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Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

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Estado em presídio situado em outra comarca na qual não teria sido requisitado para ato solene. 4. A <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong><br />

sua revelia pelo juízo na forma do art. 367 do <strong>Código</strong> <strong>de</strong> <strong>Processo</strong> <strong>Penal</strong>, em razão da circunstância, configurou<br />

patente ilegalida<strong>de</strong>, por cercear seu direito fundamental da plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa (CF, art. 5.º, inciso LV), o que, por si<br />

só, justifica a anulação do processo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a audiência <strong>de</strong> instrução e julgamento. 5. Recurso ordinário provido para<br />

conce<strong>de</strong>r a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> habeas corpus, anulando-se a Ação <strong>Penal</strong> nº 006.08.000879-3 a partir da audiência <strong>de</strong><br />

instrução e julgamento realizada em 28.11.11”. (RHC 127507 – DF, 2.ª T., rel. Dias Toffoli, 09.06.2015, v.u.).<br />

40-A. Inexistência da revelia ou contumácia em processo penal: continuamos nesta nota os<br />

argumentos expostos na nota 40 anterior, aprimorando e <strong>de</strong>talhando outros pontos. Vale <strong>de</strong>stacar, inicialmente, os<br />

sentidos das palavras “revelia” e “contumácia”. A primeira quer dizer “estado ou caráter <strong>de</strong> revel”, isto é, aquele que<br />

“se revolta; insurgente, rebel<strong>de</strong>; teimoso, obstinado, contumaz” (verbete do Dicionário Aurélio). A segunda<br />

significa “gran<strong>de</strong> teimosia; obstinação, aferro, afinco, pertinácia” (i<strong>de</strong>m). Nada disso se aplica ao processo penal<br />

brasileiro, ao menos após a edição da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, que prevê e garante direitos fundamentais a<br />

toda pessoa acusada da prática <strong>de</strong> uma infração penal. Assim, presume-se a inocência do indivíduo até que se<br />

obtenha uma sentença con<strong>de</strong>natória com trânsito em julgado (art. 5.º, LVII, CF), bem como a ele é assegurada tanto<br />

a ampla <strong>de</strong>fesa, quanto o contraditório (art. 5.º, LV, CF), tudo a constituir o <strong>de</strong>vido processo legal (art. 5.º, LIV, CF).<br />

E mais: tem o inafastável direito ao silêncio (art. 5.º, LXIII, CF), não sendo obrigado a produzir prova contra si<br />

mesmo (nemo tenetur se <strong>de</strong>tegere). Em suma, <strong>de</strong>ntre outros direitos que se po<strong>de</strong>ria enumerar para ratificar os<br />

anteriores, o réu, no processo penal, ocupa posição diferenciada do que ocorre no processo civil. Se neste, ainda se<br />

fala em revelia e seus efeitos, naquele, o termo é escuso, <strong>de</strong>vendo ser evitado. O acusado não é “teimoso”,<br />

“rebel<strong>de</strong>” ou “pertinaz” porque <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> comparecer em juízo para ser interrogado, afinal, po<strong>de</strong> calar-se diante do<br />

juiz (art. 186, CPP). Que vantagem tem em comparecer para ficar silente? Quanto à sua condução coercitiva para<br />

ser qualificado ou i<strong>de</strong>ntificado, consultar a nota 6 ao art. 260. Por outro lado, se revelia quer dizer recalcitrância<br />

em impugnar ou contestar o pedido do autor, na ótica civil, tanto que cabe o julgamento antecipado da li<strong>de</strong> (art. 330,<br />

II, CPC/1973. Vi<strong>de</strong> art. 355, II, do CPC/2015), o que nunca se dá em processo penal, bem como ocorre a presunção<br />

<strong>de</strong> veracida<strong>de</strong> do alegado pelo autor (art. 319, CPC/1973. Vi<strong>de</strong> art. 344 do CPC/2015), como já abordado na nota<br />

anterior, não se po<strong>de</strong> assim visualizar no processo penal, pois jamais haverá processo sem <strong>de</strong>fesa técnica e<br />

eficiente. Consequentemente, o réu está sempre participando, ainda que por seu <strong>de</strong>fensor, dos atos processuais.<br />

Ausenta-se fisicamente, se quiser, mas não o faz tecnicamente. Portanto, somente para ilustrar, nos arts. 79, § 2.º,<br />

564, III, g, e 610, parágrafo único, on<strong>de</strong> se encontram os termos “revelia” ou “revel”, <strong>de</strong>ve-se passar a ler<br />

“ausência” ou “ausente”. Destaque-se nesse sentido a lição <strong>de</strong> Roberto Delmanto Junior: “Com efeito, tendo em<br />

vista que o instituto processual a ‘contumácia’ ou ‘revelia’ tem conotação extremamente pejorativa, significando<br />

ultraje, <strong>de</strong>sdém, ilícito, rebeldia etc., a sua aplicação afigura-se, por si só, totalmente incompatível com a<br />

concepção <strong>de</strong> que não há como dissociar a inativida<strong>de</strong> do acusado, <strong>de</strong> um lado, do exercício dos direitos a ele<br />

constitucionalmente assegurados da ampla <strong>de</strong>fesa e do silêncio, <strong>de</strong> outro. Desse modo, não comportam censura<br />

jurídica – embora moralmente possam por vezes serem reprovadas – as condutas do acusado, v.g., <strong>de</strong> furtar-se à<br />

citação, não aten<strong>de</strong>r ao chamamento judicial uma vez citado, não colaborar com a realização <strong>de</strong> perícias fornecendo<br />

sangue etc. A<strong>de</strong>mais, o acusado estará sempre representado por <strong>de</strong>fensor, uma vez que a Constituição e a legislação<br />

processual penal brasileiras, a exemplo <strong>de</strong> todas as legislações <strong>de</strong> países <strong>de</strong>mocráticos, distinguem a auto<strong>de</strong>fesa da<br />

<strong>de</strong>fesa técnica, estabelecendo ser esta última in<strong>de</strong>clinável, posto ser o contraditório, na persecução penal e,<br />

também, na execução penal, real e indisponível” (Inativida<strong>de</strong> no processo penal brasileiro, p. 71 e conclusões, p.<br />

372). “Em outras palavras, se <strong>de</strong> um lado não há como <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> associar o instituto da contumácia ou da revelia,<br />

em razão <strong>de</strong> sua gênese, a juízo valorativo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sdém, <strong>de</strong>sprezo, menosprezo, pouco caso etc., enten<strong>de</strong>r a<br />

contumácia ou revelia como exercício <strong>de</strong> um direito é <strong>de</strong>scaracterizá-la. Na verda<strong>de</strong>, ela, em nossa opinião, não<br />

mais existe” (op. cit., p. 194).

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