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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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AFECÇÃO ou AFEIÇÃO 20 AFECÇÃO ou AFEIÇÃO<br />

palavra passio, que só na segunda meta<strong>de</strong> do<br />

século XVIII assume o seu significado mo<strong>de</strong>rno<br />

(v. PAIXÃO). Assim, Alberto Magno enten<strong>de</strong> por<br />

A. "o efeito e a conseqüência da ação" (S. Th.,<br />

I, q. 7, a 1). S. Tomás, que dá idêntica <strong>de</strong>finição<br />

(ibid., I, q. 97, a. 2), distingue três significados<br />

do termo: "O primeiro, que é o mais próprio,<br />

tem-se quando alguma coisa é afastada<br />

daquilo que lhe convém segundo a sua natureza<br />

ou a sua inclinação própria, como quando a<br />

água per<strong>de</strong> a sua frieza por ação do calor, ou<br />

como quando o homem adoece ou se entristece.<br />

O segundo significado, que é menos próprio,<br />

tem-se quando se per<strong>de</strong> uma coisa qualquer,<br />

seja ela ou não conveniente; e nesse<br />

sentido se po<strong>de</strong> dizer que sofre uma ação<br />

(pati) não só quem adoece mas também quem<br />

se cura e, em geral, quem quer que seja alterado<br />

ou mudado. Num terceiro sentido, diz-se<br />

quando o que estava em potência recebe aquilo<br />

que ele era em potência sem per<strong>de</strong>r nada;<br />

em tal sentido, po<strong>de</strong>-se dizer que tudo o que<br />

passa da potência ao ato sofre uma ação mesmo<br />

quando se aperfeiçoa" (ibid., I, q. 79, a. 2).<br />

Cada um <strong>de</strong>sses significados, distinguidos por<br />

S. Tomás e compreendidos na noção geral <strong>de</strong><br />

A., po<strong>de</strong> ser encontrado no uso ulterior do termo.<br />

Passio animi era a <strong>de</strong>nominação que alguns<br />

escolásticos (cf. OCKHAM, In Sent., I, d. II,<br />

q. 8 C) davam à species intelectiva, isto é, ao<br />

universal ou conceito. A passio em geral é <strong>de</strong>finida<br />

por Campanella (Phil. ration. dialectica,<br />

I, 6) como "um ato <strong>de</strong> impotência que consiste<br />

em per<strong>de</strong>r a própria entida<strong>de</strong> — essencial ou<br />

aci<strong>de</strong>ntal, no todo ou em parte — e em receber<br />

uma entida<strong>de</strong> estranha". Descartes <strong>de</strong>u expressão<br />

clássica a essa noção em Paixões da alma<br />

(I, 1, 1650): "Tudo o que se faz ou que acontece<br />

<strong>de</strong> novo geralmente é chamado pelos filósofos<br />

<strong>de</strong> afecção, no que se refere ao sujeito a<br />

quem acontece, e <strong>de</strong> ação, no que se refere<br />

àquilo que faz acontecer; <strong>de</strong> tal modo que, embora<br />

o agente e o paciente sejam muitas vezes<br />

bem diferentes, a ação e a afecção não <strong>de</strong>ixam<br />

<strong>de</strong> ser a mesma coisa com esses dois nomes,<br />

<strong>de</strong>vido ao dois sujeitos diferentes aos quais se<br />

po<strong>de</strong> referir". Em sentido análogo, essa palavra<br />

é empregada por Spinoza para <strong>de</strong>finir o que<br />

ele chama <strong>de</strong> affectus e que nós chamaríamos<br />

<strong>de</strong> emoções ou sentimentos. As emoções, enquanto<br />

passiones, isto é, A., constituem a impotência<br />

da alma, que as vence transformando-as<br />

em idéias claras e distintas. "A emoção, diz<br />

Spinoza (Et., V, 3), "que é uma A., cessa <strong>de</strong> ser<br />

uma A. assim que <strong>de</strong>la formamos idéia clara e<br />

distinta". Nesse caso, realmente, essa idéia se<br />

distingue só racionalmente da emoção e se refere<br />

só à mente; assim, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma A.<br />

(ibid., V, 3)- Por isso Deus, que é <strong>de</strong>sprovido<br />

<strong>de</strong> idéias confusas, está isento <strong>de</strong> A. (ibid., V,<br />

17). No mesmo sentido, exprime-se Leibniz<br />

(Monad., § 49): "Atribui-se a ação à mônada na<br />

medida em que ela tem percepções distintas, e<br />

a A. na medida em que tem percepções confusas".<br />

No mesmo sentido exprimem-se Wolff<br />

(Ont., § 714) e Crusius (Vernunftwahrheiten,<br />

§ 66).<br />

Kant exprimiu do modo mais claro possível<br />

a noção <strong>de</strong> A. como recepção passiva, em um<br />

texto <strong>de</strong> Antropologia (§ 7): "As representações<br />

em relação às quais o espírito se comporta passivamente,<br />

por meio das quais, portanto, o sujeito<br />

sofre uma A. [Affection] (<strong>de</strong> si mesmo ou<br />

<strong>de</strong> um objeto), pertencem à sensibilida<strong>de</strong>;<br />

aquelas, porém, que incluem o verda<strong>de</strong>iro agir<br />

(o pensamento) pertencem ao po<strong>de</strong>r cognoscitivo<br />

intelectual. Aquele é também chamado<br />

po<strong>de</strong>r cognoscitivo inferior e este, po<strong>de</strong>r<br />

cognoscitivo superior. Aquele tem o caráter da<br />

passivida<strong>de</strong> do sentido interno das sensações,<br />

este tem o caráter da espontaneida<strong>de</strong> da apercepçâo,<br />

isto é, da consciência pura do agir que<br />

constitui o pensamento; e pertence à lógica<br />

(isto é, a um sistema <strong>de</strong> regras do intelecto) assim<br />

como aquele pertence à psicologia (isto é,<br />

ao complexo <strong>de</strong> todos os atos internos submetidos<br />

a leis naturais) e fundamenta a experiência<br />

interna". Esses conceitos são fundamentais<br />

para toda a Crítica da Razão Pura, especialmente<br />

para a distinção entre estética e lógica,<br />

que repousa no seguinte princípio: "Todas as<br />

intuições, por serem sensíveis, repousam em<br />

A.; os conceitos, ao contrário, repousam em<br />

funções" (Crít. R. Pura, Analítica dos conceitos,<br />

I, seção I). Essas observações <strong>de</strong> Kant estão em<br />

polêmica com a tese da escola leibnizianowolffiana,<br />

segundo a qual a sensibilida<strong>de</strong> consiste<br />

nas representações indistintas e a intelectualida<strong>de</strong>,<br />

nas distintas; o que, segundo notava<br />

Kant (Antr, § 7, nota), significa que a sensibilida<strong>de</strong><br />

consiste numa falta (falta <strong>de</strong> distinção),<br />

enquanto esta é algo <strong>de</strong> positivo e <strong>de</strong> indispensável<br />

ao conhecimento intelectual.<br />

Em conclusão, o termo A., entendido como<br />

recepção passiva ou modificação sofrida, não<br />

tem necessariamente conotação emotiva; e,<br />

embora tenha sido empregado freqüentemente<br />

a propósito <strong>de</strong> emoções e afetos (pelo caráter

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