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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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DIREITO 279 DIREITO<br />

convenções sociais e no fundo é sempre concebido<br />

como justiça mais superior e verda<strong>de</strong>ira.<br />

Nessa concepção, acentua-se o caráter utilitário<br />

do D. natural, graças ao qual o D. natural não<br />

visará à realização <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m, mas à consecução<br />

<strong>de</strong> uma vantagem, tendo por isso caráter<br />

prático mais que especulativo. Portanto,<br />

nem sempre essa concepção tem o caráter antisocial<br />

<strong>de</strong> que se reveste em Antifontes e nos<br />

outros sofistas. Tampouco teria esse caráter naqueles<br />

que a retomaram alguns séculos <strong>de</strong>pois,<br />

epicuristas e céticos. Epicuro dizia que o D. natural<br />

é uma convenção excogitada pelos homens<br />

para seu próprio proveito, a fim <strong>de</strong> não<br />

se prejudicarem uns aos outros (DlÓG. L, X,<br />

150). Os céticos, com Carnéa<strong>de</strong>s, sustentavam<br />

que "os homens sancionaram o D. para seu<br />

próprio proveito, já que ele é mudado <strong>de</strong> acordo<br />

com os costumes e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma mesma<br />

socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> acordo com os tempos: logo,<br />

não existe D. natural algum; todos, sejam homens,<br />

sejam outros seres vivos, são guiados<br />

pelo proveito próprio, sob a direção da natureza;<br />

conseqüentemente, ou a justiça não existe<br />

em absoluto ou, se existe <strong>de</strong> algum modo, é o<br />

cúmulo da estultice, porque ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r as<br />

vantagens alheias estaria agindo em seu próprio<br />

prejuízo (LACTÂNCIO, Div. Inst., V, 16, 2-3;<br />

CÍCERO, De rep., III, 21). Nessas doutrinas a polêmica<br />

não se volta diretamente contra o D.<br />

natural, mas contra sua interpretação racionalista<br />

e otimista, segundo a qual ele é a garantia infalível<br />

<strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m perfeita.<br />

Mas era justamente essa garantia infalível<br />

que a outra corrente fundamental, que vai <strong>de</strong><br />

Platão e Aristóteles aos estóicos, aos juristas romanos<br />

e aos escritores medievais, via no D.<br />

natural. Na verda<strong>de</strong>, Platão <strong>de</strong>finiu o D. ao <strong>de</strong>finir<br />

a justiça como aquilo que possibilita que<br />

um grupo qualquer <strong>de</strong> homens, mesmo que<br />

bandidos ou ladrões, conviva e aja com vistas<br />

a um fim comum {Rep,, 351 c). Ao que parece,<br />

essa seria uma função puramente formal do D.,<br />

graças à qual ele é simplesmente a técnica da<br />

coexistência. Mas Aristóteles já qualifica o D.<br />

tomando como referência a coexistência justa,<br />

racionalmente perfeita. O D., diz ele, é "o que<br />

po<strong>de</strong> criar e conservar, no todo ou em parte, a<br />

felicida<strong>de</strong> da comunida<strong>de</strong> política" (Et. nic, V,<br />

1, 1129 b 11), <strong>de</strong>vendo-se recordar que a felicida<strong>de</strong>,<br />

como fim próprio do homem, é a realização<br />

ou a perfeição da ativida<strong>de</strong> própria do homem,<br />

ou seja, a razão Ubid, I, 6, 1098 a 3). "A<br />

sanção do D.", diz ele em Política (I, 2, 1254 a),<br />

"é a or<strong>de</strong>m da comunida<strong>de</strong> política, e a sanção<br />

do D. é a <strong>de</strong>terminação do que é justo". Mas<br />

um D. assim entendido é só o D. natural, que<br />

é o melhor e em toda parte o mesmo (Et. nic,<br />

V, 16, 1135 a 1). O D. fundado na convenção e<br />

na utilida<strong>de</strong> é análogo às unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> medida<br />

que variam <strong>de</strong> um lugar para outro; o D. natural,<br />

ao contrário, é '"aquilo que tem a mesma<br />

força em toda parte e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da diversida<strong>de</strong><br />

das opiniões" (Ibid., V, 6, 1135 a 17). Os<br />

estóicos só fizeram explicitar o fundamento <strong>de</strong>ssa<br />

doutrina, i<strong>de</strong>ntificando o D. natural com a justiça<br />

e a justiça com a razão Q. STOBKO, Ecl., II,<br />

184; PLUTARCO, De Stoic. Rep., 9); sua melhor<br />

expressão está num famoso trecho <strong>de</strong> Cícero<br />

conservado por Lactâncio: "Há certamente uma<br />

lei verda<strong>de</strong>ira, a reta razão conforme à natureza,<br />

difundida entre todos, constante, eterna, que,<br />

comandando, incita ao <strong>de</strong>ver e, proibindo,<br />

afasta da frau<strong>de</strong>... Nessa lei não é lícito fazer<br />

alterações, nem é lícito retirar <strong>de</strong>la qualquer<br />

coisa ou anulá-la como um todo... Ela não será<br />

diferente em Roma, em Atenas, hoje ou amanhã,<br />

mas, como lei única, eterna e imutável,<br />

governará todos os povos e em todos os tempos,<br />

e uma só divinda<strong>de</strong> será guia e chefe <strong>de</strong><br />

todos: a que encontrou, elaborou e sancionou<br />

essa lei; e quem não lhe obe<strong>de</strong>cer estará fugindo<br />

<strong>de</strong> si mesmo, e, por haver renegado a própria<br />

natureza humana, sofrerá as mais graves<br />

penas, mesmo que tenha conseguido escapar<br />

daquilo que em geral é consi<strong>de</strong>rado suplício"<br />

(LACTÂNCIO, Div. Inst., VI, 8, 6-9; CÍCERO, De rep.,<br />

III, 33). Esse conceito <strong>de</strong> D., entre outras coisas,<br />

induzia a reconhecer a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os<br />

homens visto que em todos eles, pela sua natureza<br />

racional, revela-se a lei eterna da razão.<br />

Em Cícero, encontra-se esse reconhecimento<br />

(De leg., I, 28) e também um dos corolários<br />

mais importantes da doutrina do D natural: o<br />

princípio e o fundamento <strong>de</strong> qualquer D. <strong>de</strong>vem<br />

ser procurados na lei natural dimanada<br />

antes que existisse qualquer Estado; portanto,<br />

se o povo ou o príncipe po<strong>de</strong>m fazer leis, estas<br />

não terão verda<strong>de</strong>iro caráter <strong>de</strong> D. se não <strong>de</strong>rivarem<br />

da lei primeira (Ibid., I, 19-20, 28, 42,<br />

45). Essas afirmações foram reiteradas por<br />

Sêneca, em que também se encontra a teoria<br />

do "Estado <strong>de</strong> natureza", que <strong>de</strong>veria dominar<br />

o pesnamento político por muitos séculos. Segundo<br />

essa teoria, antes das instituições criadas por<br />

convenção pela socieda<strong>de</strong>, existiu uma ida<strong>de</strong><br />

em que os homens viveram sem lei, unicamente<br />

à mercê da inocência da natureza original.

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