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Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

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orquestrados e dissociados da realida<strong>de</strong>, enten<strong>de</strong>mos que nem toda prova testemunhal se volta à avaliação da<br />

materialida<strong>de</strong> e da autoria, pois, para a fixação da pena, exige o art. 59 do <strong>Código</strong> <strong>Penal</strong> a avaliação do juiz, em cada<br />

caso concreto, da personalida<strong>de</strong>, da conduta social, dos motivos, do comportamento da vítima, <strong>de</strong>ntre outros<br />

fatores subjetivos, dizendo respeito a tais <strong>de</strong>poimentos. Como saber se o acusado é bom pai ou bom marido, sem<br />

ouvir seus familiares e conhecidos? Como atestar ter ou não o réu boa conduta social, sem ouvir pessoas do seu<br />

bairro ou do seu ambiente <strong>de</strong> trabalho? Enfim, o que existe é prova malfeita, mas a responsabilida<strong>de</strong> por tal situação<br />

é dos profissionais do direito (juízes, promotores e advogados), que compactuam com tais falaciosos <strong>de</strong>poimentos,<br />

e não da legislação. Assim, da mesma forma que vários advogados insistem em arrolar testemunhas inconsistentes,<br />

cuja missão é unicamente elogiar, <strong>de</strong> qualquer modo, o réu, muitos promotores não se preocupam em arrolar<br />

outras, com a tarefa <strong>de</strong> contrapor-se a tais <strong>de</strong>poimentos, nem tampouco chegam a participar ativamente da colheita<br />

<strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>clarações. Já tivemos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> presidir audiências em que o Promotor, inconformado com a<br />

superficialida<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>poimentos das testemunhas <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes oferecidas pela <strong>de</strong>fesa, começou a reperguntar<br />

com tamanha precisão que abalou a testemunha, resultando, pois, na transformação do conteúdo da sua narrativa,<br />

terminando ela por contar que o réu, <strong>de</strong> fato, nunca foi boa pessoa e era pessimamente consi<strong>de</strong>rado em sua<br />

comunida<strong>de</strong>. Por outro lado, juízes também têm responsabilida<strong>de</strong>, por ignorar por completo tais <strong>de</strong>poimentos em<br />

suas <strong>de</strong>cisões, visto que pouco individualizam a pena, como <strong>de</strong>termina o art. 59 mencionado. Afinal, se todos<br />

agissem com <strong>de</strong>talhismo na colheita da prova, não haveria tantas críticas a enfrentar nesse contexto. Pensamos,<br />

pois, <strong>de</strong>verem ser as testemunhas <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes ou <strong>de</strong> conduta social mantidas com tal <strong>de</strong>signação, embora as<br />

finalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua inquirição não sejam fazer prova da materialida<strong>de</strong> ou da autoria, mas sim do grau <strong>de</strong> reprovação<br />

social do fato e do réu, por ocasião <strong>de</strong> eventual con<strong>de</strong>nação, influindo na quantificação da pena. Por vezes, algo<br />

comprovado por várias <strong>de</strong>cisões dos tribunais, até mesmo os antece<strong>de</strong>ntes do acusado auxiliam na tipificação <strong>de</strong><br />

um crime, como se vê nos julgados que precisam extrair a convicção <strong>de</strong> ser o réu mero usuário da droga que trazia<br />

consigo (art. 28 da Lei 11.343/2006) ou um autêntico traficante (art. 33 da mesma Lei).<br />

Art. 214. Antes <strong>de</strong> iniciado o <strong>de</strong>poimento, as partes po<strong>de</strong>rão contraditar 74-75 a testemunha ou arguir circunstâncias<br />

ou <strong>de</strong>feitos, 76 que a tornem suspeita <strong>de</strong> parcialida<strong>de</strong>, 77 ou indigna <strong>de</strong> fé. O juiz fará consignar a contradita ou<br />

arguição e a resposta da testemunha, mas só excluirá 78 a testemunha ou não lhe <strong>de</strong>ferirá compromisso nos casos<br />

previstos nos arts. 207 e 208.<br />

74. Contradita: é a impugnação ou objeção apresentada pela parte, geralmente, em relação à testemunha<br />

arrolada pelo adversário. Diz respeito, especificamente, às pessoas que não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>por (art. 207, CPP) ou às que<br />

não <strong>de</strong>vem ser compromissadas (art. 208, CPP). Nada impe<strong>de</strong> que, excepcionalmente, a parte que arrolou a<br />

testemunha apresente contradita ao juiz. Exemplo disso é a atuação do Promotor <strong>de</strong> Justiça, arrolando, na <strong>de</strong>núncia,<br />

para prestar <strong>de</strong>poimento, o médico que cuidou do réu, embora outro representante do Ministério Público<br />

compareça à audiência. Constatando a irregularida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>poimento, que está em vias <strong>de</strong> se realizar, nada<br />

obstaculiza a apresentação da contradita ao magistrado para excluir a testemunha, <strong>de</strong>ntro da in<strong>de</strong>pendência<br />

funcional, regente da sua atuação e visando a não produção <strong>de</strong> prova ilícita, em face do sigilo imposto. As partes,<br />

tendo acesso aos dados <strong>de</strong> qualificação da testemunha, previamente passados no rol, ou então pelo que colhem no<br />

momento em que a pessoa os fornece ao magistrado, po<strong>de</strong>m arguir qualquer impedimento, falsa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ou<br />

outro motivo, <strong>de</strong> forma a tornar a testemunha impedida <strong>de</strong> <strong>de</strong>por ou <strong>de</strong> fazê-lo sob compromisso.<br />

75. Procedimento para a contradita: após a qualificação da testemunha, a parte interessada solicitará a<br />

palavra, pela or<strong>de</strong>m, ao juiz para manifestar a sua impugnação, que será <strong>de</strong>vidamente reduzida a termo. Em seguida,<br />

o magistrado, em homenagem ao contraditório, ouve a parte contrária. Passa, então, a indagar da testemunha, a<br />

respeito dos fundamentos da contradita realizada. Se a pessoa confirmar os dados que impugnam seu <strong>de</strong>poimento, o<br />

juiz a afastará (art. 207) ou colherá seu <strong>de</strong>poimento sem o compromisso (art. 208). Não confirmando, é possível

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