17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Alívio de tristes e consolação de queixosos - Parte IV 643<br />

objecto de serem vivamente senti<strong>do</strong>s, <strong>da</strong>n<strong>do</strong> a razão que se os males podiam<br />

remediar-se, era escusa<strong>do</strong> o senti-los, poden<strong>do</strong> remediar-se o <strong>da</strong>no; e se não<br />

tinha remédio, ficava sen<strong>do</strong> desperdício o extremoso sentimento. Porque como<br />

os impossíveis não são objectos <strong>do</strong> desejo, assim não ficam sen<strong>do</strong> objectos<br />

capazes para <strong>do</strong>r; que parecia desluzimento a razão desvelar-se com excesso<br />

no que a natureza quis impossibilitar o remédio. Se a pena que vos atormenta<br />

pudera remediar-se, ain<strong>da</strong> se vos pudera permitir a <strong>do</strong>r que mostrais. Porém<br />

quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> remédio carece, perguntara-vos eu, que pretendeis? Se o<br />

casamento de Aurora? Já tem esposo, tanto por seu gosto escolhi<strong>do</strong>, quanto<br />

ele por si mesmo para ser estima<strong>do</strong>, que não se pode dizer por ela que fica<br />

sen<strong>do</strong> castigo de um mau gosto, o deixá-lo padecer os arrependimentos de sua<br />

erra<strong>da</strong> eleição. Sentistes sua mu<strong>da</strong>nça? Já está mu<strong>da</strong><strong>da</strong>. E parece indiscrição<br />

sentirdes vós a pena, cometen<strong>do</strong> ela a culpa. Se culpa foi nela o mu<strong>da</strong>r-se, ela<br />

sinta o castigo; e se não foi culpa a mu<strong>da</strong>nça em escolher a Dom Rodrigo por<br />

esposo, ven<strong>do</strong>-se por ele livre na ocasião mais arrisca<strong>da</strong>, injusta fica sen<strong>do</strong><br />

vossa queixa, se nela foi falta o cometer o agravo; e injusto parece que vos<br />

mostrais queixoso, se vos faltam as razões de serdes ofendi<strong>do</strong>.<br />

Vistes porventura no mun<strong>do</strong> árvore alguma que sempre persevere<br />

flori<strong>da</strong>? Em que clima se dá perpétuo Abril? Mostrais-me sítio em que se<br />

eternize Maio? Pois se tu<strong>do</strong> no mun<strong>do</strong> com os tempos se mu<strong>da</strong>, e a árvore<br />

mais vistosa que a Primavera celebrou por lisonja <strong>da</strong> gala é ludíbrio <strong>do</strong> Inverno<br />

pelo despojo dela, que vos admira como novi<strong>da</strong>de, ou que vos suspende como<br />

admiração, que se mu<strong>da</strong>sse Aurora, ten<strong>do</strong> tantos motivos para poder mu<strong>da</strong>r-<br />

se? Com razão o Demóstenes chamou à humana vi<strong>da</strong> teatro de<br />

representações em que tu<strong>do</strong> se mu<strong>da</strong> e tu<strong>do</strong> se representa. Referis o muito<br />

que lhe mereceis? As consultas <strong>do</strong> merecer mais as despacha a ventura que o<br />

amor. Ser amante é diferente de ser venturoso. Uma hora de ventura alcança<br />

mais que muitos anos de serviço; e só fica habilita<strong>do</strong> para possuir quem a<br />

ventura consultou para lograr.<br />

Não parece Aurora tão culpa<strong>da</strong>, quan<strong>do</strong> por esposo vos escolhia: favor<br />

com que discreta e agradeci<strong>da</strong> remunerava to<strong>da</strong>s vossas finezas. Errou o<br />

caminho: desvio foi <strong>da</strong> fortuna, não <strong>da</strong> vontade; e assim injustamente lhe<br />

chamais ingrata, pois o eleger-vos por esposo e sair a buscar-vos, abonos<br />

eram de agradeci<strong>da</strong>. Se quis o foragi<strong>do</strong> António violentá-la e ela se defendeu

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!