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Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

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comparecer ao hospital a que fora chamada quando se encontrava <strong>de</strong> sobreaviso – previsto e assumido o risco <strong>de</strong><br />

causar a morte da paciente que aguardava atendimento neurológico. No entanto, a exordial acusatória não <strong>de</strong>screve,<br />

<strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>vida, qual foi o atendimento médico imediato e especializado que a recorrente po<strong>de</strong>ria ter prestado (e<br />

que não tenha sido suprido por outro profissional) e que pu<strong>de</strong>sse ter evitado a morte da paciente, bem como não<br />

<strong>de</strong>screve que circunstância(s) permite(m) inferir que tenha ela previsto o resultado morte e a ele anuído. Nas<br />

imputações pela prática <strong>de</strong> crime comissivo por omissão, para que se configure a materialida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>lito, é<br />

imprescindível a <strong>de</strong>scrição da conduta (omitida) <strong>de</strong>vida, idônea e suficiente para obstar o dano ocorrido. Em crime<br />

<strong>de</strong> homicídio, é mister que se indique o nexo normativo entre a conduta omissiva e a morte da vítima, porque só se<br />

tem por constituída a relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> se, com lastro em elementos empíricos, for possível concluir-se, com<br />

alto grau <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, que o resultado não ocorreria se a ação <strong>de</strong>vida (no caso vertente, o atendimento<br />

imediato pela recorrente) fosse realizada. Se tal liame, objetivo e subjetivo, entre a omissão da médica e a morte da<br />

paciente não foi <strong>de</strong>scrito, a <strong>de</strong>núncia é formalmente inepta, porquanto não é lícito presumir que do simples não<br />

comparecimento da médica ao hospital na noite em que fora chamada para o atendimento emergencial tenha<br />

resultado, 3 (três) dias <strong>de</strong>pois, o óbito da paciente. A seu turno, por ser tênue a linha entre o dolo eventual e a culpa<br />

consciente, o elemento subjetivo que caracteriza o injusto penal <strong>de</strong>ve estar bem indicado em dados empíricos<br />

constantes dos autos e referidos expressamente na <strong>de</strong>núncia, o que não ocorreu na hipótese aqui analisada, visto<br />

que se inferiu o dolo eventual a partir da simples afirmação <strong>de</strong> que ‘a <strong>de</strong>nunciada <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r a vítima, pouco<br />

se importando com a ocorrência do resultado morte.’ Uma vez que se atribuiu à recorrente crime doloso contra a<br />

vida, a ser julgado perante o Tribunal do Júri, com maior razão <strong>de</strong>ve-se garantir a ela o contraditório e a plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fesa, nos termos do art. 5.º, XXXVIII, ‘a’, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, algo que somente se perfaz mediante<br />

imputação clara e precisa, ineludivelmente ausente na espécie. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para<br />

reconhecer a inépcia formal da <strong>de</strong>núncia, sem prejuízo <strong>de</strong> que outra peça acusatória seja oferecida, com<br />

observância dos ditames legais” (RHC 39.627 – RJ, 6.ª T., rel. Rogerio Schietti Cruz, 08.04.2014, v.u.).<br />

42. Materialida<strong>de</strong> do fato: é a prova <strong>de</strong> existência <strong>de</strong> fato penalmente relevante. Deve-se, pois, <strong>de</strong>monstrar<br />

que houve um fato típico (ex.: “A” matou “B”). Anteriormente, mencionava-se a prova <strong>de</strong> existência do crime.<br />

Tecnicamente, melhor está a atual nomenclatura, pois é viável ocorrer um fato-homicídio que, no entanto, não se<br />

constitua em crime <strong>de</strong> homicídio (ex.: praticado em estado <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>). Atinge-se essa certeza, no contexto<br />

dos <strong>de</strong>litos contra a vida, em regra, através do laudo pericial, <strong>de</strong>monstrando a ocorrência <strong>de</strong> morte (homicídio,<br />

aborto, infanticídio, participação em suicídio). Entretanto, é possível formar a materialida<strong>de</strong> também com o auxílio<br />

<strong>de</strong> outras provas, especialmente a testemunhal (art. 167, CPP). O que não se <strong>de</strong>ve admitir, no cenário da pronúncia,<br />

é permitir que o juiz se limite a um convencimento íntimo a respeito da existência do fato típico, como,<br />

aparentemente, dá a enten<strong>de</strong>r a redação do art. 413, caput: “se convencido da materialida<strong>de</strong> do fato...”. O erro já<br />

constava do antigo art. 408 do CPP e, lamentavelmente, foi mantido após a reforma introduzida pela Lei<br />

11.689/2008. O mínimo que se espera, para haver pronúncia, é a prova certa <strong>de</strong> que o fato aconteceu, <strong>de</strong>vendo o<br />

magistrado indicar a fonte <strong>de</strong> seu convencimento nos elementos colhidos na instrução e presentes nos autos. Notese<br />

o <strong>de</strong>cidido pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “O aforismo in dubio pro societate que – malgrado as críticas<br />

proce<strong>de</strong>ntes à sua consistência lógica, tem sido reputada a<strong>de</strong>quada a exprimir a inexigibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certeza da autoria<br />

do crime, para fundar a pronúncia –, jamais vigorou no tocante à existência do próprio crime, em relação a qual se<br />

reclama esteja o juiz convencido. O convencimento do juiz, exigido na lei, não é obviamente a convicção íntima do<br />

jurado, que os princípios repeliriam, mas convencimento fundado na prova: don<strong>de</strong>, a exigência – que aí cobre tanto<br />

a da existência do crime, quanto da ocorrência <strong>de</strong> indícios <strong>de</strong> autoria, <strong>de</strong> que o juiz <strong>de</strong>cline, na <strong>de</strong>cisão ‘os motivos<br />

do seu convencimento’” (HC 81.646 – PE, rel. Sepúlveda Pertence, Informativo 271).<br />

42-A. Indícios suficientes <strong>de</strong> autoria: é fundamental que, no tocante à autoria, existam provas mínimas,

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