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Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

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doutrina e na jurisprudência, que o Ministério Público, ao atuar em instância superior, quando não for o proponente<br />

da ação penal originária, participa do feito como custos legis. Por isso, o parecer emitido pelo Procurador <strong>de</strong><br />

Justiça (ou Procurador da República, conforme o caso) é consi<strong>de</strong>rado uma manifestação imparcial, no sentido <strong>de</strong><br />

fiscalizar a correta aplicação da lei. Nega-se, assim, à <strong>de</strong>fesa o direito <strong>de</strong> refutar as alegações contidas em<br />

referido parecer, ainda que lhe sejam totalmente <strong>de</strong>sfavoráveis – e, como regra, <strong>de</strong> fato são. Nesse sentido: STJ: “O<br />

parecer do Ministério Público ofertado em segundo grau <strong>de</strong> jurisdição, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> custos legis e não <strong>de</strong> parte<br />

(no caso, o previsto no art. 610 do CPP), não enseja contraditório. Portanto, a falta <strong>de</strong> manifestação da <strong>de</strong>fesa a seu<br />

respeito não causa nulida<strong>de</strong>. Prece<strong>de</strong>ntes citados: HC 128.181 – SP, DJe 09.08.2010, e HC 127.630 – SP, DJe<br />

28.09.2009” (HC 163.972 – MG, 6.ª T., rel. Maria Thereza <strong>de</strong> Assis Moura, 04.11.2010, v.u.). Entretanto, merece<br />

reavaliação tal postura, pois é sabido que o custos legis merece lugar on<strong>de</strong> litigam partes estranhas aos quadros do<br />

Ministério Público, instituição una e indivisível, atuante em <strong>de</strong>fesa da socieda<strong>de</strong>. Tal situação ocorre na ação penal<br />

privada, quando querelante e querelado entram em conflito, tendo por base a aplicação da lei penal. Nada mais justo<br />

do que contar com o parecer do Ministério Público, fiscalizando a instrução. Entretanto, quando o Ministério<br />

Público atua como proponente da ação, já consi<strong>de</strong>rado parte imparcial, por ter condições <strong>de</strong> se manifestar, a<br />

qualquer tempo, em favor do réu, não se compreen<strong>de</strong> a atuação dúplice da instituição, por meio <strong>de</strong> diversos<br />

integrantes. Se o promotor apresentou recurso ou ofereceu contrarrazões ao apelo da <strong>de</strong>fesa, a manifestação do<br />

Ministério Público, em sua face indivisível, já foi colhida. Aliás, convém frisar que o órgão ministerial po<strong>de</strong><br />

concordar com as razões do apelo <strong>de</strong>fensivo, ao oferecer a sua manifestação em contrarrazões. Assim sendo, já<br />

existe a parcela imbuída da correta aplicação da lei, atuando não somente como proponente da <strong>de</strong>manda penal, mas,<br />

concomitantemente, como fiscal da lei. O parecer do Ministério Público, em instância superior, como regra,<br />

acompanha a manifestação do representante da instituição <strong>de</strong> primeiro grau. Por vezes, fornece novos argumentos<br />

para proporcionar a mantença <strong>de</strong> sentença con<strong>de</strong>natória (ou outra <strong>de</strong>cisão negativa ao réu), <strong>de</strong>pondo contra os<br />

interesses do acusado. É certo que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos não haver necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contraditório sobre avaliação <strong>de</strong> fatos,<br />

vale dizer, sobre interpretação <strong>de</strong> provas, porém, parece-nos <strong>de</strong>masiado o órgão acusatório duplamente<br />

representado frente ao Judiciário. Decerto, o foco não está concentrado no contraditório, mas na <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> das<br />

partes no processo e, com especial zelo, no tocante à ampla <strong>de</strong>fesa. A dúplice exposição das i<strong>de</strong>ias do Ministério<br />

Público, em particular, quando coinci<strong>de</strong>m em argumentos contra a <strong>de</strong>fesa, expõe o <strong>de</strong>sequilíbrio processual<br />

existente no Brasil. Deveria haver a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contra-argumentação do <strong>de</strong>fensor, quando lhe fosse<br />

conveniente, aos pontos <strong>de</strong>fendidos pelo Ministério Público em seu parecer <strong>de</strong> 2.º grau (ou <strong>de</strong> instância superior).<br />

Somente assim estaria assegurada a <strong>de</strong>fesa ampla e o real equilíbrio das partes no processo penal. Registremos,<br />

ainda, somente para argumentar, que, sendo o parecer favorável ao réu, po<strong>de</strong> a <strong>de</strong>fesa simplesmente abster-se <strong>de</strong><br />

manifestação. Entretanto, a posição benéfica ao acusado, pelo princípio da prevalência do interesse do réu, não<br />

macula o processo; o problema se encontra na dupla manifestação negativa em relação ao acusado. O mesmo<br />

procedimento se dá em sustentação oral. Soa-nos incompreensível que se manifeste, em primeiro lugar, a <strong>de</strong>fesa;<br />

somente <strong>de</strong>pois, o Procurador <strong>de</strong> Justiça (ou da República). Afinal, já houve apelo ou contrarrazões do Ministério<br />

Público <strong>de</strong> primeiro grau, seguindo-se o parecer da instituição em segundo grau. Sustentando oralmente a <strong>de</strong>fesa,<br />

antes da Procuradoria <strong>de</strong> Justiça, será a terceira vez que o órgão acusatório – ainda que sob as vestes <strong>de</strong> custos<br />

legis – terá a oportunida<strong>de</strong> real e eficiente <strong>de</strong> expor argumentos contrários aos interesses da <strong>de</strong>fesa. Em suma,<br />

quem fecha o ciclo do raciocínio é a acusação e não a <strong>de</strong>fesa, numa estranha situação em que se sustenta a primazia<br />

da amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>fensiva em relação ao âmbito acusatório. Pensamos ser momento <strong>de</strong> se analisar tal paradoxo.<br />

Consi<strong>de</strong>rando-se <strong>de</strong> extremada importância o parecer do Ministério Público em instância superior, ad<br />

argumentandum, no mínimo, <strong>de</strong>ver-se-ia garantir à <strong>de</strong>fesa a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervir, oferecendo contraargumentação,<br />

quando a manifestação lhe for <strong>de</strong>sfavorável. E <strong>de</strong>veria a <strong>de</strong>fesa ser a última a falar, oralmente, diante<br />

a Corte Superior, antes <strong>de</strong> proferido o veredicto do colegiado.

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