12.06.2017 Views

Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

acórdão proferido pelo TJ que negou provimento à reclamação ajuizada pelo impetrante naquele tribunal e<br />

referente à <strong>de</strong>cisão proferida nos autos do processo-crime em que o paciente foi con<strong>de</strong>nado à pena <strong>de</strong> cinco anos,<br />

sete meses e 20 dias <strong>de</strong> reclusão em regime fechado, pela prática do <strong>de</strong>lito previsto no art. 157, caput, do CP. Na<br />

reclamação e neste HC, a questão <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância é a aplicabilida<strong>de</strong> do art. 212 do CPP diante da alteração <strong>de</strong><br />

sua redação promovida pela Lei 11.690/2008, que passou a viger a partir <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2008. O MP alega que,<br />

<strong>de</strong>signada audiência <strong>de</strong> instrução e julgamento, essa se realizou no dia 14.08.2008 em <strong>de</strong>sacordo com as normas<br />

contidas no referido art. 212 do CPP, uma vez que houve inversão na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> formulação das perguntas, o que<br />

enseja nulida<strong>de</strong> absoluta (que prescin<strong>de</strong> da <strong>de</strong>monstração do efetivo prejuízo e <strong>de</strong> dilação probatória), em virtu<strong>de</strong> da<br />

violação do referido artigo, bem como do sistema acusatório, do <strong>de</strong>vido processo legal e do princípio da dignida<strong>de</strong><br />

da pessoa humana (arts. 129, I; 5.º, LIV, e 1.º, III, todos da CF/1988). O juiz <strong>de</strong> 1.º grau in<strong>de</strong>feriu o pleito do MP em<br />

audiência sob o fundamento <strong>de</strong> que tal dispositivo legal não trouxe inovação com relação ao sistema outrora<br />

estabelecido a respeito da presidência dos atos procedimentais no curso das audiências, qual seja, sistema<br />

presi<strong>de</strong>ncial, o qual permanece em pleno vigor e, nessa condição, conce<strong>de</strong> ao magistrado o po<strong>de</strong>r/<strong>de</strong>ver <strong>de</strong>, caso<br />

queira, arguir primeiro as testemunhas arroladas pelas partes. Diante disso, a Turma conce<strong>de</strong>u a or<strong>de</strong>m para anular a<br />

audiência realizada em <strong>de</strong>sconformida<strong>de</strong> com o contido no art. 212 do CPP e os atos subsequentes, <strong>de</strong>terminando<br />

que outra seja realizada nos mol<strong>de</strong>s do referido dispositivo, sob os argumentos <strong>de</strong> que, <strong>de</strong>ntre outros, no caso<br />

vertente restou violado due process of law constitucionalmente normatizado, pois o retrocitado art. 5.º, LIV, da<br />

CF/1988 preceitua que ninguém será privado da liberda<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> seus bens sem o <strong>de</strong>vido processo legal e, na<br />

espécie, o ato reclamado não seguiu o rito estabelecido na legislação processual penal, acarretando a nulida<strong>de</strong> do<br />

feito. Afinal, a teor do art. 212 do CPP com sua nova redação, a oitiva das testemunhas <strong>de</strong>ve ocorrer com perguntas<br />

feitas direta e primeiramente pelo MP e <strong>de</strong>pois pela <strong>de</strong>fesa, sendo que, no caso, o juiz não se restringiu a colher, ao<br />

final, os esclarecimentos que elegeu necessários, mas sim realizou o ato no antigo modo, ou seja, efetuou a<br />

inquirição das vítimas, olvidando a alteração legal, mesmo diante do alerta ministerial no sentido <strong>de</strong> que a audiência<br />

fosse concretizada nos mol<strong>de</strong>s da vigência da Lei 11.690/2008. Também restou consignado que, além <strong>de</strong> a parte ter<br />

direito à estrita observância do procedimento estabelecido na lei, por força do princípio do <strong>de</strong>vido processo legal,<br />

o paciente teve proferido julgamento em seu <strong>de</strong>sfavor, sendo que, diante do novo método utilizado para a inquirição<br />

<strong>de</strong> testemunhas, a colheita da referida prova <strong>de</strong> forma diversa, ou seja, pelo sistema presi<strong>de</strong>ncial, indubitavelmente<br />

lhe acarretou evi<strong>de</strong>nte prejuízo” (HC 121.216 – DF, 5.ª T., rel. Jorge Mussi, 19.05.2009, v.u.). Com a <strong>de</strong>vida vênia,<br />

não se percebe on<strong>de</strong> estaria o prejuízo presumido em face da simples inversão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m quanto à inquirição das<br />

testemunhas (para quem entenda ter havido alteração na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> inquirição). O simples fato <strong>de</strong> o réu ser<br />

con<strong>de</strong>nado não significa ter experimentado dano por conta da referida inversão <strong>de</strong> inquirição. Quem perguntar<br />

primeiro ou ao final po<strong>de</strong> ser mais ou menos incisivo, intolerante ou invasivo, <strong>de</strong> modo que este seria o mol<strong>de</strong><br />

fundamental para <strong>de</strong>terminar se houve abuso ou lesão à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana. Não é a or<strong>de</strong>m na inquirição<br />

mas a maneira <strong>de</strong> inquirir e a qualida<strong>de</strong> das perguntas que estão em jogo. O sistema presi<strong>de</strong>ncialista não implica em<br />

or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> inquirição, porém em captação da pergunta pelo magistrado e transmissão da indagação à testemunha, <strong>de</strong><br />

forma a evitar qualquer tipo <strong>de</strong> contato entre a parte e a pessoa ouvida. Aboliu-se essa técnica, permitindo-se à<br />

acusação e à <strong>de</strong>fesa o acesso direto à testemunha, sob tutela judicial. Entretanto, quem pergunta em primeiro ou em<br />

último lugar é a questão menos relevante. Outro ponto a consi<strong>de</strong>rar: imagine-se o juiz que, ao encerrar o<br />

<strong>de</strong>poimento, faça todas as perguntas que <strong>de</strong>sejar, como se estivesse arguindo em primeiro lugar. Quem irá impedilo?<br />

Quem irá “in<strong>de</strong>ferir” suas perguntas? Nenhuma das partes po<strong>de</strong>rá fazê-lo. Haverá o Tribunal <strong>de</strong> anular toda a<br />

instrução porque o magistrado, buscando formar o seu convencimento, ao final das perguntas das partes,<br />

refestelou-se em indagações, tantas quantas quis? O sistema acusatório não se perfaz pela discutível alteração <strong>de</strong><br />

um único artigo do CPP (no caso, o art. 212). O juiz tornar-se-á mais imparcial porque será o último a perguntar?<br />

Enquanto isso, continua com seus po<strong>de</strong>res instrutórios quase completos: <strong>de</strong>terminar a prisão cautelar, a produção

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!