22.06.2013 Views

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

AMOR 48 AMOR<br />

por princípio, se orientam para as qualida<strong>de</strong>s<br />

vitais, que chamamos <strong>de</strong> mais "nobres". Mas se<br />

o A. sexual domina a esfera vital, existem outras<br />

formas <strong>de</strong> A. correspon<strong>de</strong>ntes à esfera espiritual<br />

e à esfera religiosa; essas formas são varieda<strong>de</strong>s<br />

qualitativamente diferentes, qualida<strong>de</strong>s primordiais<br />

e irredutíveis umas às outras, que fazem<br />

pensar numa pré-formação, na estrutura psíquica<br />

do homem, das relações elementares que<br />

existem entre os homens (ibid.). Entre essas<br />

formas não está, porém, o A. à humanida<strong>de</strong>. A<br />

humanida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser amada como indivíduo único<br />

e absoluto somente por Deus; por isso, o<br />

chamado A. à humanida<strong>de</strong> é somente o A. ao<br />

homem médio <strong>de</strong> certa época, isto é, aos valores<br />

correntes nessa época, que interessam aos<br />

<strong>de</strong>fensores <strong>de</strong>ssa forma <strong>de</strong> amor. Esta, segundo<br />

Scheler, outra coisa não é senão ressentimento,<br />

ou seja, ódio pelos valores positivos<br />

implícitos em "terra natal", "povo", "pátria",<br />

"Deus", ódio que, substituindo esses portadores<br />

<strong>de</strong> valores especificamente superiores por<br />

humanida<strong>de</strong>, procura iludir-se e iludir os outros<br />

sobre o A. (ibid?).<br />

Na <strong>filosofia</strong> contemporânea, as análises <strong>de</strong><br />

Scheler são a primeira tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>svincular<br />

a noção <strong>de</strong> A. do i<strong>de</strong>al romântico da absoluta<br />

unida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>-se vislumbrar, todavia, a sugestão<br />

e a ação <strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>al em duas doutrinas<br />

contemporâneas, aparentemente heterogêneas:<br />

a doutrina do A. místico <strong>de</strong> Bergson e a doutrina<br />

do A. sexual <strong>de</strong> Sartre. Segundo Bergson, a<br />

fórmula do misticismo é esta: "Deus é A. e objeto<br />

<strong>de</strong> A." (Deux sources, III; trad. it. p. 275). Embora<br />

se possa duvidar da exatidão da primeira<br />

parte <strong>de</strong>ssa fórmula, porque dificilmente se po<strong>de</strong><br />

encontrar nos místicos a tese <strong>de</strong> que Deus ame<br />

o homem (o que Deus oferece ao homem que<br />

o ama é a salvação, a bem-aventurança e a<br />

participação na sua "glória"), o que Bergson<br />

preten<strong>de</strong> dizer é que o arrebatamento místico<br />

se realiza como uma unida<strong>de</strong> entre o homem e<br />

Deus. "Não há mais separação completa entre<br />

quem ama e quem é amado: Deus está presente<br />

e a alegria é sem limites" (ibid, p. 252). Por<br />

essa unida<strong>de</strong>, o A. do homem por Deus é o A.<br />

<strong>de</strong> Deus por todos os homens. "Através <strong>de</strong> Deus,<br />

com Deus, ele ama toda a humanida<strong>de</strong> com A.<br />

divino." Mas esse A. não é a fraternida<strong>de</strong> do<br />

i<strong>de</strong>al racional nem a intensificação <strong>de</strong> uma simpatia<br />

inata do homem pelo homem: é "o prosseguimento<br />

<strong>de</strong> um instinto" que está na raiz da<br />

sensibilida<strong>de</strong> e da razão, assim como <strong>de</strong> todas<br />

as outras coisas; e i<strong>de</strong>ntifica-se com o A. <strong>de</strong><br />

Deus por sua obra, A. que criou todas as coisas<br />

e é capaz <strong>de</strong> revelar, a quem saiba interrogálo,<br />

o mistério da criação. A esse A. cabe aperfeiçoar<br />

a criação da espécie humana (ibid., IV,<br />

pp. 356-57) e <strong>de</strong>volver ao universo a sua função<br />

essencial, que é a <strong>de</strong> ser "uma máquina<br />

<strong>de</strong>stinada a criar <strong>de</strong>uses". O caráter spinoziano,<br />

romântico e panteísta <strong>de</strong>ssas observações é muito<br />

evi<strong>de</strong>nte e patenteia a noção que pressupõem:<br />

a do A. como unida<strong>de</strong> que é i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

Se o "amor sagrado" <strong>de</strong> Bergson é <strong>de</strong> cunho<br />

romântico, não menos romântico é o "amor<br />

profano" <strong>de</strong> Sartre. O pressuposto da análise<br />

<strong>de</strong> Sartre é que o A. é a tentativa ou, mais exatamente,<br />

o projeto <strong>de</strong> realizar a unida<strong>de</strong> ou a<br />

assimilação entre o eu e o outro. Essa exigência<br />

<strong>de</strong> unida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> assimilação é, por parte<br />

do eu, a exigência <strong>de</strong> que ele seja para o outro<br />

uma totalida<strong>de</strong>, um mundo, um fim absoluto.<br />

O A. é, fundamentalmente, um querer ser amado;<br />

e querer ser amado significa "querer situarse<br />

além <strong>de</strong> todo o sistema <strong>de</strong> valores posto<br />

pelos outros, como condição <strong>de</strong> toda valorização<br />

e como fundamento objetivo <strong>de</strong> todos os<br />

valores" (L'être et le néant, p. 436). A vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ser amado é, assim, a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> valer para<br />

o outro como o próprio infinito. "O olhar do<br />

outro não me permeia mais <strong>de</strong> finitu<strong>de</strong>, não<br />

imobiliza mais o meu ser naquilo que sou simplesmente;<br />

não po<strong>de</strong>rei ser olhado como feio,<br />

como pequeno, como vil, porque estes caracteres<br />

representam necessariamente uma limitação<br />

<strong>de</strong> fato do meu ser e uma apreensão<br />

da minha finitu<strong>de</strong> enquanto finitu<strong>de</strong>" (ibid.,<br />

p. 437). Mas, para que o outro possa consi<strong>de</strong>rarme<br />

assim, é preciso que ele possa querer, isto<br />

é, que seja livre: por isso, a posse física, a posse<br />

do outro como coisa, é, no A., insuficiente e<br />

frustrante. É preciso que o outro seja livre para<br />

querer amar-me e para ver em mim o infinito.<br />

O que quer dizer: é preciso que se mantenha<br />

"como pura subjetivida<strong>de</strong>, como o absoluto pelo<br />

qual o mundo vem ao ser" (ibid., p. 455). Mas<br />

aí estão, precisamente, o conflito e o fracasso<br />

inevitáveis do A., pois, por um lado, o outro<br />

exige <strong>de</strong> mim a mesma coisa que eu exijo <strong>de</strong>le<br />

— ser amado e valer para mim como a totalida<strong>de</strong><br />

infinita do mundo — e, por outro, justamente<br />

por querer isso, por amar-me, "frustrame<br />

radicalmente com o seu próprio A.-, eu exigia<br />

que ele assumisse o meu ser como objeto privilegiado,<br />

mantendo-se como pura subjetivida<strong>de</strong><br />

em relação a mim, mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que me ama,<br />

em vez disso reconhece-me como sujeito e

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!