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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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588 Padre Mateus Ribeiro<br />

Desta cordial devoção, que, como diz Cassio<strong>do</strong>ro , é mais útil nos<br />

menos sabi<strong>do</strong>s que nos <strong>do</strong>utos a sabe<strong>do</strong>ria com faltas dela, entraram os<br />

nossos romeiros tão acompanha<strong>do</strong>s naquele paraíso <strong>da</strong> terra, que só com<br />

razão se podia intitular na terra paraíso, que brotaram em copiosas lágrimas as<br />

admirações <strong>do</strong> que os olhos viam e os discursos contemplavam. Eram tantas<br />

as maravilhas que se viam neste abrevia<strong>do</strong> Céu, pequena esfera <strong>do</strong> maior<br />

planeta, epiloga<strong>do</strong> sólio <strong>da</strong> majestade, venturoso <strong>do</strong>micílio de Deus na terra,<br />

inveja<strong>da</strong> habitação <strong>da</strong> mesma Glória, quan<strong>do</strong> nela o cria<strong>do</strong>r dela vivia, que<br />

podiam os desejos afectuosos nela sempre procurar entrar, mas nunca<br />

pretenderem dela sair; porque na entra<strong>da</strong> ia o desejo acompanha<strong>do</strong> <strong>do</strong> gosto,<br />

mas na saí<strong>da</strong> ficava o gosto violenta<strong>do</strong> <strong>da</strong>s sau<strong>da</strong>des. E a diferença grande<br />

que vai <strong>do</strong> gosto à violência, vai <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> à saí<strong>da</strong>.<br />

Não há nos contentamentos desta vi<strong>da</strong> perseverança segura. Umas<br />

vezes se reveste a terra de flores, outras de espinhos; ao dia alegre sucede a<br />

noite melancólica e triste; à gala <strong>da</strong> moci<strong>da</strong>de, a moléstia <strong>da</strong> velhice. Donde<br />

com razão disse Cícero que nem há no mun<strong>do</strong> árvore que sempre esteja<br />

flori<strong>da</strong>, nem felici<strong>da</strong>de que por muito tempo dure. An<strong>da</strong> sempre o tempo em<br />

perpétua mu<strong>da</strong>nça; e assim em breve espaço deixa decrépito o que se<br />

considerava mais firme e cadáver despoja<strong>do</strong> o que se avaliava mais vistoso.<br />

Assi saíram os nossos romeiros <strong>da</strong>quele angélico santuário, tão cheios de<br />

sau<strong>da</strong>des como de lágrimas, desejan<strong>do</strong> (se possível lhes fora) jamais dele<br />

saírem, antes até às últimas despedi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> nele perseverarem. Porque a<br />

morte em tal lugar muito tinha de vi<strong>da</strong>; pois lugar em que se criou a mesma<br />

vi<strong>da</strong>, parece que se isentava <strong>do</strong>s foros rigorosos <strong>da</strong> morte, perden<strong>do</strong> esta<br />

jurisdição que tinha sobre os tributos <strong>da</strong> humana vi<strong>da</strong>.<br />

Retiraram-se ao hospital como a seu próprio <strong>do</strong>micílio; que sempre foi<br />

a hospitali<strong>da</strong>de o abrigo e amparo próprio <strong>do</strong>s peregrinos. Donde uma e muitas<br />

vezes tornaram sau<strong>do</strong>sos a repetir com a vista, o que sempre traziam tão<br />

estampa<strong>do</strong> nas memórias como presente nos corações; parecen<strong>do</strong> seus<br />

desejos hidrópicos em verem o que quanto mais viam, mais desejavam. Eram<br />

tantas as admirações que ca<strong>da</strong> hora se descobriam e tantos os mistérios que<br />

neste novo paraíso contemplavam que <strong>da</strong> sorte que os navegantes <strong>do</strong> oceano<br />

Cassiod., in Collect. Joan.

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