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Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

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36. Indagação residual: finalizando o interrogatório <strong>de</strong> mérito, o juiz <strong>de</strong>ve colocar-se à disposição do réu<br />

para ouvir qualquer outra explicação ou alegação que queira apresentar, nem sempre já envolvida nas questões<br />

anteriores. Trata-se <strong>de</strong> instrumento hábil a valorizar o caráter <strong>de</strong>fensivo do interrogatório, permitindo ao acusado<br />

dizer o que bem enten<strong>de</strong>. Por exemplo, o fato <strong>de</strong> estar arrependido, <strong>de</strong> nunca se ter imaginado envolvido em<br />

situação como aquela, <strong>de</strong> estar vivendo uma situação infernal – mormente quando está preso, entre outros<br />

argumentos que pretenda <strong>de</strong>stacar ao magistrado, certamente úteis para o julgamento ou, pelo menos, para a fixação<br />

da pena.<br />

37. Direito <strong>de</strong> mentir: sustentamos ter o réu o direito <strong>de</strong> mentir em seu interrogatório <strong>de</strong> mérito. Em<br />

primeiro lugar, porque ninguém é obrigado a se autoacusar. Se assim é, para evitar a admissão <strong>de</strong> culpa, há <strong>de</strong><br />

afirmar o réu algo que sabe ser contrário à verda<strong>de</strong>. Em segundo lugar, o direito constitucional à ampla <strong>de</strong>fesa não<br />

po<strong>de</strong>ria excluir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> narrar inverda<strong>de</strong>s, no intuito cristalino <strong>de</strong> fugir à incriminação. Aliás, o que não é<br />

vedado pelo or<strong>de</strong>namento jurídico é permitido. E se é permitido, torna-se direito. A <strong>de</strong>speito disso, há judiciosas<br />

opiniões em sentido contrário, inadmitindo o direito <strong>de</strong> mentir do acusado: Tornaghi, Camargo Aranha e Mirabete<br />

(ver, a respeito, o nosso O valor da confissão como meio <strong>de</strong> prova no processo penal, p. 86). Adotando esta<br />

última linha, Badaró menciona que “não há um direito <strong>de</strong> mentir para o acusado. Há uma irrelevância jurídica na<br />

mentira do acusado, posto que <strong>de</strong> tal ato não lhe po<strong>de</strong>rão advir consequências negativas” (Direito processual penal,<br />

t. I, p. 233). Acrescemos, entretanto, cuidar-se <strong>de</strong> um eufemismo dizer que a mentira narrada pelo acusado é uma<br />

“irrelevância jurídica”, a ponto <strong>de</strong> não lhe trazer nenhuma consequência negativa. Ora, somente para argumentar, o<br />

fato atípico também é, para o Direito <strong>Penal</strong>, uma irrelevância jurídica, porém, <strong>de</strong> suma importância, uma vez que<br />

sinaliza não ser o ato praticado um crime. Logo, parece-nos relevante aquilatar quais condutas são típicas<br />

(potencialmente <strong>de</strong>lituosas) e as que não o são. No campo processual penal, quando o réu, para se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, narra<br />

mentiras ao magistrado, sem incriminar ninguém, constitui seu direito <strong>de</strong> refutar a imputação. O contrário da<br />

mentira é a verda<strong>de</strong>. Por óbvio, o acusado está protegido pelo princípio <strong>de</strong> que não é obrigado a se autoincriminar,<br />

razão pela qual po<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar o que bem enten<strong>de</strong>r ao juiz. É, pois, um direito.<br />

Art. 188. Após proce<strong>de</strong>r ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido,<br />

formulando as perguntas correspon<strong>de</strong>ntes se o enten<strong>de</strong>r pertinente e relevante. 38-39<br />

38. Colaboração das partes no interrogatório: esta é outra das alterações introduzidas pela Lei<br />

10.792/2003. Sempre tivemos receio <strong>de</strong> que, algum dia, uma modificação legislativa pu<strong>de</strong>sse inserir a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reperguntas das partes ao acusado. Se assim ocorresse, a ampla <strong>de</strong>fesa sofreria, sem dúvida, um<br />

choque incontestável, pois o acusador iria tentar, ao máximo, com suas indagações, levar o réu à confissão, o que<br />

retiraria <strong>de</strong>sta o seu caráter <strong>de</strong> ato voluntário do agente. Por outro lado, até mesmo perguntas malfeitas do<br />

<strong>de</strong>fensor po<strong>de</strong>riam redundar na produção <strong>de</strong> prova contra o interesse do réu. A alteração, no entanto, não foi nesse<br />

nível. Permite-se às partes que, ao final do interrogatório, possam colaborar com o juiz, lembrando-o <strong>de</strong> que<br />

alguma indagação importante <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser feita, <strong>de</strong>ntre tantas previstas no art. 187. Ou mesmo alguma outra<br />

questão, ali não relacionada, mas fundamental para o esclarecimento da verda<strong>de</strong>. Entretanto, não dispõem elas <strong>de</strong><br />

direito absoluto à obtenção <strong>de</strong> respostas a tais questões, cabendo ao magistrado, <strong>de</strong>ntro do seu po<strong>de</strong>r<br />

discricionário, sem dúvida fundamentado, <strong>de</strong>liberar se são pertinentes e relevantes. Logo, <strong>de</strong>ve coibir as perguntas<br />

ten<strong>de</strong>ntes a constranger o réu ou provocá-lo a confessar, bem como as que forem ina<strong>de</strong>quadas ao caso, como as<br />

gratuitamente invasoras <strong>de</strong> sua intimida<strong>de</strong>. Ainda assim, dado o direito às partes para colaborar com o juiz, não<br />

<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser posição arriscada, pois nada impe<strong>de</strong> que o magistrado, menos interessado em filtrar tais questões,<br />

proporcione verda<strong>de</strong>ira situação <strong>de</strong> reperguntas, como se faz com qualquer testemunha, gerando prejuízo à ampla<br />

<strong>de</strong>fesa. Lembremos das palavras <strong>de</strong> Beling, dizendo que o juiz <strong>de</strong>ve perguntar ao réu se ele quer contestar a

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