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Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

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da vítima e da testemunha, é preciso que o Estado garanta a fiel aplicação da lei penal, protegendo aqueles que<br />

colaboram com a <strong>de</strong>scoberta da verda<strong>de</strong> real. Assim, havendo fundamento plausível, é preciso que a autorida<strong>de</strong><br />

policial – trata-se do reconhecimento na fase extrajudicial neste caso – provi<strong>de</strong>ncie o isolamento do reconhecedor.<br />

Cumpre mencionar que tal regra já se tornou habitual nos processos <strong>de</strong> reconhecimento, o que <strong>de</strong>flui natural, em<br />

nosso enten<strong>de</strong>r, pelo aumento da criminalida<strong>de</strong> e da violência com que agem os <strong>de</strong>linquentes.<br />

11. Isolamento visual: procura-se evitar que o reconhecedor sofra a influência do reconhecendo e, por<br />

qualquer tipo <strong>de</strong> constrangimento ou mesmo sentimento <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong>, não diga a verda<strong>de</strong>. Por isso <strong>de</strong>ve a autorida<strong>de</strong><br />

provi<strong>de</strong>nciar o isolamento visual, para que o último não veja o primeiro, sempre que houver o temor da influência<br />

negativa <strong>de</strong> um sobre o outro.<br />

12. Auto pormenorizado: é o registro, por escrito, <strong>de</strong> tudo quanto ocorrer no processo <strong>de</strong> reconhecimento.<br />

Devem ser anotadas as reações do reconhecedor e todas as suas manifestações, <strong>de</strong> modo a se po<strong>de</strong>r analisar qual o<br />

processo mental utilizado para chegar à conclusão <strong>de</strong> que o reconhecendo é – ou não – a pessoa procurada. Há<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> duas testemunhas presenciais do reconhecimento, além da autorida<strong>de</strong> policial e do reconhecedor.<br />

Essas pessoas po<strong>de</strong>m ser chamadas a <strong>de</strong>por em juízo para confirmar e narrar o constatado no momento do<br />

reconhecimento, ratificando-o como prova válida ou infirmando-o pela precarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> elementos com que foi<br />

produzido. É fundamental que a autorida<strong>de</strong> policial não se utilize <strong>de</strong> subordinados seus para validar tão importante<br />

prova.<br />

13. Valor do reconhecimento como meio <strong>de</strong> prova: quando produzido na polícia, torna-se uma prova<br />

longe do crivo do contraditório, embora possa ser confirmada em juízo não só por outro reconhecimento, mas<br />

também pela inquirição das testemunhas, que assinaram o auto pormenorizado na fase extrajudicial. Tem, como as<br />

<strong>de</strong>mais provas colhidas no inquérito, valor relativo, necessitando <strong>de</strong> confirmação. Quanto ao reconhecimento feito<br />

em juízo, é prova direta, mas sempre subjetiva e merecedora <strong>de</strong> análise cautelosa. Se testemunhas são capazes <strong>de</strong><br />

mentir em seus <strong>de</strong>poimentos, é natural que reconhecedores também po<strong>de</strong>m fazê-lo, durante o reconhecimento <strong>de</strong><br />

alguém. Além disso, é preciso contar com o fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>turpação da memória, favorecendo o esquecimento e<br />

proporcionando i<strong>de</strong>ntificações casuísticas e falsas. O juiz jamais <strong>de</strong>ve con<strong>de</strong>nar uma pessoa única e tão somente<br />

com base no reconhecimento feito pela vítima, por exemplo, salvo se essa i<strong>de</strong>ntificação vier acompanhada <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>poimento seguro e convincente, prestado pelo próprio ofendido, não <strong>de</strong>movido por outras evidências.<br />

14. Não aplicabilida<strong>de</strong> da preservação do reconhecedor frente ao reconhecido na fase judicial: é<br />

nítida a finalida<strong>de</strong> da lei em preservar a pessoa colocada na difícil situação <strong>de</strong> reconhecer outra, normalmente um<br />

criminoso – e perigoso –, submetendo-se a situações <strong>de</strong> constrangimentos <strong>de</strong> toda or<strong>de</strong>m e impedindo-a, até<br />

mesmo, <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r à formação da prova com a isenção e idoneida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mandadas pela busca da verda<strong>de</strong> real no<br />

processo penal. Assim, é totalmente incompreensível a vedação estabelecida para a preservação da imagem do<br />

reconhecedor frente ao reconhecido em juízo. Como leciona, com pertinência, Tornaghi, a medida foi<br />

injustificável, <strong>de</strong>monstrando que a lei brasileira preferiu seguir “servilmente” a italiana (Compêndio <strong>de</strong> processo<br />

penal, t. III, p. 921). Em sentido oposto, estando <strong>de</strong> acordo com a vedação e alegando “razões óbvias”, sem as<br />

enumerar, no entanto, está a posição <strong>de</strong> Tourinho Filho (Comentários ao <strong>Código</strong> <strong>de</strong> <strong>Processo</strong> <strong>Penal</strong>, v. 1, p. 432).<br />

Justifica sua existência, <strong>de</strong> modo ingênuo para a época atual, Espínola Filho: “E, apenas, quando o reconhecimento<br />

<strong>de</strong>ver efetivar-se perante o julgador, quer na fase da instrução criminal, quer na do plenário <strong>de</strong> julgamento, não<br />

haverá motivo <strong>de</strong> provi<strong>de</strong>nciar <strong>de</strong>sse modo, pois o ambiente em que se realiza o ato e a presença do juiz<br />

constituirão elementos <strong>de</strong> garantia suficientes, para nada temer o reconhecedor” (<strong>Código</strong> <strong>de</strong> <strong>Processo</strong> <strong>Penal</strong><br />

brasileiro anotado, v. 3, p. 142). Somos levados a sustentar a evi<strong>de</strong>nte incompatibilida<strong>de</strong> do disposto neste<br />

parágrafo único com a realida<strong>de</strong> e, sobretudo, com os princípios processuais, entre os quais o da busca da verda<strong>de</strong><br />

real. E frise-se: sem qualquer arrepio à ampla <strong>de</strong>fesa e ao contraditório, pois não vislumbramos qual po<strong>de</strong> ser o

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