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Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

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termos ina<strong>de</strong>quados, <strong>de</strong>ve ser anulado e refeito sob o prisma i<strong>de</strong>al. Entretanto, proibir a parte <strong>de</strong> fazer referência a<br />

importantes <strong>de</strong>cisões constantes dos autos é medida completamente ina<strong>de</strong>quada. Segundo nos parece, a vedação<br />

imposta pelo art. 478 é inconstitucional. Cerceia-se o direito <strong>de</strong> qualquer das partes <strong>de</strong> explorar as provas lícitas<br />

constantes dos autos. Somente as ilícitas é que estão vedadas pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral (art. 5.º, LVI). Por isso, a<br />

contrário senso, são admissíveis no processo todas as provas obtidas por meios lícitos. A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> pronúncia,<br />

por exemplo, é a que finaliza a fase <strong>de</strong> formação da culpa e <strong>de</strong>monstra haver prova da materialida<strong>de</strong> e indícios<br />

suficientes <strong>de</strong> autoria, motivo pelo qual a parte interessada po<strong>de</strong> <strong>de</strong>la valer-se como bem quiser. No tocante à<br />

atuação da <strong>de</strong>fesa, com muito mais razão, havendo em seu favor o princípio constitucional da plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, é<br />

natural po<strong>de</strong>r ser usada a pronúncia ou o acórdão que a confirme, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que interessante ao réu. Se até mesmo <strong>de</strong><br />

provas ilícitas po<strong>de</strong> o <strong>de</strong>fensor utilizar-se, conforme o caso, para garantir a absolvição do acusado, é evi<strong>de</strong>nte po<strong>de</strong>r<br />

fazer o mesmo quanto às provas licitamente produzidas. Po<strong>de</strong>r-se-ia dizer que a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> pronúncia (ou o acórdão<br />

que a confirme) não constitui prova, mas apenas um ato jurisdicional. Porém, ainda que assim possa ser<br />

consi<strong>de</strong>rada, na essência, cuida-se <strong>de</strong> um documento entranhado nos autos, que serve, sim, <strong>de</strong> prova <strong>de</strong> um fato<br />

relevante. Afinal, o acusado foi pronunciado para ser julgado pelo Tribunal Popular. Do mesmo modo, é possível<br />

<strong>de</strong>monstrar que quem po<strong>de</strong> o mais, po<strong>de</strong> o menos. Em outros termos, se as provas somente po<strong>de</strong>m ser afastadas<br />

dos autos se forem ilícitas e são elas que visam à <strong>de</strong>monstração dos fatos imputados ao réu, naturalmente, as provas<br />

lícitas <strong>de</strong>vem permanecer para utilização pelas partes. Por isso, as <strong>de</strong>cisões proferidas (pronúncia e acórdão), que<br />

constituem a consagração do exame das provas, não po<strong>de</strong>ndo ser extirpadas por vonta<strong>de</strong> do legislador ordinário.<br />

A<strong>de</strong>mais, há outro princípio constitucional, regente do Tribunal do Júri, que é a soberania dos veredictos. Os<br />

jurados têm direito <strong>de</strong> tomar conhecimento <strong>de</strong> todo conteúdo do processo, o que lhes garante a autêntica soberania<br />

para julgar. Logo, é inócua a vedação imposta pela Lei 11.689/2008. Quanto às referências ao silêncio do réu ou ao<br />

uso <strong>de</strong> algemas, embora se possa compreen<strong>de</strong>r o intuito positivo do legislador, buscando evitar a utilização<br />

ina<strong>de</strong>quada <strong>de</strong>ssas situações, torna-se algo perigoso e vago. O argumento calcado no brocardo “quem cala,<br />

consente”, constitui medida atentatória à garantia constitucional <strong>de</strong> não produção <strong>de</strong> prova contra si mesmo, sem<br />

dúvida. Pensamos, no entanto, que caberia à <strong>de</strong>fesa explicar aos jurados o alcance <strong>de</strong>sse preceito constitucional,<br />

mas não seria necessário vedar à acusação qualquer referência sobre o tema. Sob outro prisma, po<strong>de</strong>-se falar sobre<br />

o silêncio do réu em variados prismas, até mesmo no contexto positivo. Logo, não explicando a norma processual<br />

penal qual o sentido exato da proibição torna-se lacunosa e, por isso, <strong>de</strong> aplicação temerária. Outro fator<br />

preocupante é a possível menção proposital <strong>de</strong> qualquer das partes em relação ao silêncio, às algemas, à pronúncia<br />

ou ao acórdão, somente para gerar nulida<strong>de</strong>. Quem irá impedir que qualquer das partes fale em plenário sobre tais<br />

temas proibidos? Ninguém terá condições <strong>de</strong> promover censura prévia ao discurso <strong>de</strong> quem quer que seja. Logo,<br />

fazendo a menção vedada, resta a anotação em ata e estará plantada a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejada, para florescer no futuro,<br />

anulando-se o feito, quando for do interesse <strong>de</strong> quem a produziu. Buscando contornar a referida proibição, parecenos<br />

<strong>de</strong>va o juiz presi<strong>de</strong>nte, quando a citação for realizada, intervir, cassando a palavra daquele que utilizar<br />

pejorativamente do direito ao silêncio ou do uso <strong>de</strong> algemas para prejudicar a imagem do réu. Com isso, impe<strong>de</strong>-se<br />

a geração do vício, que po<strong>de</strong>rá dar margem à anulação do processo. No mais, quando houver referência a tais temas,<br />

não havendo protesto das partes, nada será inscrito em ata, razão pela qual nulida<strong>de</strong> alguma existirá. Finalmente,<br />

convém ressaltar que, havendo a referência, torna-se fundamental a explicação do juiz presi<strong>de</strong>nte, existindo<br />

protesto da parte contrária, fazendo inscrever em ata exatamente em que termos foi feita a menção, para futura<br />

avaliação do tribunal. Trata-se, por óbvio, <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> relativa, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da prova <strong>de</strong> prejuízo. Na jurisprudência:<br />

STF: “A leitura, pelo Ministério Público, da sentença con<strong>de</strong>natória <strong>de</strong> corréu proferida em julgamento anterior não<br />

gera nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sessão <strong>de</strong> julgamento pelo conselho <strong>de</strong> sentença. Com base nesse entendimento, a 1.ª Turma negou<br />

provimento a recurso ordinário em habeas corpus em que discutida a nulida<strong>de</strong> da sentença con<strong>de</strong>natória proferida<br />

pelo tribunal do júri. Apontava o recorrente que o Ministério Público teria impingido aos jurados o argumento <strong>de</strong>

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