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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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GRAÇA 2<br />

que exige a contribuição do homem. Essas<br />

duas soluções, ou melhor, esses dois tipos <strong>de</strong><br />

soluções, permaneceram substancialmente<br />

inalterados ao longo da história <strong>de</strong>ssa controvérsia,<br />

apesar da varieda<strong>de</strong> das expressões,<br />

atenuações ou nuanças que receberam durante<br />

esse tempo.<br />

l 2 A primeira solução é apresentada por S.<br />

Agostinho na polêmica contra Pelágio, pela Reforma<br />

protestante e pelo jansenismo. Consiste<br />

em julgar que a humanida<strong>de</strong> toda pecou com<br />

Adão e em Adão e que, portanto, o gênero humano<br />

é uma só "massa con<strong>de</strong>nada", a cuja punição<br />

nenhum membro po<strong>de</strong> escapar, a não<br />

ser pela misericórdia e pela G. não obrigatória<br />

<strong>de</strong> Deus (S. AGOSTINHO, De civ. Dei, XIII, 14).<br />

O fundamento <strong>de</strong>ssa solução é que a verda<strong>de</strong>ira<br />

liberda<strong>de</strong> do homem coinci<strong>de</strong> com a ação<br />

agraciadora <strong>de</strong> Deus. Segundo S. Agostinho, a<br />

vonta<strong>de</strong> só é livre quando não dominada pelo<br />

vício e pelo pecado e é essa a liberda<strong>de</strong> que só<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>volvida ao homem pela G. <strong>de</strong> Deus<br />

(Ibid., XIV, 11). Desse ponto <strong>de</strong> vista, o homem<br />

não possui méritos próprios, válidos perante<br />

Deus: seus méritos são dons divinos que <strong>de</strong>vem<br />

ser atribuídos a Deus e não a si mesmo<br />

(De gratia et libero arbítrio, 6). O De servo arbítrio<br />

(1525) <strong>de</strong> Lutero, admitindo esse ponto<br />

<strong>de</strong> vista agostiniano, nega que o homem seja livre.<br />

Segundo Lutero, não se po<strong>de</strong> admitir ao<br />

mesmo tempo a liberda<strong>de</strong> divina e a humana.<br />

A presciência e a pre<strong>de</strong>stinação divina implicam<br />

que nada acontece sem a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Deus, e isso exclui que no homem ou em qualquer<br />

outra criatura haja livre-arbítrio. À óbvia<br />

objeção que, nesse caso, Deus é o autor do<br />

mal, Lutero respon<strong>de</strong> com a doutrina já <strong>de</strong>fendida<br />

pela última Escolástica (p. ex., por<br />

OCKHAM, In Sent., I, d. 17, q. 1 M): Deus não se<br />

submete a normas: ele não <strong>de</strong>ve querer uma<br />

coisa ou outra porque é justa, mas o que ele<br />

quer é justo por si mesmo (De servo arb., 152).<br />

Calvino expressava mais cruamente o mesmo<br />

conceito quando afirmava: "Digamos que o Senhor<br />

<strong>de</strong>cidiu, em seu parecer eterno e imutável,<br />

a quais homens conce<strong>de</strong>r salvação e quais<br />

<strong>de</strong>ixar em ruína. Digamos que os chamados à<br />

salvação são recebidos por sua misericórdia<br />

gratuita, sem nenhuma consi<strong>de</strong>ração pela dignida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>les. Ao contrário, o ingresso na vida<br />

está fechado para todos os que ele quer entregar<br />

à con<strong>de</strong>nação, e isso acontece em virtu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> seu juízo oculto e incompreensível, embora<br />

justo e equânime" (Institution <strong>de</strong> Ia religion<br />

489 GRAÇA 2<br />

chrétienne, 1541, 7). Augustinus(l64l) <strong>de</strong>jansênio<br />

contém tese idêntica a esta sobre a G. (v.<br />

JANSENISMO).<br />

2 9 O segundo ponto <strong>de</strong> vista foi formulado<br />

durante a Ida<strong>de</strong> Média e está exposto, p. ex.,<br />

na obra <strong>de</strong> Anselmo, Concordância da presciência<br />

da pre<strong>de</strong>stinação e da G. <strong>de</strong> Deus com<br />

o livre-arbítrio (1109)- Anselmo afirma que a<br />

pre<strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> Deus leva em conta a liberda<strong>de</strong><br />

humana, já que Deus não pre<strong>de</strong>stina ninguém<br />

violentando sua vonta<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong>ixa sempre<br />

a salvação em po<strong>de</strong>r do pre<strong>de</strong>stinado.<br />

Todavia, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua presciência, ele<br />

pre<strong>de</strong>stina só aqueles cuja boa vonta<strong>de</strong> conhece<br />

antecipadamente (De concórdia prescientiae,<br />

etc. q. 2, 3). Solução análoga é dada por S.<br />

Tomás: "A preparação do homem para a G.<br />

tem Deus como móbil, o livre-arbítrio como<br />

movimento. Ela po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada sob dois<br />

aspectos: no primeiro, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do livre-arbítrio<br />

e não implica a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter a G.<br />

porque o dom da G. exce<strong>de</strong> qualquer preparação<br />

da virtu<strong>de</strong> humana; no segundo aspecto,<br />

tem Deus como móbil e implica a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> obter a G. que é <strong>de</strong>terminada por Deus, embora<br />

não se trate <strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong> proveniente<br />

<strong>de</strong> coação, mas da infalibilida<strong>de</strong>, porquanto<br />

a intenção <strong>de</strong> Deus não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

ter efeito" (S. Th., III, q. 112, a 3). No período<br />

da Contra-Reforma, Luís <strong>de</strong> Molina, no texto<br />

Liberi arbitri cum gratiae donís, divina praescientia,<br />

provi<strong>de</strong>ntia, prae<strong>de</strong>stinatione et reprobatione<br />

concórdia, voltou a propor a solução<br />

tomista, distinguindo a G. suficiente, dada a todos<br />

os homens como condição necessária da<br />

salvação, da G. eficaz, que é infalível e segue a<br />

boa vonta<strong>de</strong> humana. Em realida<strong>de</strong> esta e análogas<br />

distinções só servem para justificar o caráter<br />

não rigorosamente <strong>de</strong>terminante da G., no<br />

sentido <strong>de</strong> que, em todo caso, ela <strong>de</strong>ixa a salvo<br />

a liberda<strong>de</strong> humana e, com isso, também <strong>de</strong>ixa<br />

aos réprobos (e somente a eles) a responsabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> sua con<strong>de</strong>nação. Toda a disputa gira<br />

em torno do significado <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> (v.), e, já<br />

que ambas as partes consi<strong>de</strong>ram a liberda<strong>de</strong><br />

como autocausalida<strong>de</strong> — mas nenhuma <strong>de</strong>las<br />

consi<strong>de</strong>ra tal causalida<strong>de</strong> — primária ou absoluta<br />

—, a substância da disputa reduz-se a bem<br />

pouco do ponto <strong>de</strong> vista conceptual. Para uma<br />

ou outra doutrina, a causa primeira <strong>de</strong> tudo, e,<br />

portanto, também da liberda<strong>de</strong> ou da salvação<br />

humana, é Deus. Contudo, essa disputa não é<br />

realmente conceptual, mas religiosa ou eclesiástica.<br />

A <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> certo grau <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>

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