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Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

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mesmo dizer que a psicografia seria um documento anônimo e, como tal, seria juntado aos autos, servindo apenas<br />

para auxiliar o magistrado na formação do seu convencimento. Porém, assim não é. Cuida-se <strong>de</strong> autêntica carta<br />

emitida pela vítima e en<strong>de</strong>reçada ao réu ou ao juiz, por meio do médium, para relatar um fato processualmente<br />

relevante. Sabe-se, inclusive <strong>de</strong>ntro dos parâmetros da religião espírita, que existem falsos médiuns, como também<br />

é <strong>de</strong> conhecimento público e notório que há, para quem acredite, médiuns conscientes (enquanto a mensagem é<br />

transmitida, po<strong>de</strong>m acompanhar o seu teor) e os inconscientes (não tem conhecimento do que está sendo passado).<br />

Ora, o consciente po<strong>de</strong> influenciar na redação da mensagem e alterá-la, para absolver o réu – ou prejudicá-lo. Seria<br />

o médium, então, uma testemunha? Sabe <strong>de</strong> fatos e <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>por sobre os mesmos em juízo, sob o compromisso <strong>de</strong><br />

dizer a verda<strong>de</strong>, respon<strong>de</strong>ndo por falso testemunho, conforme o caso. Outra situação absurda para os padrões<br />

processuais, pois o médium nada viu diretamente e não po<strong>de</strong> ser questionado sobre pretensa mensagem<br />

(equivalente a ouvir dizer), proveniente <strong>de</strong> um morto. Há vida após a morte? Com qual grau <strong>de</strong> comunicação com<br />

os vivos? Depen<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> fé para essa resposta e o Estado prometeu abster-se <strong>de</strong> invadir a seara da individualida<strong>de</strong><br />

humana para que todos acreditassem ou <strong>de</strong>ixassem <strong>de</strong> acreditar na espiritualida<strong>de</strong> e em todos os dogmas postos<br />

pelas variadas religiões. O perigo na utilização da psicografia no processo penal é imenso. Fere-se preceito<br />

constitucional <strong>de</strong> proteção à crença <strong>de</strong> cada brasileiro; lesa-se o princípio do contraditório; coloca-se em risco a<br />

credibilida<strong>de</strong> das provas produzidas; inva<strong>de</strong>-se a seara da ilicitu<strong>de</strong> das provas; po<strong>de</strong>-se, inclusive, romper o princípio<br />

da ampla <strong>de</strong>fesa. Ilustremos situação contrária: o promotor <strong>de</strong> justiça junta aos autos uma psicografia da vítima<br />

morta, transmitida por um <strong>de</strong>terminado médium, pedindo justiça e a con<strong>de</strong>nação do réu Z, pois foi ele mesmo o<br />

autor do homicídio. Até então nenhuma prova da autoria existia. Aceita-se a prova? E a ampla <strong>de</strong>fesa? Como será<br />

exercida? Conseguiria o <strong>de</strong>fensor uma outra psicografia <strong>de</strong>sautorizando a primeira? Enfim, religiões existem para<br />

dar conforto espiritual aos seres humanos, mas jamais para transpor os julgamentos dos tribunais <strong>de</strong> justiça para os<br />

centros espíritas”. Entretanto, convém ressaltar que uma carta psicografada já ajudou a inocentar ré por homicídio<br />

no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Segundo Léo Gerchmann (Agência Folha, Porto Alegre, 30.05.2006), “duas cartas<br />

psicografadas foram usadas como argumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa no julgamento em que I. M. B. foi inocentada, por 5 votos a<br />

2, da acusação <strong>de</strong> mandante do homicídio. Os textos são atribuídos à vítima do crime, ocorrido em Viamão (região<br />

metropolitana <strong>de</strong> Porto Alegre)”.<br />

36. (Antiga nota 5 das Disposições Gerais) Aceitabilida<strong>de</strong> da prova ilícita: havemos <strong>de</strong> promover<br />

melhor esclarecimento neste tópico, quanto à utilização das teorias da proporcionalida<strong>de</strong> e da prova ilícita por<br />

<strong>de</strong>rivação. Em verda<strong>de</strong>, não se tratam, necessariamente, <strong>de</strong> teses contrapostas, embora se possa observar que o<br />

a<strong>de</strong>pto da teoria da proporcionalida<strong>de</strong> tem a tendência <strong>de</strong> não acatar a ilicitu<strong>de</strong> por <strong>de</strong>rivação, assim como quem<br />

sustenta a ilicitu<strong>de</strong> por <strong>de</strong>rivação busca o afastamento da teoria da proporcionalida<strong>de</strong>. Pensamos que a prova obtida<br />

por meio ilícito <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada, sempre, inaceitável, ao menos para amparar a con<strong>de</strong>nação do réu. O Estado<br />

não <strong>de</strong>ve promover, em hipótese alguma, a violação da lei para garantir a efetivida<strong>de</strong> da punição em matéria<br />

criminal. Chega a ser um contrassenso permitir a prática <strong>de</strong> um crime (como, por exemplo, a realização <strong>de</strong> grampo,<br />

sem or<strong>de</strong>m judicial) para apurar outro <strong>de</strong>lito qualquer. Infração penal por infração penal, a socieda<strong>de</strong> não se tornará<br />

mais justa porque uma foi punida e a outra, cometida sob amparo estatal, serviu <strong>de</strong> base para a con<strong>de</strong>nação da<br />

primeira. A <strong>de</strong>nominada teoria da proporcionalida<strong>de</strong> (“teoria da razoabilida<strong>de</strong>” ou “teoria do interesse<br />

predominante”) tem por finalida<strong>de</strong> equilibrar os direitos individuais com os interesses da socieda<strong>de</strong>, não se<br />

admitindo, pois, a rejeição contumaz das provas obtidas por meios ilícitos. Sustentam os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong>ssa posição<br />

que é preciso pon<strong>de</strong>rar os interesses em jogo, quando se viola uma garantia qualquer. Assim, para a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />

um sequestro, libertando-se a vítima do cativeiro, pren<strong>de</strong>ndo-se e processando-se criminosos perigosos, por<br />

exemplo, seria admissível a violação do sigilo das comunicações, como a escuta clan<strong>de</strong>stina. Essa teoria vem<br />

ganhando muitos a<strong>de</strong>ptos atualmente, sendo originária da Alemanha. Sob nosso ponto <strong>de</strong> vista, não é momento para<br />

o sistema processual penal brasileiro, imaturo ainda em assegurar, efetivamente, os direitos e garantias individuais,

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