22.06.2013 Views

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

EXISTENCIALISMO 404 EXISTENCIALISMO<br />

base na categoria do possível, Kierkegaard<br />

entendia o possível exclusivamente em seu<br />

aspecto ameaçador e negativo, vendo nele<br />

"aquilo que é impossível realizar-se", mais do<br />

que "aquilo que po<strong>de</strong> não se realizar". A <strong>filosofia</strong><br />

<strong>de</strong> Hei<strong>de</strong>gger adota essa mesma interpretação.<br />

Não há dúvida <strong>de</strong> que, em análises que se<br />

tornaram clássicas, Hei<strong>de</strong>gger <strong>de</strong>ixou claro que<br />

a existência é transcendência e projeto, mas<br />

também mostrou que transcendência e projeto<br />

são, afinal, impossíveis, porque a transcendência<br />

fica aquém do que <strong>de</strong>veria transcen<strong>de</strong>r<br />

e o projeto é dominado e anulado por aquilo<br />

que já é ou já não é mais. O caráter da existência<br />

que acaba prevalecendo na <strong>filosofia</strong> <strong>de</strong> Hei<strong>de</strong>gger<br />

é a efetivida<strong>de</strong> ou factualida<strong>de</strong> do ser-aí<br />

lançado no mundo, em meio aos outros entes,<br />

no mesmo nível <strong>de</strong>les e por isso à mercê <strong>de</strong> ser<br />

o que <strong>de</strong> fato é. Desse modo, a existência só<br />

po<strong>de</strong> ser aquilo que já passou. Suas possibilida<strong>de</strong>s<br />

não são aberturas para o futuro, mas<br />

reincidência no passado e só fazem reapresentar<br />

o passado como futuro. Por isso, o<br />

transcen<strong>de</strong>r, o projetar, é uma impossibilida<strong>de</strong><br />

radical, um nada nadificante. Não resta outra<br />

alternativa autêntica a não ser antecipar ou<br />

projetar esse mesmo nada. Isso é o "viver-para-a-morte",<br />

ou seja, para "a possibilida<strong>de</strong> da<br />

impossibilida<strong>de</strong> da existência" (Sein und Zeit,<br />

§ 53). A "possibilida<strong>de</strong> da impossibilida<strong>de</strong>" seria<br />

uma contradição em termos, se possibilida<strong>de</strong><br />

não significasse aqui "compreensão". A<br />

existência é essencial e radicalmente impossível;<br />

o que é possível é a compreensão <strong>de</strong>ssa<br />

impossibilida<strong>de</strong>. Viver para a morte é, precisamente,<br />

tal compreensão.<br />

Como se viu, a característica da <strong>filosofia</strong> <strong>de</strong><br />

Hei<strong>de</strong>gger (ao menos na sua primeira fase, a<br />

única que po<strong>de</strong> ser chamada <strong>de</strong> existencialista)<br />

é a transformação do conceito <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>,<br />

como instrumento <strong>de</strong> análise da existência,<br />

no <strong>de</strong> impossibilida<strong>de</strong>. O mesmo fato verificase<br />

na <strong>filosofia</strong> <strong>de</strong> Jaspers. De um extremo a<br />

outro <strong>de</strong> sua Filosofia, Jaspers fala da existência<br />

possível e sua análise é, explicitamente,<br />

análise das possibilida<strong>de</strong>s da existência. Mas,<br />

assim como para Hei<strong>de</strong>gger, no fundo tais<br />

possibilida<strong>de</strong>s não são mais do que outras tantas<br />

impossibilida<strong>de</strong>s. Eu não posso ser senão o<br />

que sou {Phil, II, p. 182), não posso tornarme<br />

senão o que sou; não posso querer senão o<br />

que sou; e o que sou é a situação em que me<br />

encontro e sobre a qual nada posso (Ibid. I, p.<br />

145). Jaspers diz explicitamente que as expres-<br />

sões "eu escolho", "eu quero" significam na<br />

realida<strong>de</strong> "eu <strong>de</strong>vo" (Jch muss; Phil, II, p. 186),<br />

o que significa que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser, <strong>de</strong><br />

agir, <strong>de</strong> querer, <strong>de</strong> escolher, na realida<strong>de</strong> é a<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agir, escolher e querer <strong>de</strong><br />

modo diferente daquilo que se é, isto é, das<br />

condições <strong>de</strong> fato implícitas na situação que<br />

nos constitui.<br />

O mesmo predomínio do conceito <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong><br />

e a mesma transformação final em impossibilida<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>m ser encontrados no E. <strong>de</strong><br />

Sartre. Para esse E., a possibilida<strong>de</strong> última da<br />

realida<strong>de</strong> humana, a sua escolha originária, é o<br />

projeto fundamental em que se inserem todos<br />

os atos e as volições <strong>de</strong> um ser humano. Tal<br />

projeto é fruto <strong>de</strong> uma liberda<strong>de</strong> sem limites,<br />

absoluta e incondicionada: <strong>de</strong> uma liberda<strong>de</strong><br />

que faz do homem uma espécie <strong>de</strong> Deus criador<br />

do seu mundo e o torna responsável pelo<br />

mundo. O homem é, <strong>de</strong> fato, <strong>de</strong>finido por<br />

Sartre como "o ser que projeta ser Deus" (L'être<br />

et le néant, p. 653), mas trata-se <strong>de</strong> um Deus<br />

falido, seu projeto resolve-se em fracasso. Aquilo<br />

que na doutrina <strong>de</strong> Hei<strong>de</strong>gger e <strong>de</strong> Jaspers é<br />

obra da necessida<strong>de</strong> factual que limita e <strong>de</strong>strói<br />

qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>. transcen<strong>de</strong>r o fato,<br />

na doutrina <strong>de</strong> Sartre é obra da infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong>s que se eliminam e se <strong>de</strong>stroem<br />

reciprocamente, num jogo fútil e vão que provoca<br />

náusea: pois nenhuma <strong>de</strong>las possui maior<br />

valida<strong>de</strong> ou soli<strong>de</strong>z que a outra, sendo, pois,<br />

impossível escolher uma ou outra, a não ser cegamente.<br />

Uma escolha absoluta ou "absolutamente<br />

livre", como a que Sartre atribui ao homem,<br />

é perfeitamente idêntica à "não-escolha"<br />

ou à "escolha da escolha" <strong>de</strong> Hei<strong>de</strong>gger e<br />

Jaspers, no sentido <strong>de</strong> que não é uma escolha,<br />

mas a própria impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolher.<br />

Mais uma vez, o conceito do possível se transformou<br />

sub-repticiamente no do impossível.<br />

Dessa tendência <strong>de</strong>riva a noção <strong>de</strong> existencialismo<br />

como "<strong>filosofia</strong> negativa", "<strong>filosofia</strong> da<br />

angústia" ou "do fracasso", o que não é <strong>de</strong> todo<br />

exato, pois refere-se a apenas uma das correntes<br />

existencialistas e, ainda assim, apenas a<br />

alguns <strong>de</strong> seus aspectos. Dessa noção comum<br />

<strong>de</strong>rivou o uso generalizado <strong>de</strong>sse termo não só<br />

para <strong>de</strong>signar certas correntes literárias e artísticas,<br />

mas também certos costumes, atitu<strong>de</strong>s e<br />

até modos <strong>de</strong> vestir. Esse uso generalizado,<br />

apesar <strong>de</strong> ser ainda mais impróprio do que a<br />

noção comum que lhe <strong>de</strong>u origem, po<strong>de</strong> ser<br />

explicado observando que, na maior parte dos<br />

casos, serve para chamar a atenção sobre os as-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!