22.06.2013 Views

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

LEI 603 LEI<br />

interpretação das L. científicas como simples<br />

instrumentos da orientação prática do homem<br />

no mundo. Algumas formas <strong>de</strong> espiritualismo e<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>alismo interpretaram essa função econômica<br />

da ciência como sinal <strong>de</strong> sua inferiorida<strong>de</strong><br />

teorética (e por vezes <strong>de</strong> todo o pensamento<br />

discursivo) em relação à <strong>filosofia</strong> e aos seus órgãos<br />

específicos. Le Roy, levando ao extremo a<br />

crítica <strong>de</strong> Bergson, afirmou o caráter convencional<br />

da ciência e por isso a natureza arbitrária<br />

<strong>de</strong> suas L. Para Le Roy, a tarefa da ciência é<br />

encontrar constantes úteis; e encontra-as porque<br />

a ação humana não comporta precisão absoluta,<br />

mas exige apenas que a realida<strong>de</strong> seja<br />

aproximativamente representada, em suas relações<br />

conosco, por um sistema <strong>de</strong> constantes<br />

simbólicas <strong>de</strong>nominadas L. (Science etphilosophie,<br />

1899-1900). A mesma tese, num exagero<br />

quase caricatural, po<strong>de</strong> ser encontrada em<br />

Croce: "Como essas L. são construções nossas<br />

e apresentam o móvel como fixo, além <strong>de</strong> não<br />

serem irrepreensíveis nem isentas <strong>de</strong> exceções,<br />

<strong>de</strong>finitivamente não existe fato real que não<br />

constitua exceção à sua L. naturalista". Isso<br />

acontece porque não existem uniformida<strong>de</strong>s<br />

rigorosas, e um ursinho nunca é totalmente<br />

semelhante aos seus pais. "Don<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>ria<br />

<strong>de</strong>finir: as L. inexoráveis da natureza são L. violadas<br />

a todo instante; ao contrário, L. filosóficas<br />

são as observadas o tempo todo. (...) As ciências<br />

naturais, que não propiciam conhecimentos<br />

verda<strong>de</strong>iros, têm ainda menos direito (se é<br />

lícito expressar-se assim) <strong>de</strong> falar em previsão"<br />

(Lógica, II, cap. 5; 4 a ed, 1920, p. 218). Poincaré<br />

pronunciou-se contra a natureza convencional<br />

das L., em polêmica com Le Roy. A L.<br />

não é uma criação arbitrária do cientista, mas a<br />

expressão aproximativa ou provisória <strong>de</strong> uma<br />

constância <strong>de</strong> ação que permite a previsão. É<br />

bem verda<strong>de</strong> que por vezes algumas L. são<br />

erigidas em princípio, escapando assim à verificação<br />

da experiência e à incessante revisão que<br />

esta comporta, mas nesse caso a L. <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser<br />

verda<strong>de</strong>ira ou falsa para tornar-se apenas cômoda,<br />

e a verificação continua sendo feita sobre<br />

as relações que expressem "o fato bruto da<br />

experiência" (Le valeur <strong>de</strong> Ia science, p. 239).<br />

Poincaré observa também que "o cientista cria<br />

no fato apenas a linguagem na qual o enuncia",<br />

mas que, uma vez enunciada uma previsão em<br />

<strong>de</strong>terminada linguagem, "não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong>le que ela se realize ou não" (Lbid.,<br />

p. 233). A mesma crítica era dirigida â tese do<br />

caráter convencional das L. científicas por<br />

Moritz Schilick. Utilizando a distinção entre<br />

enunciado e proposição, que é um enunciado<br />

dotado <strong>de</strong> significado (na medida em que realmente<br />

cumpre a função <strong>de</strong> comunicar), Schilick<br />

julgou que "o conteúdo próprio <strong>de</strong> uma lei<br />

natural consiste no fato <strong>de</strong> que a certas leis gramaticais<br />

(p. ex., <strong>de</strong> uma geometria) correspon<strong>de</strong>m<br />

algumas proposições <strong>de</strong>finidas como <strong>de</strong>scrições<br />

verda<strong>de</strong>iras da realida<strong>de</strong>". Uma vez que<br />

esse fato é completamente invariante com relação<br />

a qualquer mudança arbitrária das regras<br />

gramaticais, não se po<strong>de</strong> reduzir as L. da natureza<br />

a meras convenções lingüísticas. "Só as<br />

proposições são verda<strong>de</strong>iras ou falsas, não os<br />

enunciados. Os enunciados realmente estão<br />

sujeitos a modificações arbitrárias, mas isto não<br />

diz respeito a quem se preocupa com o conhecimento<br />

dos fatos. Com a ajuda das regras dos<br />

símbolos (cuja gramática <strong>de</strong>ve ser conhecida<br />

porque sem ela os enunciados não teriam sentido),<br />

é possível chegar a proposições genuínas,<br />

cuja verda<strong>de</strong> não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da predileção<br />

por símbolos" (Gesetz Kausalitãt, und Wahrscheinlichkeít,<br />

Viena, 1948; agora em Readings<br />

inPhil. of Science, 1953, pp. 181 e ss.).<br />

4 S As críticas <strong>de</strong> Poincaré e Schilick à tese da<br />

natureza convencional da L. científica partem<br />

daquilo que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>nominar quarta concepção<br />

fundamental da L, que a vê como relação<br />

simbólica entre os fatos. Essa tese foi expressa<br />

pela primeira vez por Duhem, no livro<br />

sobre Teoria física, que assim a resumiu: "Uma<br />

L. <strong>de</strong> física é uma relação simbólica cuja aplicação<br />

à realida<strong>de</strong> concreta exige que se conheça<br />

e se aceite todo um conjunto <strong>de</strong> teorias"<br />

(Théorie physique, 1906, p. 274). Isto quer dizer<br />

que os termos simbólicos que uma lei interrelaciona<br />

são abstrações produzidas pelo trabalho<br />

lento, complicado e cônscio que serviu<br />

para elaborar as teorias físicas, e que esse trabalho<br />

nunca está <strong>de</strong>finitivamente acabado. "Toda<br />

L. física" — diz Duhem — "é aproximada;<br />

conseqüentemente, para o lógico rigoroso, ela<br />

não po<strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>ira nem falsa; qualquer<br />

outra L. que represente as mesmas experiências<br />

com a mesma aproximação po<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r,<br />

com o mesmo direito da primeira, o título<br />

<strong>de</strong> L. verda<strong>de</strong>ira ou, para falar com mais rigor, <strong>de</strong><br />

L. aceitável" (Ibid., p. 280). Esses conceitos permaneceram<br />

substancialmente inalterados na <strong>filosofia</strong><br />

contemporânea. As observações <strong>de</strong> Schilick<br />

contra a convencionalida<strong>de</strong> das L. naturais e<br />

em favor do seu caráter simbólico constituem<br />

uma confirmação substancial do ponto <strong>de</strong> vista

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!