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Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

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“inquisitivo garantista”, enfim, misto. Defen<strong>de</strong>r o contrário, classificando-o como acusatório, é omitir que o juiz<br />

brasileiro produz prova <strong>de</strong> ofício, <strong>de</strong>creta a prisão do acusado <strong>de</strong> ofício, sem que nenhuma das partes tenha<br />

solicitado, bem como se vale, sem a menor preocupação, <strong>de</strong> elementos produzidos longe do contraditório, para<br />

formar sua convicção. Fosse o inquérito, como teoricamente se afirma, <strong>de</strong>stinado unicamente para o órgão<br />

acusatório, visando à formação da sua opinio <strong>de</strong>licti, e não haveria <strong>de</strong> ser parte integrante dos autos do processo,<br />

permitindo-se ao magistrado que possa valer-se <strong>de</strong>le para a con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> alguém. Embora não tratando<br />

diretamente do tema, convém mencionar a abalizada visão <strong>de</strong> Antonio Magalhães Gomes Filho, ao dizer que<br />

vivemos inseridos numa “cultura processual penal ainda predominantemente inquisitória, que valoriza tudo aquilo<br />

que possa ser útil ao esclarecimento da chamada verda<strong>de</strong> real” (A motivação das <strong>de</strong>cisões penais, p. 234). Citese,<br />

ainda, o posicionamento <strong>de</strong> Marco Antonio <strong>de</strong> Barros: “Pese todo o respeito que se <strong>de</strong>vota aos nobres<br />

doutrinadores, entendo que o nosso sistema <strong>de</strong> persecução penal continua sendo misto. Inquisitivo na sua fase<br />

primária, <strong>de</strong>positando no inquérito policial seu principal instrumento <strong>de</strong> perquirição do fato ilícito, sendo o<br />

procedimento resguardado pelo sigilo das investigações (art. 20 do CPP), não afeito ao princípio do contraditório<br />

e cercado pela discricionarieda<strong>de</strong> da autorida<strong>de</strong> policial que o presidir (art. 14 do CPP). Acusatório, na segunda<br />

fase, porque a ação penal <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> fundamentalmente da iniciativa do órgão da acusação, seja ele representante do<br />

Ministério Público (art. 129, I, da CF) ou o próprio ofendido ou seu representante legal, segundo a legitimação<br />

firmada em lei (arts. 24, 29 e 30 do CPP)” (A busca da verda<strong>de</strong> no processo penal, p. 132). Nas palavras <strong>de</strong><br />

Geraldo Prado, “se notarmos o concreto estatuto jurídico dos sujeitos processuais e a dinâmica que entrelaça todos<br />

estes sujeitos, <strong>de</strong> acordo com as posições predominantes nos tribunais (principalmente, mas não com<br />

exclusivida<strong>de</strong> no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral), não nos restará alternativa salvo admitir, lamentavelmente, que<br />

prevalece, no Brasil, a teoria da aparência acusatória” (Sistema acusatório, p. 195). Confira-se que nosso<br />

sistema é misto, quando se leva em conta a prova produzida no inquérito para produzir <strong>de</strong>cisão jurisdicional: TJSP.<br />

“Quando a lei fala em indícios <strong>de</strong> autoria, não faz menção ao momento em que foram os mesmos obtidos, se sob o<br />

crivo do contraditório ou se antes <strong>de</strong>ste, no inquérito policial. Não há qualquer impedimento em se pronunciar<br />

alguém com base em indícios obtidos em inquérito policial, até porque po<strong>de</strong>rá ele, em plenário, produzir provas em<br />

seu favor, sendo, assim, respeitado o princípio da ampla <strong>de</strong>fesa” (RSE 168.898-3 – SP, 4.ª C., rel. Sinésio <strong>de</strong> <strong>Souza</strong>,<br />

09.10.1995, v.u.). E também: TJRS: “A prova policial só é <strong>de</strong> ser arredada se totalmente <strong>de</strong>samparada por<br />

elementos judicializados, ou se contrariada ou <strong>de</strong>smentida por estes. Se assim não for, serve para embasar, junto<br />

com os <strong>de</strong>mais seguimentos probatórios, juízo con<strong>de</strong>natório” (Ap. 698562170 – Santa Maria, 7.ª C., rel. Luís<br />

Carlos Ávila <strong>de</strong> Carvalho Leite, 10.06.1999, v.u.).<br />

4-A. Justiça Retributiva x Justiça Restaurativa: o Direito <strong>Penal</strong> sempre se pautou pelo critério da<br />

retribuição ao mal concreto do crime com o mal concreto da pena, segundo as palavras <strong>de</strong> Hungria. A evolução das<br />

i<strong>de</strong>ias e o engajamento da ciência penal em outras trilhas, mais ligadas aos direitos e garantias fundamentais, vêm<br />

permitindo a construção <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> normas penais e processuais penais preocupado não somente com a<br />

punição, mas, sobretudo, com a proteção ao indivíduo em face <strong>de</strong> eventuais abusos do Estado. O cenário das<br />

punições tem, na essência, a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pacificação social, muito embora pareça, em princípio, uma contradição<br />

latente falar-se, ao mesmo tempo, em punir e pacificar. Mas é exatamente assim que ainda funciona o mecanismo<br />

humano <strong>de</strong> equilíbrio entre o bem e o mal. Se, por um lado, o crime jamais <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> existir no atual estágio da<br />

humanida<strong>de</strong>, em países ricos ou pobres, por outro, há formas humanizadas <strong>de</strong> garantir a eficiência do Estado para<br />

punir o infrator, corrigindo-o, sem humilhação, com a perspectiva <strong>de</strong> pacificação social. O Estado chamou a si o<br />

monopólio punitivo – medida representativa, a bem da verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> civilida<strong>de</strong>. A partir disso, não se po<strong>de</strong> permitir<br />

que alguns firam interesses <strong>de</strong> outros sem a <strong>de</strong>vida reparação. E, mais, no cenário penal, é inviável que se tolerem<br />

<strong>de</strong>terminadas condutas lesivas, ainda que a vítima permita (ex.: tentativa <strong>de</strong> homicídio). Há valores indisponíveis,<br />

cuja preservação interessa a todos e não somente a um ou outro indivíduo (ex.: meio ambiente). Portanto, se “A”

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