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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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368 Padre Mateus Ribeiro<br />

praça defendi<strong>da</strong> com extremoso valor pelo governa<strong>do</strong>r dela, Jorge Tuti,<br />

húngaro grão sol<strong>da</strong><strong>do</strong>. Nos quais assaltos, pelejan<strong>do</strong> com notável alento,<br />

Alexandre foi mortalmente feri<strong>do</strong> e morreu em poucas horas que lhe durou a<br />

vi<strong>da</strong>, para ser em mim eterna a memória de sua morte. Aqui me vi de to<strong>do</strong><br />

despoja<strong>do</strong> de alívio, priva<strong>do</strong> de consolação, pois era sua companhia a última<br />

que me tinha fica<strong>do</strong> em tantos mares de penas em que naufragava meu<br />

sofrimento. Bem chamou Aristóteles 369 ao amigo uma alma em <strong>do</strong>us corpos,<br />

porque o pesar e alegria de um se comunica ao outro. Tal era para mim<br />

Alexandre: quem sabia solenizar minhas alegrias quan<strong>do</strong> venturoso; quem<br />

sabia participar de minhas penas quan<strong>do</strong> triste. Enfim deixan<strong>do</strong>-o sepulta<strong>do</strong><br />

com repeti<strong>da</strong>s lágrimas minhas, já desengana<strong>do</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e suas vai<strong>da</strong>des,<br />

abrin<strong>do</strong> os olhos <strong>da</strong> alma a seus enganos, ven<strong>do</strong> o pouco que se podia esperar<br />

de suas lisonjas tão abrevia<strong>da</strong>s, as que avaliei em algum tempo alegrias, tão<br />

eterniza<strong>da</strong>s as penas, tão insofríveis as mágoas, muitas para senti<strong>da</strong>s, mas<br />

nunca cabalmente declara<strong>da</strong>s; deixan<strong>do</strong> os bélicos estron<strong>do</strong>s <strong>da</strong>s caixas, os<br />

militares ecos <strong>do</strong>s clarins que segui<strong>do</strong> tinha e em que despendi a primavera <strong>da</strong><br />

i<strong>da</strong>de e o tempo irreparável de meus anos, me parti para Itália e vesti<strong>do</strong> neste<br />

hábito de penitência, castigo <strong>da</strong>s galas, desengano <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e desperta<strong>do</strong>r <strong>da</strong><br />

morte, buscan<strong>do</strong> lugar retira<strong>do</strong> em que viver para Deus, me deparou ele esta<br />

ermi<strong>da</strong> em que há anos assisto, tão contente de deixar o mun<strong>do</strong> como fui em<br />

algum tempo cui<strong>da</strong><strong>do</strong>so em buscá-lo.<br />

Esta é, discreto Peregrino, a relação de minha história, em que fui<br />

dilata<strong>do</strong> para vos mostrar a varie<strong>da</strong>de que o mun<strong>do</strong> faz com suas mu<strong>da</strong>nças, o<br />

pouco prémio que interessa quem o segue, o como no melhor falta, como só o<br />

buscar a Deus é caminho seguro, estra<strong>da</strong> pratea<strong>da</strong> sem perigos, vi<strong>da</strong> em que<br />

só se vive, paz <strong>da</strong>s almas, descanso <strong>do</strong> coração, alívio <strong>da</strong>s tristezas,<br />

consolação <strong>da</strong>s aflições; porque a maior gentileza <strong>do</strong>s cavaleiros no correr<br />

consiste em saber airosamente parar. Aqui parei bem, ain<strong>da</strong> que no caminho<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> mal corri; mas se, como diz São Cipriano 370 , nunca a penitência,<br />

uma vez que chega, é vagarosa, ain<strong>da</strong> quis a divina misericórdia que chegasse<br />

Arist., Ethic. 4.<br />

S. Cyprian., Contra Demetr.

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