12.06.2017 Views

Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

má vonta<strong>de</strong>) e já convertia a prisão em preventiva; b) o juiz, escolhido a <strong>de</strong>do, por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>signações da<br />

Presidência do Tribunal, segue para as audiências <strong>de</strong> custódia quase instigado a soltar o máximo que for possível<br />

(ao menos na Capital do Estado <strong>de</strong> São Paulo). Há uma terceira, na qual realmente não posso crer: o juiz, vendo o<br />

preso entrar em sua sala, com seus chinelos “<strong>de</strong> <strong>de</strong>do”, camiseta e calça simples, comove-se e o solta, mesmo<br />

sendo um homicida ou estuprador. Esse foi outro argumento apresentado por <strong>de</strong>fensores da audiência <strong>de</strong> custódia.<br />

Depois, tacham o Tribunal do Júri <strong>de</strong> circo... Uma injustiça sem tamanho. Devo dizer, ainda, que não me recordo <strong>de</strong><br />

criminalistas brasileiros terem levantado a questão da audiência <strong>de</strong> custódia há algumas décadas, apontando que o<br />

nosso País não cumpre a Convenção Americana <strong>de</strong> Direitos Humanos. Se o fizeram, foi tão discretamente que não<br />

se tornou assunto nacional, como hoje. Alguns argumentos dos <strong>de</strong>fensores da referida audiência <strong>de</strong> custódia fazemme<br />

lembrar, outra vez, do Tribunal do Júri, quando a velha doutrina o classificava como um instituto que garante o<br />

direito à liberda<strong>de</strong> do réu. Ora, o Júri não é tribunal <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> (já dizia um gran<strong>de</strong> jurista do passado); faz justiça.<br />

Logo, quem ali é posto para julgamento matou um ser humano e não tem direito à liberda<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong> ter, se for<br />

inocente. O mesmo dizemos hoje aos emotivos argumentos <strong>de</strong> que a audiência <strong>de</strong> custódia <strong>de</strong>ve tutelar a liberda<strong>de</strong><br />

dos presos. Mas os juízes já não faziam (e fazem) isso quando recebem o auto <strong>de</strong> prisão em flagrante? Para mim,<br />

fazem. Ou <strong>de</strong>vem fazer. Quem não cumpre a sua função, <strong>de</strong>ve ser punido. Outro argumento é que, sem a audiência<br />

<strong>de</strong> custódia, o juiz só ouvirá as razões do acusado no final da instrução, pois lançaram o interrogatório para o<br />

término da colheita das provas. Antes da reforma <strong>de</strong> 2008, o interrogatório era o primeiro ato do processo, quando<br />

o réu po<strong>de</strong>ria expor ao juiz a sua auto<strong>de</strong>fesa. Eu sempre <strong>de</strong>fendi que, simplesmente, lançar o interrogatório para o<br />

final não iria fomentar, positivamente, a ampla <strong>de</strong>fesa. Estas linhas estão escritas neste livro. Os <strong>de</strong>fensores da<br />

audiência <strong>de</strong> custódia tacharam, a seu bel prazer, os que diziam que ela é simplesmente inútil e o tempo se<br />

encarregará <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrá-lo <strong>de</strong> anacrônicos ou conservadores ou avessos à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Há um limite para tudo.<br />

Muitos dos quais ergueram a ban<strong>de</strong>ira da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> para a audiência <strong>de</strong> custódia nunca levantaram um <strong>de</strong>do,<br />

quando em cargos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, para instar o Po<strong>de</strong>r Executivo a, realmente, corrigir o <strong>de</strong>scalabro do sistema<br />

penitenciário. Aliás, alguns <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>fensores nem mesmo na área criminal militam. Não é qualquer i<strong>de</strong>ia nova,<br />

lançada por qualquer um, que necessariamente é boa e eficiente. Fosse assim, centenas (ou milhares) <strong>de</strong> teses e<br />

dissertações <strong>de</strong> mestrado em Direito, em todo o Brasil, já teriam sido a caixa <strong>de</strong> Pandora das novas e promissoras<br />

i<strong>de</strong>ias, a salvar o Direito <strong>Penal</strong> e o <strong>Processo</strong> <strong>Penal</strong> do marasmo. Um dos argumentos mais sofismáticos dos<br />

<strong>de</strong>fensores da audiência <strong>de</strong> custódia é que ela servirá <strong>de</strong> instrumento para não manter no cárcere quem nele não<br />

<strong>de</strong>veria estar. O argumento é puramente maniqueísta: a) porque o juiz lê o auto <strong>de</strong> prisão em flagrante, comete a<br />

injustiça <strong>de</strong> manter no cárcere o merecedor da liberda<strong>de</strong>; b) porque vai visualizar o preso e ouvir as suas razões<br />

(esperamos que isto não se transforme num pré-interrogatório, já usando as palavras do preso contra ele no futuro)<br />

será um magistrado justo e soltará o merecedor da liberda<strong>de</strong>. Trata-se, com a <strong>de</strong>vida vênia, <strong>de</strong> uma agressão<br />

in<strong>de</strong>vida contra todos os juízes que leem autos <strong>de</strong> prisão em flagrante todos os dias e pren<strong>de</strong>m ou soltam os<br />

indiciados. Trata-se <strong>de</strong> uma agressão velada aos membros do Ministério Público, que leem ilegalida<strong>de</strong>s e não<br />

tomariam providência; seria preciso ver o réu para a ilegalida<strong>de</strong> saltar-lhes à frente. Trata-se <strong>de</strong> uma agressão<br />

camuflada à classe dos advogados, que não conseguiriam expor aos juízes, por petição, os argumentos para soltar o<br />

preso. Tudo brilha na escuridão dos tempos atuais com a audiência <strong>de</strong> custódia; eis a nova era da luz no fim do túnel<br />

das injustiças e da superlotação dos presídios. Ironias à parte, perguntam-me se sou a favor ou contra a audiência <strong>de</strong><br />

custódia. O leitor <strong>de</strong>ve pensar, a essa altura, que sou contra. No entanto, sou visceralmente contra sofismas em<br />

matéria criminal. Não sou contra a audiência <strong>de</strong> custódia. Há estrutura suficiente neste imenso Brasil para<br />

aparelharmos todas as Comarcas para esse contato? Façamos e veremos que o índice <strong>de</strong> prisão continuará o<br />

mesmo. Porém, se é um direito humano fundamental que, segundo alguns, está sendo <strong>de</strong>scumprido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1992,<br />

não po<strong>de</strong> ser implantado aos poucos. Ou é direito fundamental ou não é. Ou se tem ampla <strong>de</strong>fesa ou não se tem. É<br />

preciso, adotada a audiência <strong>de</strong> custódia, como forma procedimental legal, para o controle da prisão cautelar, que

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!