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Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

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ser contado <strong>de</strong> modo infiel e insincero, mas <strong>de</strong> maneira perfeita e lógica, fruto, como se viu na lição <strong>de</strong> Altavilla,<br />

do mais arguto preparo. Está mentindo e o magistrado nem percebe. Em conclusão, pois, é curial ter o julgador a<br />

sensibilida<strong>de</strong> para compreen<strong>de</strong>r que as pessoas são diferentes na sua forma <strong>de</strong> agir, captar situações, armazená-las<br />

na memória e, finalmente, reproduzi-las. Descortinar e separar o <strong>de</strong>poimento verda<strong>de</strong>iro e crível do falso e infiel é<br />

meta das mais árduas no processo, mas imprescindível para chegar ao justo veredicto.<br />

23. O fator curiosida<strong>de</strong> na avaliação dos <strong>de</strong>poimentos: curiosida<strong>de</strong> é o ávido <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> tomar<br />

conhecimento <strong>de</strong> algo, sabendo, informando-se e apren<strong>de</strong>ndo sobre matéria <strong>de</strong> peculiar interesse. O ser humano é<br />

naturalmente curioso, embora cada qual tenha assunto ou objeto <strong>de</strong> sua preferência. Enquanto os homens apreciam<br />

acompanhar fatos violentos e cruéis, as mulheres voltam-se mais a aspectos minuciosos e <strong>de</strong>talhistas do<br />

comportamento ou da aparência das pessoas. As crianças, por sua vez, <strong>de</strong>ntro da sua ignorância, são vorazes<br />

observadoras <strong>de</strong> tudo e <strong>de</strong> todos, encontrando novida<strong>de</strong> nos fatos mais comezinhos (cf. Enrico Altavilla, Psicologia<br />

judiciária, v. 2, p. 256-257). Por isso, <strong>de</strong>ve o magistrado levar em consi<strong>de</strong>ração po<strong>de</strong>r um crime violento escapar à<br />

percepção e à memorização <strong>de</strong> uma testemunha do sexo feminino, que busca evitar armazenar tais dados em sua<br />

mente, procurando até <strong>de</strong>sviar os olhos <strong>de</strong> situações cruentas, enquanto testemunhas do sexo masculino, em gran<strong>de</strong><br />

parte dos casos, <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> reter <strong>de</strong>talhes da cena criminosa, como vestuário do agente, gestos específicos e<br />

cenário, guardando somente o principal. Crianças, porque tudo colhem, são, a princípio, excelentes narradoras <strong>de</strong><br />

cenas e <strong>de</strong>talhes, mas po<strong>de</strong>m fantasiar, <strong>de</strong>ntro da sua natural fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e autoafirmação. Leve-se,<br />

pois, em conta a curiosida<strong>de</strong> das pessoas para avaliar a credibilida<strong>de</strong> dos seus testemunhos.<br />

24. O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> crianças e adolescentes: não são poucos os relatos encontrados, versando sobre<br />

erros judiciários originados justamente dos <strong>de</strong>poimentos prestados por crianças ou adolescentes. Justifica-se essa<br />

situação pela fragilida<strong>de</strong> tanto da criança quanto do adolescente para elaborar uma narrativa fiel dos fatos<br />

porventura assistidos, sem lançar qualquer fantasia ou mentira, fruto da inexperiência e da instabilida<strong>de</strong> psicológica<br />

e emocional dos seres em <strong>de</strong>senvolvimento. Altavilla nos fornece interessante quadro dos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> pessoas<br />

nessa faixa etária, ressalvando alguns tópicos merecedores <strong>de</strong> reprodução no momento. Afirma possuir a criança<br />

<strong>de</strong>feitos inatos inabilitando-a para o papel <strong>de</strong> testemunha confiável. Em primeiro plano, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>stacar a sua<br />

percepção sincrética, em oposição à percepção analítica dos adultos, significando dizer que a criança “tem uma<br />

visão <strong>de</strong> conjunto, em virtu<strong>de</strong> da qual lhe escapam os <strong>de</strong>talhes, ‘<strong>de</strong> modo que, se ouve uma frase, não lhe analisa os<br />

termos, mas faz do seu conjunto uma i<strong>de</strong>ia global e confusa, fundada sobre uma impressão. E termina, assim, por<br />

ligar as imagens mais heterogêneas e por fazer as aproximações mais inexatas e, até, por vezes, contraditórias’.<br />

Mas o que é mais grave é esta sua visão <strong>de</strong> conjunto não se centralizar na parte mais importante <strong>de</strong> uma coisa, <strong>de</strong><br />

uma pessoa, <strong>de</strong> um acontecimento, <strong>de</strong> maneira a tornar menos perigoso o completamento a posteriori e a só ser<br />

possível o erro <strong>de</strong> pormenor” (Psicologia judiciária, v. 1, p. 61). Nota-se que as crianças, por ficarem sempre na<br />

superfície das coisas, quer por preguiça <strong>de</strong> espírito, quer por ignorância ou falta <strong>de</strong> hábito, terminam guardando na<br />

memória poucos dados interessantes sobre <strong>de</strong>terminado fato. Segundo Altavilla, o que é velho na sua memória<br />

sempre prejudica o novo. Assim, seu processo <strong>de</strong> associação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias é sensivelmente diminuído. Quando<br />

colocada para reconhecer algum suspeito, po<strong>de</strong> trazer à sua memória a imagem <strong>de</strong> pessoas conhecidas e não<br />

exatamente do agente do crime, prejudicando o reconhecimento ou terminando por reconhecer quem efetivamente<br />

não cometeu a infração penal. Tendo em vista ser a memória das crianças frágil, muitas são as situações em que,<br />

forçadas a se lembrar <strong>de</strong> algo importante, terminam completando a sua falta <strong>de</strong> informação com dados extraídos da<br />

fantasia e da imaginação. O infante tem dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lidar com a noção <strong>de</strong> espaço e tempo, razão pela qual,<br />

<strong>de</strong>sejando o juiz captar exatamente o que lhe significou <strong>de</strong>terminado período, <strong>de</strong>ve lançar mão <strong>de</strong> comparações.<br />

Assim, ao invés <strong>de</strong> falar em horário <strong>de</strong> adulto (19 horas, 23 horas etc.), precisa fazer referência ao horário da<br />

própria criança, como o momento em que almoça, janta, brinca, vai para a cama etc. Dado muito importante a ser

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