em rigor, tivera o trágico <strong>do</strong> fim, gosta<strong>do</strong> os agros <strong>do</strong><br />

princípio e não estranhara o amargo por ter experimenta<strong>do</strong> o desabri<strong>do</strong>. Como<br />

intentas, Manfre<strong>do</strong>, deixar a tua Eurides em terra estranha, quan<strong>do</strong> eu deixei a<br />

minha pátria por seguir-te? Assim, ingrato, se pagam tais finezas? Não<br />

consideras que se de meu pai fores conheci<strong>do</strong>, há-de antecipar a ira de<br />

(a) Filomena designa o rouxinol: de acor<strong>do</strong> com a len<strong>da</strong>, esta personagem teria si<strong>do</strong><br />

transforma<strong>da</strong> pelos deuses em ave para escapar à fúria de Teseu.

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