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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Alívio de tristes e consolação de queixosos - Parte III 481<br />

Assim falan<strong>do</strong> e sentin<strong>do</strong>, ou sentin<strong>do</strong> mais <strong>do</strong> que falava (poucas vezes<br />

as vozes são intérpretes cabais <strong>do</strong> sentimento), man<strong>do</strong>u largar as velas que o<br />

sol sobre<strong>do</strong>urava com seus raios, navegan<strong>do</strong> na volta de Veneza, aonde por<br />

agora os deixaremos, para tratar <strong>do</strong> conde Manfre<strong>do</strong>, que apenas na manhã<br />

sentiu a falta de Flora e a fugi<strong>da</strong> de Reginal<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> suspeitan<strong>do</strong> que com<br />

ele se fora, pouco lhe faltou para perder a vi<strong>da</strong>, se tem mais vi<strong>da</strong> que perder<br />

quem tais agravos sente. Davam-se nele juntamente agravos para senti-los,<br />

sau<strong>da</strong>des para chorá-las, que poderosa desculpa tem os olhos quan<strong>do</strong> ao rigor<br />

de sau<strong>da</strong>des choram: estas nasciam <strong>do</strong> amor e os agravos <strong>da</strong> ofensa, <strong>do</strong>us<br />

verdugos <strong>do</strong> sofrimento, <strong>do</strong>us martírios <strong>do</strong> coração, qualquer deles poderoso<br />

para acabar a vi<strong>da</strong>, se a própria <strong>do</strong>r a não reservara para sentir mais dilata<strong>da</strong>s<br />

as penas.<br />

- Oh infelice filha (dizia o pai), até agora delícia de meus olhos e agora<br />

eternas lágrimas deles! Quanto mais bem afortuna<strong>do</strong> pudera julgar-me se te<br />

não tivera! Há venturas que são prelúdios <strong>da</strong>s desgraças, pois o que se avalia<br />

favor, vem a ser castigo. Dotou-te a natureza para seres ludíbrio <strong>da</strong> fortuna e<br />

enriqueceu-me de valor para ser maior hoje teu abatimento. Nos rios grandes<br />

logo se conhecem as faltas quan<strong>do</strong> descobrem as areias; nos arroios<br />

pequenos mal se divisam, nem as crescentes por poucas, nem as faltas por<br />

limita<strong>da</strong>s. Mas ai de mim, que no lustre de meus progenitores com tanta glória<br />

adquiriu os átomos como no sol se divisam para senti-los, quanto mais tão<br />

grande mancha para deslustrá-los! Que te faltava, Flora, para estima<strong>da</strong> ou que<br />

não te sobrava para senhora? Como quiseste de um golpe cortar-me a honra e<br />

a vi<strong>da</strong>? Se tem vi<strong>da</strong> que perder quem perde a honra. Que importaram as<br />

glórias militares com tantos riscos ganha<strong>da</strong>s e com tantos desvelos possuí<strong>da</strong>s,<br />

se bastou uma hora para malograr anos também despendi<strong>do</strong>s e para arruinar<br />

edifícios tão generosamente fun<strong>da</strong><strong>do</strong>s? Aonde me ocultarei que me não vejam<br />

tão desluzi<strong>do</strong>? Que nunca os olhos se empregam em ver ao sol senão quan<strong>do</strong><br />

a luz lhe falta. Oh filha desditosa, nasci<strong>da</strong> para exemplo <strong>da</strong> fortuna, que pôde<br />

mais contigo um cria<strong>do</strong> para roubar-te que um pai que te quis tanto para<br />

possuir-te! Que mal empregastes as finezas em tal sujeito, pois quan<strong>do</strong> apenas<br />

era capaz de ser cria<strong>do</strong>, como cega o elegestes para mari<strong>do</strong>? Se te vira melhor<br />

emprega<strong>da</strong>, serviriam teus acertos de alívio a minhas mágoas, mas sen<strong>do</strong> tão

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