12.06.2017 Views

Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

polícia ou à família da moça <strong>de</strong> sua ausência; os objetos e vestes pessoais da mulher apreendidos, porque não foram<br />

por ela carregados; as mentiras que o companheiro contava, dizendo a todos, na cida<strong>de</strong>, que a mulher estava<br />

visitando parentes; quando era procurado pela família ou por amigos da moça, procurava ser evasivo, evitando<br />

contato; o economista voltou a viver com a ex-esposa, <strong>de</strong> quem se separara <strong>de</strong> fato. Enfim, ninguém viu o crime,<br />

ninguém presenciou agressão do réu contra a pretensa vítima, ninguém o viu carregando seu corpo ou levando-a<br />

para qualquer lugar, ninguém pô<strong>de</strong> informar o que, verda<strong>de</strong>iramente, ocorreu com a mulher. Ainda assim, foi o<br />

economista <strong>de</strong>nunciado por homicídio, qualificado por motivo fútil, além <strong>de</strong> ocultação <strong>de</strong> cadáver. O corpo nunca<br />

foi encontrado, apesar <strong>de</strong> a polícia ter vasculhado a área. No final <strong>de</strong> 1993, o juiz da Comarca <strong>de</strong> Uberlândia<br />

impronunciou o réu, alegando inexistir prova da materialida<strong>de</strong> do crime. Recorrendo, o Ministério Público obteve a<br />

pronúncia do acusado pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Minas Gerais (RSE 26.111-5, Uberlândia, 1.ª C., rel. Rubens<br />

Lacerda, 26.09.1995, v.u.). Mencionou-se no corpo do acórdão que as evidências estavam a <strong>de</strong>monstrar que o réu<br />

teria matado a vítima e escondido o corpo e, havendo sérias dúvidas quanto à morte da ofendida, melhor seria <strong>de</strong>ixar<br />

que o júri <strong>de</strong>cidisse, em homenagem ao princípio in dubio pro societate. Impetrou-se habeas corpus no Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que, entretanto, manteve a pronúncia, fundamentando-se no entendimento <strong>de</strong> que, para a<br />

admissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acusação, não é necessária a prova incontroversa do <strong>de</strong>lito, bastando o convencimento do juiz a<br />

respeito <strong>de</strong> sua existência (HC 73.522 – MG, 2.ª T., rel. Carlos Velloso, 19.03.1996, v.u.). O acusado foi levado a<br />

julgamento pelo Tribunal Popular e con<strong>de</strong>nado por 5 votos contra 2, à pena <strong>de</strong> 13 anos <strong>de</strong> reclusão (homicídio<br />

qualificado e ocultação <strong>de</strong> cadáver). Recorreu e o Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Minas Gerais manteve a <strong>de</strong>cisão do júri,<br />

mencionando: “No seu aspecto fático, a questão é realmente complexa. Isso ocorre sempre que o corpo da vítima<br />

<strong>de</strong>saparece sem <strong>de</strong>ixar vestígios. Fica sempre a dúvida: será que a vítima realmente morreu? Será que ela foi<br />

assassinada e o cadáver <strong>de</strong>struído ou oculto? Será que a vítima apenas escafe<strong>de</strong>u-se sem <strong>de</strong>ixar e sem dar notícias?<br />

E se algum dia ela aparecer viva?! (...) Como é <strong>de</strong> costume, nesses casos a <strong>de</strong>fesa sempre se aferra ao famoso caso<br />

dos irmãos Naves, <strong>de</strong> Araguari, o mais famoso erro judiciário do país. É um risco que todos nós, que lidamos com a<br />

área do direito, somos obrigados a correr. Toda ativida<strong>de</strong> humana é falível como o próprio homem. Na aplicação da<br />

lei não é diferente, mesmo porque não há nunca Justiça humana absoluta, em face da notória e incontornável<br />

falibilida<strong>de</strong> do homem – quia humanum errare est. No caso concreto, entretanto, a única maneira possível <strong>de</strong> se<br />

constatar um possível erro judiciário seria o aparecimento da vítima, viva. Afora tal caso, há <strong>de</strong> prevalecer a <strong>de</strong>cisão<br />

do Tribunal Popular. Se, entretanto, os ventos do <strong>de</strong>stino soprarem para o rumo diverso, isto é, se algum dia Maria<br />

Denise reaparecer viva (talvez por pessimismo, creio que isto jamais acontecerá), duas situações novas surgirão,<br />

uma a compensar a outra. O erro judiciário ficará patenteado, mas, em compensação, uma vida humana (no caso <strong>de</strong><br />

Maria Denise) ressurgirá das cinzas. Deus queira que isso aconteça... para o bem <strong>de</strong> todos. Do réu, porque se livrará<br />

<strong>de</strong> vez da pena imposta pelo Júri <strong>de</strong> Uberlândia e terá direito a in<strong>de</strong>nização por parte do Estado. Dos familiares <strong>de</strong><br />

Maria Denise, porque voltarão a vê-la entre eles. Dos jurados, porque o <strong>de</strong>stino terá evitado persistir o erro<br />

coletivo por eles praticado. Dos juízes togados, porque o direito imperou, ainda que tardiamente. De qualquer<br />

sorte, no caso concreto, não há como cassar a <strong>de</strong>cisão do júri. Ela não é manifestamente contrária à prova dos<br />

autos, pois se alicerça na maioria lógica do conjunto probatório” (TJMG, Ap. 116.258-5, Uberlândia, 1.ª C., rel.<br />

Gu<strong>de</strong>steu Biber, 26.05.1998, v.u., citação feita em Homicídio sem cadáver, p. 109-112). E mais: o con<strong>de</strong>nado, em<br />

2000, ingressou com revisão criminal, pleiteando a sua absolvição, por inexistir prova concreta da materialida<strong>de</strong> do<br />

<strong>de</strong>lito, mas o Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Minas Gerais in<strong>de</strong>feriu o pedido, fundamentando-se nas mesmas teses, isto é,<br />

<strong>de</strong> que é possível formar a prova da existência do crime por intermédio <strong>de</strong> indícios (mentiras contadas pelo réu,<br />

ausência <strong>de</strong> motivo para a vítima <strong>de</strong>saparecer <strong>de</strong>ixando filha pequena e falta <strong>de</strong> comunicação às autorida<strong>de</strong>s quanto<br />

ao sumiço da amásia) (TJMG, Rev. 168.765-6, Uberlândia, Grupo <strong>de</strong> Câmaras Criminais, rel. Odilon Ferreira,<br />

11.09.2000, v.u.). Com a <strong>de</strong>vida vênia, segundo nos parece, jamais a materialida<strong>de</strong> do crime <strong>de</strong> homicídio po<strong>de</strong>ria<br />

ter sido formada com a união <strong>de</strong> vários indícios, todos frágeis, sem qualquer formação indutiva da existência <strong>de</strong> tão

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!