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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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452 Padre Mateus Ribeiro<br />

cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s, e assim só a ela seus pensamentos seguiam, porque só nela seus<br />

desvelos como e centro paravam. Não desmaiava seu coração porque Flora<br />

com sua fermosura era a epítema mais poderosa de seus alentos. Pequeno na<br />

quanti<strong>da</strong>de, disse Hugo 441 , era o coração humano, mas tão generoso nas<br />

empresas que o mun<strong>do</strong> lhe parece pequeno para satisfazer-se. Arrisca<strong>da</strong>s<br />

eram as horas, frágil a barca, dilata<strong>do</strong> o caminho, e duvi<strong>do</strong>so, porque ao<br />

inquieto <strong>do</strong>s mares mal resistiam de Reginal<strong>do</strong> as forças; ia crescen<strong>do</strong> o vento<br />

com as vizinhanças <strong>da</strong> lua; o apartar-se <strong>da</strong> terra era fugir e buscar o perigo<br />

fugin<strong>do</strong> de quem os buscasse na terra e de novo temê-lo engolfan<strong>do</strong>-se nos<br />

mares; nem na terra havia segurança, nem nos mares abrigo. Porque não há<br />

nesta vi<strong>da</strong>, como diz o Séneca 442 , lugar tão seguro que isente <strong>do</strong>s receios nem<br />

seja torre inexpugnável aos perigos. Dobrava o mar com seu inquieto<br />

movimento o temor: a lua, umas vezes encoberta com as nuvens e outras<br />

manifesta com os raios, sempre ameaçava naufrágio aos desejos; parecia a<br />

distância maior aos remos que aos olhos, pois quanto a estes parecia mais<br />

vizinha, tanto os golfos <strong>da</strong>s on<strong>da</strong>s a faziam mais distante. A pequena barca<br />

pouco idónea para experimentar os impulsos <strong>do</strong>s mares, como costuma<strong>da</strong> só a<br />

navegar os rios e seus remansos, mal resistia aos combates <strong>do</strong>s ventos.<br />

Donde bem veio a dizer Anacharsis que a embarcação mais segura era a que<br />

no porto ancora<strong>da</strong> estava, porque em to<strong>da</strong>s as mais havia risco ou de serem<br />

destroça<strong>da</strong>s <strong>do</strong>s ventos, ou soçobra<strong>da</strong>s <strong>do</strong>s mares.<br />

Enfim com a moléstia deste receio e com a pena deste assusta<strong>do</strong><br />

cui<strong>da</strong><strong>do</strong> chegou Reginal<strong>do</strong> à nau de Raimun<strong>do</strong>, a quem chaman<strong>do</strong> e acudin<strong>do</strong><br />

os marinheiros, lançan<strong>do</strong>-lhe cabos para assegurarem a barca ao bor<strong>do</strong> os<br />

receberam nela, admiran<strong>do</strong>-se <strong>da</strong> ousadia de em tão frágil batel, e no silêncio<br />

<strong>da</strong> noite em que os ventos tão inquietos estavam, navegar tão alenta<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong><br />

tanto à vista o perigo. Admiraram-se to<strong>do</strong>s <strong>da</strong> fermosura de Flora, que suposto<br />

não era deles conheci<strong>da</strong>, logo na bizarria <strong>do</strong> traje mostrava sem escrúpulos <strong>do</strong><br />

juízo ser principal senhora. Raimun<strong>do</strong> lhe deu as boas vin<strong>da</strong>s e que se tinha<br />

por venturoso em levá-la na sua nau, porque com tal companhia não temia<br />

perigos. Ao que ela responden<strong>do</strong> cortesmente lhe pediu muito lhe fizesse favor<br />

Hug., 1. De anim.<br />

Senec, Epist. 117.

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