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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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ÉTICA 385 ÉTICA<br />

(lnq. Cone. Morais, V, 2). Portanto, razão e sentimento<br />

constituem igualmente a moral; segundo<br />

Hume, "a razão nos instrui sobre as diversas<br />

direções da ação, a humanida<strong>de</strong> nos faz<br />

estabelecer a distinção em favor daquelas que<br />

são úteis e benéficas" (Ibid., Ap. I). Para Hume,<br />

o sentimento <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong>, ou seja, a tendência<br />

a ter prazer pela felicida<strong>de</strong> do próximo, é o<br />

fundamento da moral, o móvel fundamental da<br />

conduta humana. Alguns anos mais tar<strong>de</strong>,<br />

Adam Smith chamará <strong>de</strong> simpatia esse sentimento<br />

do espectador imparcial que olha e julga<br />

a sua conduta e a dos outros (lhe Theory of<br />

Moral Sentiments, 1759, III, 1).<br />

Pelo fato <strong>de</strong> a concepção moral <strong>de</strong> Kant<br />

correspon<strong>de</strong>r às características fundamentais da<br />

doutrina do móvel, está claro que <strong>de</strong>ve ser<br />

inserida nessa tradição. Em primeiro lugar,<br />

Kant julga que "o conceito do bem e do mal<br />

não <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>terminado antes da lei moral<br />

(cujo fundamento aparentemente <strong>de</strong>veria ser),<br />

mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>la e através <strong>de</strong>la" (Crít. R. Prática,<br />

I, 1, 3). Isto quer dizer que Kant compartilha<br />

a concepção (2) do bem, que correspon<strong>de</strong> à É.<br />

do móvel. Em segundo lugar, é justamente com<br />

base nos móveis (Bestimmungsgründê) que<br />

Kant classifica as diferentes concepções fundamentais<br />

do princípio da moralida<strong>de</strong> (Ibid., I, 1,<br />

§ 8, nota 2). Em terceiro lugar, Kant consi<strong>de</strong>ra a<br />

lei moral como um fato (Factum), porque "não<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>duzida <strong>de</strong> dados prece<strong>de</strong>ntes da razão,<br />

como p. ex. da consciência da liberda<strong>de</strong>",<br />

mas se impõe por si mesma como um sic volo,<br />

sic iubeo (Ibid., § 7). Desse modo, Kant transferiu<br />

o móvel da conduta do "sentimento" para a<br />

"razão", utilizando o outro lado do dilema proposto<br />

pelos moralistas ingleses. Com isso, quis<br />

garantir a categoricida<strong>de</strong> da norma moral, ou<br />

seja, o caráter absoluto <strong>de</strong> comando graças ao<br />

qual ela se distingue dos imperativos hipotéticos<br />

<strong>de</strong> técnicas e prudência. Em vista <strong>de</strong>ssa exigência,<br />

a É. kantiana sem dúvida compartilha<br />

com a concepção (1) da É. a preocupação básica<br />

<strong>de</strong> ancorar a norma <strong>de</strong> conduta na substância<br />

racional do homem. Mas, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado<br />

essa preocupação absolutista (que <strong>de</strong>ve ser<br />

explicada pelo "rigorismo" kantiano), a É. <strong>de</strong><br />

Kant tem gran<strong>de</strong> afinida<strong>de</strong> com a É. dos moralistas<br />

ingleses do séc. XVIII (pelos quais, aliás,<br />

nas obras iniciais Kant não escon<strong>de</strong>u sua simpatia),<br />

não só na formulação fundamental<br />

como também nos resultados. Se o sentimento,<br />

ao qual recorriam os moralistas ingleses, era a<br />

tendência à felicida<strong>de</strong> do próximo, a razão, à<br />

qual Kant recorre, é a exigência <strong>de</strong> agir segundo<br />

princípios que os outros po<strong>de</strong>m adotar.<br />

Conquanto essa fórmula possa parecer mais<br />

rigorosa e mais abstrata que as empregadas<br />

pelos filósofos ingleses, seu significado é o mesmo.<br />

O que ambas preten<strong>de</strong>m sugerir como<br />

princípio ou móvel da conduta é o reconhecimento<br />

da existência <strong>de</strong> outros homens (ou,<br />

como queria Kant, <strong>de</strong> outros seres racionais")<br />

e a exigência <strong>de</strong> comportar-se em face <strong>de</strong>les<br />

com base nesse reconhecimento. O imperativo<br />

kantiano <strong>de</strong> tratar a humanida<strong>de</strong>, tanto na primeira<br />

pessoa quanto na pessoa do próximo,<br />

sempre como fim e nunca como meio, não<br />

passa <strong>de</strong> outra expressão <strong>de</strong>ssa mesma exigência,<br />

que os moralistas ingleses chamavam <strong>de</strong><br />

"sentido moral" ou "sentido <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong>".<br />

Infelizmente, a evolução sofrida pela <strong>filosofia</strong><br />

moral <strong>de</strong> Kant a partir <strong>de</strong> Fichte teve como<br />

ponto <strong>de</strong> partida mais freqüente o seu arsenal<br />

dogmático e absolutista do que suas colocações<br />

fundamentais e a substância <strong>de</strong> seus ensinamentos<br />

morais. Tanto esses ensinamentos<br />

quanto a postura <strong>de</strong> que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m estão <strong>de</strong><br />

acordo com a É. setecentista, com a diretriz<br />

moral do iluminismo, mas com esta não se coaduna<br />

a contraposição estabelecida por Kant entre<br />

o mundo moral e o mundo natural e, portanto,<br />

entre a É. e a ciência da natureza. Essa<br />

oposição ingressa na doutrina <strong>de</strong> Kant a partir<br />

do arsenal absolutista <strong>de</strong> sua É., ou seja, a partir<br />

do aspecto que a transformou em menina<br />

dos olhos dos metafísicos moralistas do séc.<br />

XIX, em pretexto para inumeráveis (e inoperantes)<br />

perquirições a respeito do caráter<br />

absoluto do <strong>de</strong>ver, bem como do acesso que<br />

ele permitiria a uma Realida<strong>de</strong> superior e incondicionada<br />

(a do "númeno"), sem nenhuma<br />

relação com a realida<strong>de</strong> fenomênica e condicionada<br />

da natureza. Ainda hoje, muitas vezes<br />

amigos e adversários da É. <strong>de</strong> Kant vêem nela<br />

exclusivamente esse aspecto; os primeiros para<br />

exaltá-la como ancoradouro seguro <strong>de</strong> todas as<br />

certezas referentes à vida moral, os últimos<br />

para con<strong>de</strong>ná-la como baluarte das ilusões metafísicas<br />

no campo moral. Mas uma consi<strong>de</strong>ração<br />

<strong>de</strong>ssa É. que se subtraia a tais alternativas<br />

e a veja no quadro da É. setecentista, cuja postura<br />

compartilhou, ao mesmo tempo em que<br />

preten<strong>de</strong>u fundamentá-la com necessida<strong>de</strong> rigorosa,<br />

talvez permita apreciá-la mais a<strong>de</strong>quadamente.<br />

Po<strong>de</strong>, efetivamente, abrir caminho<br />

para a utilização das análises kantianas com<br />

vistas à formulação da É. como técnica da con-

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