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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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506 Padre Mateus Ribeiro<br />

gala? Oh sorte dura! Oh destino cruel de uma vi<strong>da</strong> que <strong>da</strong> força violenta<strong>da</strong> ha­<br />

de pagar à morte tão odioso tributo! Para que era o nascer, se havia de<br />

acabar? Para que era o viver, se os foros <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> havia a morte de pedir? Não<br />

conhecesse que vivia, quem havia de conhecer que acabava. Fora o berço o<br />

sepulcro quan<strong>do</strong> o não temia e não hoje, quan<strong>do</strong> a morte me ameaça. Chegou-<br />

me a razão para sentir a pena, melhor fora não chegar, para evitar a mágoa. E<br />

se hei-de converter-me em terra, para que a natureza me vestiu de carne?<br />

Vestir a gala para ser despoja<strong>do</strong> dela, é <strong>do</strong>r tão intensa que melhor fora não<br />

vesti-la, favor que eu recebera, mimo que celebrara; que a troco de não me ver<br />

despoja<strong>do</strong>, agradecera nunca me ver vesti<strong>do</strong>. Morrerei pobre e em terra<br />

estranha: acabarão minhas memórias, para ficar esqueci<strong>do</strong>, não haven<strong>do</strong><br />

quem de mim se lembre, como se neste mun<strong>do</strong> não houvera si<strong>do</strong>. Oh mágoa<br />

de meu coração, tão presente para conheci<strong>da</strong> como sem remédio para<br />

chora<strong>da</strong>!<br />

Assim se queixava o quasi desespera<strong>do</strong> Rogério com vozes que os<br />

nossos romeiros bem ouviam; e movi<strong>do</strong>s de compaixão, para ver se podiam<br />

servir-lhe de desengano e juntamente de alívio, entran<strong>do</strong> em seu aposento, lhe<br />

disse o Ermitão desta sorte:<br />

- Na ver<strong>da</strong>de, senhor Rogério, que quan<strong>do</strong> fôreis nasci<strong>do</strong> ou nos<br />

bárbaros montes <strong>da</strong> penhascosa Cítia, ou nos vastos areais <strong>da</strong> deserta Arábia,<br />

ou finalmente nas incultas terras que ain<strong>da</strong> o mun<strong>do</strong> por encobertas nos<br />

esconde, pudera maravilhar-me de ouvir os ecos de vossas desesperações,<br />

quanto mais sen<strong>do</strong> vós nasci<strong>do</strong> em Liorne, no grémio <strong>da</strong> cristan<strong>da</strong>de e na<br />

política <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Sentis haver nasci<strong>do</strong>? Ingrato vos mostrais a Deus em não<br />

render-lhe as graças de tão grande benefício, qual é o <strong>da</strong> criação. Pois sen<strong>do</strong><br />

vós na<strong>da</strong>, vos deu ser; que pudéreis, como muitos possíveis que Deus pudera<br />

fazer e não há-de obrar, deixar-vos no na<strong>da</strong> que éreis, sem vos comunicar o<br />

ser que tendes. Pois quan<strong>do</strong> vos não criara, não deixara por isso Deus de ser<br />

infinitamente glorioso, como hoje é: que Deus não necessita de suas criaturas,<br />

porque to<strong>da</strong> a glória e infinita majestade em si próprio tem. E se tanto devemos<br />

aos pais por haverem si<strong>do</strong> causas segun<strong>da</strong>s de nosso ser, que graças render<br />

devemos a Deus que é a primeira causa <strong>do</strong> ser que temos? Assim diz S.<br />

Bernar<strong>do</strong>: Tu<strong>do</strong> devemos a Deus, que nos criou, que nos chamou e que nos<br />

remiu.

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