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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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656 Padre Mateus Ribeiro<br />

sen<strong>do</strong> ditame <strong>da</strong> razão empenhar-se em pretender o que não se pode<br />

alcançar.<br />

To<strong>da</strong>s as cousas pelo costume de serem vistas vem a perder muito <strong>da</strong><br />

admiração primeira com que foram estima<strong>da</strong>s; porque sen<strong>do</strong> a novi<strong>da</strong>de o<br />

cunho que dá valor ao precioso, faz o costume que assim como se diminui a<br />

admiração, assim se abata o valor. Daqui veio a dizer S. João Crisóstomo que<br />

o costume causava muitas vezes o desprezo. Porém posso afirmar que quanto<br />

Zelin<strong>da</strong> era de mim mais vista, tanto era mais estima<strong>da</strong>. Porque o que é<br />

portentoso para se admirar, nunca debilita os alvoroços de estimação por se<br />

ver. Conhecia o pai de Zelin<strong>da</strong> pelas informações que tinha que era eu filho de<br />

ilustres pais, e eles ricos, suposto que eu era segun<strong>do</strong>, e como bem nasci<strong>do</strong> e<br />

de pais ricos, esperava de meu resgate avantaja<strong>do</strong>s interesses. Com estas<br />

ambiciosas esperanças, me tratava nos limites de cativo com mais decoroso<br />

respeito <strong>do</strong> que aos outros cativos fazia. Algumas vezes me man<strong>do</strong>u que<br />

escrevesse a meu pai sobre o meu resgate, que o turco subia a preço e valor<br />

que quasi dificultava o poder ver-me livre de seu poder. E suposto que por via<br />

de Veneza escrevi algumas vezes, jamais tive resposta. O que me causava<br />

notável pena, por recear se seriam meus pais mortos, ou as cartas se<br />

perderiam, ou se desviariam as repostas para não se me <strong>da</strong>rem. Com esta<br />

tristeza que me ocupava os senti<strong>do</strong>s, ain<strong>da</strong> que no exterior em parte<br />

disfarça<strong>da</strong>, porém não de to<strong>do</strong> encoberta, entrei um dia em um jardim, aonde<br />

Zelin<strong>da</strong> estava desafian<strong>do</strong> as flores a discretas competências de beleza, se<br />

flores podiam presumir competências com Zelin<strong>da</strong>. Estava ela só no jardim,<br />

que espaçoso e delicioso era; e depois de as sau<strong>da</strong>r com as cortesias de seu<br />

cativo, ven<strong>do</strong>-me ela com aparências de triste no semblante, relógio mostra<strong>do</strong>r<br />

<strong>da</strong>s horas que dentro aponta o coração, me disse em bastante língua italiana,<br />

que de uma cativa florentina aprendi<strong>do</strong> havia, desta sorte:<br />

- Suposto, Hortênsio, que o cativeiro e privação <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de seja<br />

bastante motivo para to<strong>da</strong> a tristeza, e o veres-te ausente <strong>da</strong> pátria e <strong>da</strong><br />

companhia de teus pais seja incentivo poderoso para duplicar os sentimentos,<br />

contu<strong>do</strong> vejo-te em umas ocasiões mais que em outras triste e estimara que<br />

me manifestaras a causa de teus pesares; porque se puderem aliviar-se com<br />

meu cui<strong>da</strong><strong>do</strong>, nem tu viverás tão triste, nem eu de teus desgostos pesarosa.<br />

São as tristezas verdugos implacáveis <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, e eu desejo-te muita, não pelo

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