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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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772 Padre Mateus Ribeiro<br />

Rodeei esta casa várias vezes, por ver se encontrava ao venturoso<br />

Silvério, delibera<strong>do</strong> em <strong>da</strong>r-lhe a morte; porém guar<strong>do</strong>u-o sua ventura, que sem<br />

ron<strong>da</strong>r os muros deste jardim, de quantas noites de antes eu os rondei, quan<strong>do</strong><br />

me lisonjeava a esperança, alcançou melhor prémio com o descui<strong>do</strong> <strong>do</strong> que eu<br />

avancei com o cui<strong>da</strong><strong>do</strong>. Mais de meia-noite seria quan<strong>do</strong> a<strong>caso</strong> pon<strong>do</strong> a mão<br />

na porta <strong>do</strong> jardim, a vi tão debilmente fecha<strong>da</strong> que sem estron<strong>do</strong>sa violência<br />

pude abri-la; entrei pensativo se dentro estaria Silvério, mas não estava: vi à<br />

luz de uma vela a senhora Florisela, de antes to<strong>do</strong> meu recreio e então to<strong>da</strong><br />

minha mágoa, e desejoso não de ofendê-la, mas de obrigá-la a que fosse<br />

minha esposa, cortan<strong>do</strong> os flori<strong>do</strong>s ramos à ventura de Silvério, entrei<br />

rebuça<strong>do</strong> tão repentinamente aonde estava que, apagan<strong>do</strong>-se a luz, caiu em<br />

terra desmaia<strong>da</strong> <strong>do</strong> susto. Tomei-a nos braços sem senti<strong>do</strong>s, e entran<strong>do</strong> em<br />

casa, aonde estava o senhor Antíoco, meu singular amigo, bem descui<strong>da</strong><strong>do</strong> de<br />

tal sucesso, chaman<strong>do</strong> as cria<strong>da</strong>s que estão presentes, lhes entreguei a<br />

desanima<strong>da</strong> presa para que com to<strong>do</strong>s os possíveis remédios a confortassem<br />

até tornar a cobrar os embarga<strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s; como tornou a respirar já no raiar<br />

<strong>da</strong> primeira luz <strong>da</strong> aurora. Pediu-me com lágrimas que a sua mãe a restituísse,<br />

e quis obrar como eu era em haven<strong>do</strong>-a trata<strong>do</strong> tão continente como se fora eu<br />

seu próprio irmão, o senhor Lisar<strong>do</strong>, que está ausente, conduzi-la a sua casa e<br />

à vossa presença, como vedes.<br />

Bem sei que por atrevi<strong>do</strong> me não isento de castigo; mas também pelo<br />

molesto não desmereço o galardão. Muito louva Quinto Cúrcio 673 a grande<br />

continência <strong>do</strong> grande Alexandre com que se houve com a mulher e filhas d'el-<br />

rei Dário, ten<strong>do</strong>-as prisioneiras em seu poder e sen<strong>do</strong> por maravilha fermosas,<br />

<strong>da</strong>n<strong>do</strong> imortais aplausos à fama o extremoso <strong>da</strong> modéstia com o portentoso <strong>da</strong><br />

fermosura; e parece-me a mim que em paralelo igual fica hoje este<br />

desempenho de minha fi<strong>da</strong>lguia, pois nem a mulher de Dário seria mais<br />

fermosa que a senhora Florisela, sen<strong>do</strong> o aplauso que admira esta ci<strong>da</strong>de, nem<br />

eu obrei menos heróica continência que Alexandre: porque ele à mulher de<br />

Dário não a amava e só a viu no dia em que to<strong>do</strong>s celebraram este triunfo de<br />

sua modéstia; porém aman<strong>do</strong> eu com tais finezas à senhora Florisela e ten<strong>do</strong>-a<br />

em minha casa, ser para suas lágrimas tão cortês e tão rigoroso para meu<br />

Quint. Curt., Lib. 3.

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