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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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198 Padre Mateus Ribeiro<br />

grande que não admita alguma consolação (senão a minha, que <strong>caso</strong>s a que<br />

se não espera remédio, mal podem admitir alívio), por ser a esperança, como<br />

diz Cícero, aquela que nas maiores adversi<strong>da</strong>des consolar costuma; e porque o<br />

lugar em que estava, além de indecente à <strong>do</strong>nzela, era arrisca<strong>do</strong> a maiores<br />

perigos pelos contínuos saltea<strong>do</strong>res que muitas vezes em Serra Morena<br />

assistem, lhe pedi encareci<strong>da</strong>mente quisesse vir em minha companhia, que eu<br />

me obrigava a levá-la a lugar seguro ou aonde ela me ordenasse. Deu-me as<br />

graças <strong>da</strong> cortesia que com ela usava e me pediu a quisesse levar a Grana<strong>da</strong>,<br />

aonde em um convento de religiosas tinha a uma sua tia, com quem intentava<br />

passar o resto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, não se atreven<strong>do</strong> a tornar a Sevilha à presença de sua<br />

mãe, nem de seus parentes. Pareceu-me intento acerta<strong>do</strong> e, pon<strong>do</strong>-a nas<br />

ancas <strong>do</strong> cavalo, prossegui o caminho para Grana<strong>da</strong>.<br />

Já o sol queria ocultar a radiante me<strong>da</strong>lha de seus cabelos, ou os vivos<br />

raios de sua <strong>do</strong>ura<strong>da</strong> madeixa, quan<strong>do</strong> ao querer passar o celebra<strong>do</strong> rio<br />

Gua<strong>da</strong>lquivir, que antigamente se chamou Bétis, tão famoso nas histórias de<br />

Espanha, que ten<strong>do</strong> seu nacimento nos campos de Montiel, junto à serra de<br />

Alçaras, depois de atravessar com sua cau<strong>da</strong>losa corrente os confins <strong>do</strong> reino<br />

de Grana<strong>da</strong> e to<strong>da</strong> a An<strong>da</strong>luzia, retratan<strong>do</strong> no cristalino espelho de suas águas<br />

a famosa ci<strong>da</strong>de de Sevilha, vem pagar alfim como rio tributo delas ao mar<br />

Mediterrâneo, junto a S. Lucar, empório bem conheci<strong>do</strong> <strong>do</strong>s navegantes dele.<br />

Sucedeu, digo, que <strong>do</strong> espesso de um sombrio bosque vizinho às suas ribeiras<br />

se ouvissem uns suspiros e gemi<strong>do</strong>s que podiam mover a compaixão a<br />

qualquer ânimo generoso que os ouvisse. Suspendeu-me o eco lastimoso a<br />

quem desejava socorrer, porém receios de deixar ou atemorizar a Eugenia com<br />

novos perigos, e em lugar solitário, me dissuadiu <strong>do</strong> intento, se ela mesma me<br />

não pedira quisesse saber quem se queixava, ou fosse que o coração como<br />

profeta natural <strong>do</strong> que teme a avisasse, ou que os cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s em que seus<br />

trágicos infortúnios a tinham lho persuadissem.<br />

Entrámos pelo bosque que de copa<strong>da</strong>s árvores se formava, e seguin<strong>do</strong><br />

os ecos <strong>do</strong>s gemi<strong>do</strong>s, vimos a um mancebo de agradável presença banha<strong>do</strong><br />

em sangue, que de mortais feri<strong>da</strong>s que tinha como de copiosas fontes manava,<br />

purpurizan<strong>do</strong> a verde relva com seus matizes, o qual já com voz desalenta<strong>da</strong><br />

confissão pedia. Foi logo conheci<strong>do</strong> de Eugenia por seu ingrato amante, a qual<br />

à vista de um espectáculo tão lastimoso riscan<strong>do</strong> <strong>da</strong> memória seus agravos,

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