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Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

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1. Prerrogativa <strong>de</strong> função: como vimos em nota anterior ao art. 69, VII, a prerrogativa <strong>de</strong> função do agente<br />

po<strong>de</strong> alterar fundamentalmente a eleição do foro competente para apurar a infração cometida. A regra geral é que o<br />

<strong>de</strong>linquente seja punido no local do crime, pois aí está o maior abalo à comunida<strong>de</strong>. Entretanto, conforme a<br />

situação específica em que se encontre, há alteração da regra geral. É o que ocorre com o agente investido em<br />

particular função. Assim, se um Prefeito <strong>de</strong> distante cida<strong>de</strong> do interior pratica um <strong>de</strong>lito, será julgado no Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça, na capital do Estado, e não no lugar on<strong>de</strong> o abalo gerado pelo crime emergiu. A doutrina, <strong>de</strong> maneira<br />

geral, justifica a existência do foro privilegiado como maneira <strong>de</strong> dar especial relevo ao cargo ocupado pelo<br />

agente do <strong>de</strong>lito e jamais pensando em estabelecer <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s entre os cidadãos. Entretanto, não estamos<br />

convencidos disso. Se todos são iguais perante a lei, seria preciso uma particular e relevante razão para afastar o<br />

criminoso do seu juiz natural, entendido este como o competente para julgar todos os casos semelhantes ao que foi<br />

praticado. Não vemos motivo suficiente para que o Prefeito seja julgado na Capital do Estado, nem que o juiz<br />

somente possa sê-lo pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça ou o <strong>de</strong>sembargador pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça e assim por<br />

diante. Se à justiça cível todos prestam contas igualmente, sem qualquer distinção, natural seria que a regra valesse<br />

também para a justiça criminal. O fato <strong>de</strong> se dizer que não teria cabimento um juiz <strong>de</strong> primeiro grau julgar um<br />

Ministro <strong>de</strong> Estado que cometa um <strong>de</strong>lito, pois seria uma “subversão <strong>de</strong> hierarquia” não é convincente, visto que os<br />

magistrados são todos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e, no exercício <strong>de</strong> suas funções jurisdicionais, não se submetem a ninguém,<br />

nem há hierarquia para controlar o mérito <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões. Logo, julgar um Ministro <strong>de</strong> Estado ou um médico<br />

exige do juiz a mesma imparcialida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>dicação, <strong>de</strong>vendo-se clamar pelo mesmo foro, levando em conta o lugar<br />

do crime e não a função do réu. Explica Tourinho Filho que não se trata <strong>de</strong> “odioso privilégio”, mas sim <strong>de</strong><br />

“elementar cautela, para amparar, a um só tempo, o responsável e a Justiça, evitando, por exemplo, a subversão da<br />

hierarquia, e para cercar o seu processo e julgamento <strong>de</strong> especiais garantias, protegendo-os contra eventuais<br />

pressões que os supostos responsáveis pu<strong>de</strong>ssem exercer sobre os órgãos jurisdicionais inferiores” (<strong>Código</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Processo</strong> <strong>Penal</strong> comentado, v. 1, p. 215). Quanto à subversão da hierarquia já comentamos que ela inexiste, quando<br />

o juiz profere, <strong>de</strong>ntro do seu convencimento, fundado em lei, <strong>de</strong>cisões jurisdicionais. Não está submetido a<br />

nenhuma autorida<strong>de</strong> superior. Quanto à pretensa proteção que se busca, não vemos base para tanto. O juiz <strong>de</strong> 2.º<br />

grau está tão exposto quanto o <strong>de</strong> 1.º grau em julgamentos dominados pela política ou pela mídia. Por outro lado,<br />

caso o magistrado <strong>de</strong> 1.º grau, julgando um Governador, por exemplo, sofresse algum tipo <strong>de</strong> pressão, po<strong>de</strong>ria<br />

<strong>de</strong>nunciar o caso, o que somente seria prejudicial a quem buscou influenciar o julgador. Por outro lado, caso se<br />

<strong>de</strong>ixe levar pela pressão e <strong>de</strong>cida erroneamente, existe o recurso para sanar qualquer injustiça. Enfim, a autorida<strong>de</strong><br />

julgada pelo magistrado <strong>de</strong> 1.º grau sempre po<strong>de</strong> recorrer, havendo equívoco na <strong>de</strong>cisão, motivo pelo qual é<br />

incompreensível que o foro privilegiado mantenha-se no Brasil. Por que não haveria sentido, como muitos<br />

afirmam, que um juiz julgasse um Ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral? Não está julgando o cargo, mas sim a<br />

pessoa que cometeu um <strong>de</strong>lito. Garantir que haja o foro especial é conduzir justamente o julgamento para o<br />

contexto do cargo e não do autor da infração penal. Por acaso teria o Judiciário maior zelo para con<strong>de</strong>nar um<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República do que um brasileiro comum? Pensamos que jamais <strong>de</strong>veria agir com tal postura<br />

discriminatória, o que justifica <strong>de</strong>verem ser todos julgados pelo magistrado do lugar da infração ou do domicílio do<br />

réu, excetuados apenas os casos <strong>de</strong> matérias específicas. Nesse prisma, sustenta Marcelo Semer que “o foro<br />

privilegiado para julgamentos criminais <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s é outra <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> que ainda permanece. Reproduzimos,<br />

com pequenas variações, a regra antiga <strong>de</strong> que fidalgos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s estados e po<strong>de</strong>r somente seriam presos por<br />

mandados especiais do Rei. É um típico caso em que se outorga maior valor à noção <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> do que ao<br />

princípio <strong>de</strong> isonomia, com a diferença <strong>de</strong> que hoje a igualda<strong>de</strong> é um dos pilares da Constituição. (...) Competência<br />

processual não se <strong>de</strong>ve medir por uma ótica militar ou por estrato social. Autorida<strong>de</strong>s que cometem crimes <strong>de</strong>vem<br />

ser julgadas como quaisquer pessoas, pois <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> se revestir do cargo quando praticam atos irregulares. (...) O<br />

foro privilegiado, tal qual a prisão especial, é herança <strong>de</strong> uma legislação elitista, que muito se compatibilizou com

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