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Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

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jurisdição – entendida como o po<strong>de</strong>r jurisdicional <strong>de</strong> aplicar o direito ao caso concreto – é in<strong>de</strong>legável, posto que<br />

todos os juízes a possuem e não po<strong>de</strong>m repassá-la a quem não é magistrado. O que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>legar, em verda<strong>de</strong>,<br />

segundo as regras legais, é a competência, isto é, o limite para o exercício jurisdicional. Assim, para que um juiz<br />

ouça uma testemunha resi<strong>de</strong>nte em outra Comarca, fora <strong>de</strong> sua competência, expe<strong>de</strong> carta precatória, <strong>de</strong>legando a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colher a prova a outro magistrado. Este, que possui jurisdição, passa a ser competente para a oitiva.<br />

O mesmo se dá com a carta <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m. Note-se que são situações previstas expressamente em lei. Alguns<br />

processualistas preferem tratar o tema como “<strong>de</strong>legação <strong>de</strong> jurisdição” e, ainda assim, há divergência: Espínola<br />

Filho e Fre<strong>de</strong>rico Marques veem uma hipótese <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> jurisdição quando o magistrado expe<strong>de</strong> uma<br />

precatória para a produção <strong>de</strong> uma prova qualquer (<strong>Código</strong> <strong>de</strong> <strong>Processo</strong> <strong>Penal</strong> brasileiro anotado, v. II, p. 52;<br />

Elementos <strong>de</strong> direito processual penal, v. I, p. 176), enquanto Tourinho Filho prefere crer que se trata <strong>de</strong> um<br />

simples ato <strong>de</strong> cooperação, uma vez que o juiz <strong>de</strong>precante não po<strong>de</strong> transmitir um po<strong>de</strong>r que não possui, já que não<br />

lhe era possível ouvir a pessoa em Comarca estranha à sua. Somente no caso <strong>de</strong> carta <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, enten<strong>de</strong> Tourinho<br />

ser admissível a <strong>de</strong>legação, tendo em vista que a autorida<strong>de</strong> expedidora po<strong>de</strong>ria ouvir pessoalmente a testemunha no<br />

local on<strong>de</strong> ela resi<strong>de</strong>, mas prefere transmitir essa atribuição a outro magistrado (<strong>Código</strong> <strong>de</strong> <strong>Processo</strong> <strong>Penal</strong><br />

comentado, v. 1, p. 167-168). Invocando as lições <strong>de</strong> Greco Filho e Tornaghi, Pedro Henrique Demercian e Jorge<br />

Assaf Maluly consi<strong>de</strong>ram não haver hipótese alguma para <strong>de</strong>legação – nem <strong>de</strong> jurisdição, nem <strong>de</strong> competência.<br />

Quando um juiz expe<strong>de</strong> precatória a outro, nada mais faz do que transmitir uma solicitação para que o <strong>de</strong>precado<br />

proceda a uma inquirição ou colha uma prova que está <strong>de</strong>ntro da sua esfera <strong>de</strong> competência, visto que o <strong>de</strong>precante<br />

não po<strong>de</strong>ria fazê-lo (Curso <strong>de</strong> processo penal, p. 180-181). Mantemos nosso entendimento <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> um<br />

aspecto da <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> competência. A jurisdição não é <strong>de</strong>legável, nem transmissível. Somente o seria se um<br />

órgão jurisdicional pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>legá-la a quem não a possui, sendo ente estranho ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, o que não<br />

ocorre. Por isso, tanto na precatória quanto na carta <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m transmite-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar atos<br />

jurisdicionais que a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>precada não po<strong>de</strong>ria fazer sem a autorização do <strong>de</strong>precante. Essa transmissão é<br />

expressamente autorizada em lei, o que não lhe retira o caráter <strong>de</strong> <strong>de</strong>legável. Verifique-se que a testemunha<br />

resi<strong>de</strong>nte em São Paulo, mas arrolada em um processo do Rio <strong>de</strong> Janeiro, somente po<strong>de</strong> ser ouvida pelo magistrado<br />

paulista, caso o juiz fluminense expeça uma carta precatória solicitando-lhe que o faça. A referida testemunha é<br />

meio <strong>de</strong> prova do processo do Rio <strong>de</strong> Janeiro e não <strong>de</strong> São Paulo, <strong>de</strong> modo que, em território paulista, ela não <strong>de</strong>ve<br />

ser ouvida, não sendo da esfera <strong>de</strong> competência do juiz local fazê-lo. Somente está autorizado, caso lhe seja<br />

<strong>de</strong>legada a tarefa. Lembremos que <strong>de</strong>legar é transmitir po<strong>de</strong>res, atribuições ou meramente incumbir alguém <strong>de</strong><br />

fazer algo, exatamente o que faz o <strong>de</strong>precante: transmite o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> convocar e ouvir uma testemunha, que diz<br />

respeito a processo seu, a outro juízo. Esten<strong>de</strong>-se a competência do juiz em face <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação autorizada em lei.<br />

Por outro lado, se um <strong>de</strong>sembargador po<strong>de</strong> ir à Comarca do interior on<strong>de</strong> se encontra <strong>de</strong>terminada testemunha para<br />

inquiri-la, mas prefere não fazê-lo, <strong>de</strong>precando o ato (carta <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m), está autorizando, por <strong>de</strong>legação <strong>de</strong><br />

competência, que o juiz local o faça. Não é uma questão <strong>de</strong> transmitir po<strong>de</strong>r jurisdicional, mas <strong>de</strong> conferir<br />

competência a magistrado que não a possui. Essa nos parece ser a questão central, que autoriza concluir ser<br />

<strong>de</strong>legável apenas a competência, <strong>de</strong> acordo com os ditames legais.<br />

3-A. Jurisdição voluntária: enten<strong>de</strong>mos não haver no processo penal, em nenhuma hipótese, tal situação.<br />

Define Afrânio Silva Jardim que “através da jurisdição voluntária, administração pública <strong>de</strong> interesses privados, o<br />

Estado não acolhe ou rejeita pretensões, mas tão somente atua conjuntamente com os interessados para a<br />

realização <strong>de</strong> negócios jurídicos, dando-lhes maior segurança e submetendo-os à maior fiscalização estatal. Na<br />

jurisdição voluntária – que não é jurisdição e nem voluntária – não há processo, mas simplesmente procedimento.<br />

Não há pretensão, mas interesses comuns ou paralelos. Não há pedido, mas requerimento. Não há partes, mas<br />

pessoas interessadas. Sob o aspecto ontológico, nada impe<strong>de</strong> que tenhamos procedimentos <strong>de</strong> jurisdição voluntária<br />

no processo penal, sejam vinculados, <strong>de</strong> alguma forma, à ação penal con<strong>de</strong>natória, sejam vinculados às ações penais

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