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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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CARÁTER 116 CARÁTER<br />

que individualiza e distingue a própria pessoa.<br />

Nesse sentido, dizemos que "Uma pessoa tem<br />

um C. bem marcado" ou "bem <strong>de</strong>finido", no<br />

sentido <strong>de</strong> que o seu modo <strong>de</strong> agir revela orientações<br />

habituais e constantes. Em sentido oposto,<br />

falamos <strong>de</strong> "falta <strong>de</strong> C." ou "C. fraco", "mau<br />

C." ou "C. inconstante", comportamento habitualmente<br />

<strong>de</strong>vido mais a opções casuais e caprichosas<br />

do que a uma orientação <strong>de</strong>terminada<br />

e constante.<br />

Os antigos possuíam essa noção. Heráclito<br />

diz que o C. (r|8oç, ethos) <strong>de</strong> um homem é o<br />

seu <strong>de</strong>stino (Fr. 119, Diels). E o aristotélico<br />

Teofrasto <strong>de</strong>ixou-nos, no texto intitulado Os<br />

caracteres, a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> trinta tipos <strong>de</strong> C. morais<br />

(importuno, vaidoso, <strong>de</strong>scontente, fanfarrão,<br />

etc), <strong>de</strong>scritos precisamente com base em<br />

suas manifestações habituais. Esquecida durante<br />

a Ida<strong>de</strong> Média, quando essa palavra serviu<br />

sobretudo para <strong>de</strong>signar a in<strong>de</strong>strutibilida<strong>de</strong> da<br />

or<strong>de</strong>nação sacerdotal (S. TOMÁS, S. Th., III, q. 65,<br />

a. 1 ss.), essa noção foi retomada no séc. XVII<br />

por La Bruyère (Les caracteres, 1687) e voltou a<br />

ser usada. Kant utilizou-a na tentativa <strong>de</strong> conciliar<br />

a causalida<strong>de</strong> natural e a causalida<strong>de</strong> livre.<br />

Cada causa eficiente <strong>de</strong>ve ter um caráter, isto é,<br />

"uma lei da sua causalida<strong>de</strong>, sem a qual não seria<br />

causa". Um objeto do mundo sensível tem,<br />

em primeiro lugar, um C. empírico, pelo qual os<br />

seus atos, como fenômenos, estão vinculados<br />

causalmente aos outros fenômenos, em conformida<strong>de</strong><br />

com as leis naturais. Mas o mesmo objeto<br />

também po<strong>de</strong> ter um C. inteligível, "pelo qual<br />

ele é a causa daqueles atos como fenômenos,<br />

mas, por si mesmo, não está sujeito a nenhuma<br />

condição sensível e não é fenômeno". Sobre o<br />

caráter inteligível po<strong>de</strong>-se dizer "que dá início<br />

por si mesmo aos seus efeitos no mundo, sem<br />

que a ação comece nele mesmo"; e com essa<br />

distinção, Kant acredita ter conciliado liberda<strong>de</strong><br />

e natureza (Crít. R. Pura, Antinomias da razão<br />

pura, § 3). Com menos metafísica (e mais<br />

clareza), em Antropologia, ele distingue um C.<br />

físico, que é o sinal distintivo do homem como<br />

ser natural, e um C. moral, que é o sinal do homem<br />

como ser racional, provido <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.<br />

O C. físico diz "o que se po<strong>de</strong> fazer do homem;<br />

o C. moral diz o que o homem é capaz<br />

<strong>de</strong> fazer <strong>de</strong> si mesmo" (Antr, II, a). Schopenhauer<br />

utilizou a distinção kantiana entre C. empírico<br />

e C. inteligível para negar a liberda<strong>de</strong>: tudo o<br />

que o homem faz seria a manifestação <strong>de</strong> um<br />

C. inteligível inato e imutável (Die Welt, I, § 55;<br />

Neue Paralipomena, § 220).<br />

A distinção kantiana <strong>de</strong> dois C, um natural<br />

e imutável e outro moral e livre, é totalmente<br />

abandonada na antropologia contemporânea,<br />

que, todavia, dá gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque à noção<br />

<strong>de</strong> caráter. Mas na interpretação <strong>de</strong>ssa<br />

noção, po<strong>de</strong>-se dizer que a antropologia contemporânea<br />

assume um ou outro dos dois<br />

conceitos em que Kant distinguira essa noção,<br />

isto é, ou enten<strong>de</strong> o C. como uma formação<br />

natural e inevitável que o homem traz consigo<br />

e não po<strong>de</strong> modificar, ou o enten<strong>de</strong> como uma<br />

formação <strong>de</strong>vida às escolhas do homem e, portanto,<br />

livre e modificável. Faremos menção<br />

apenas a algumas das principais posições, quer<br />

num sentido, quer no outro. A teoria dos tipos<br />

psicológicos <strong>de</strong> Jung pertence à primeira tendência<br />

porque consi<strong>de</strong>ra o C. como uma orientação<br />

predominantemente inconsciente, <strong>de</strong>vida<br />

a disposições orgânicas ou ao fundamento instintivo.<br />

O C. <strong>de</strong> um homem é a direção em que<br />

ocorre o encontro entre esse homem e o mundo,<br />

ou entre esse homem e a socieda<strong>de</strong>: é o<br />

complexo <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s ou disposições para agir<br />

ou reagir em certa direção. Ora, no encontro<br />

entre o homem e o mundo, são possíveis duas<br />

atitu<strong>de</strong>s fundamentais: ou o homem procura<br />

dominar o mundo, isto é, os objetos externos,<br />

assumindo uma atitu<strong>de</strong> ativa, positiva, criadora,<br />

ou então procura simplesmente <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se<br />

<strong>de</strong>le, fechando-se em si o mais possível; a primeira<br />

atitu<strong>de</strong> é a extrovertida, que produz<br />

abertura, socialida<strong>de</strong>, isto é, freqüência <strong>de</strong> relações<br />

com os outros; a segunda é a introvertida,<br />

que indica fechamento, timi<strong>de</strong>z e, em todo<br />

caso, relutância em relacionar-se com os outros<br />

e com as coisas {Tipospsicológicos, 1913). Essa<br />

classificação <strong>de</strong> Jung ficou célebre e é comumente<br />

empregada mesmo sem referência às<br />

suas bases teóricas. A mesma noção <strong>de</strong> C.<br />

como dado irredutível, estrutura originária e<br />

congênita, não modificável pelas escolhas do<br />

indivíduo, é compartilhada por Le Senne, para<br />

quem o C. é "o sistema invariável das necessida<strong>de</strong>s<br />

que se encontram, por assim dizer, no limite<br />

entre o orgânico e o mental" (Traité <strong>de</strong><br />

caractérologie, p. 1). Só que, para Le Senne, o<br />

C. não constitui a totalida<strong>de</strong> do homem: é só<br />

um dos elementos da sua personalida<strong>de</strong> e esta<br />

compreen<strong>de</strong>, além do C, também elementos livremente<br />

adquiridos, que po<strong>de</strong>m contribuir<br />

para especificar o próprio C. em um sentido ou<br />

em outro. O C. é, portanto, um limite objetivo,<br />

intrínseco à própria personalida<strong>de</strong>, da escolha<br />

que a personalida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> fazer livremente <strong>de</strong>

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