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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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CULTURA 226 CULTURA<br />

suas possibilida<strong>de</strong>s intelectuais, <strong>de</strong> fornecer-lhe<br />

as armas para a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>ssas verda<strong>de</strong>s contra<br />

as tentações da heresia e da <strong>de</strong>scrença. Assim,<br />

a <strong>filosofia</strong> acabou exercendo função eminente<br />

na C. medieval, mas bem diferente da que<br />

exercera no mundo grego: <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser o<br />

complexo <strong>de</strong> investigações autônomas que o<br />

homem organiza e disciplina com os instrumentos<br />

naturais <strong>de</strong> que dispõe (sentidos e inteligência)<br />

para ter valor subalterno e instrumental<br />

(Philosophia ancilla theologiae), para a compreensão,<br />

a <strong>de</strong>fesa e, sempre que possível, a<br />

<strong>de</strong>monstração da verda<strong>de</strong> religiosa. Só mais<br />

tar<strong>de</strong>, a partir do séc. XII, começou a reivindicar,<br />

ao lado <strong>de</strong>ssa função instrumental, um<br />

campo próprio e específico <strong>de</strong> investigação, se<br />

bem que, também este, submetido às regras da<br />

fé. Contudo permaneceram na Ida<strong>de</strong> Média<br />

o caráter aristocrático e o caráter contemplativo,<br />

típicos do i<strong>de</strong>al clássico: este último,<br />

aliás, acentuou-se e esten<strong>de</strong>u-se como preparação<br />

e prenuncio da contemplação beatífica da<br />

alma que se alçou à pátria celeste. O Renascimento,<br />

na tentativa <strong>de</strong> re<strong>de</strong>scobrir o significado<br />

genuíno do i<strong>de</strong>al clássico <strong>de</strong> C, quis restabelecer<br />

seu caráter naturalista: concebeu a<br />

C. como formação do homem em seu mundo,<br />

como a formação que permite ao homem viver<br />

da forma melhor e mais perfeita no mundo que<br />

é seu. A própria religião, segundo esse ponto<br />

<strong>de</strong> vista, é elemento integrante da C. não porque<br />

prepare para outra vida, mas porque ensina<br />

a viver bem nesta. O Renascimento, além<br />

disso, modificou o caráter contemplativo do<br />

i<strong>de</strong>al clássico, insistindo no caráter ativo da "sabedoria"<br />

humana. Pico <strong>de</strong>lia Mirandola e Carlos<br />

Bovillo insistiram no conceito <strong>de</strong> que é através<br />

da sabedoria que o homem chega à realização<br />

completa e torna-se um microcosmo no qual o<br />

próprio macrocosmo encontra a perfeição. "O<br />

sapiente", diz Bovillo {De sapiente, 8), "conquista-se,<br />

toma posse e continua na posse <strong>de</strong> si<br />

mesmo, ao passo que o insipiente permanece<br />

<strong>de</strong>vedor da natureza, oprimido pelo homem<br />

substancial [isto é, pelo homem que é simples<br />

coisa ou natureza] e jamais pertence a si mesmo."<br />

Desse ponto <strong>de</strong> vista, a vida ativa já não é<br />

estranha ao i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> C; com a vida ativa, o trabalho<br />

passa a fazer parte <strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>al, sendo,<br />

pois, resgatado <strong>de</strong> seu caráter puramente utilitário<br />

e servil. O Renascimento, contudo, manteve<br />

o caráter aristocrático da C: ela é "sapiência"<br />

e, como tal, reservada a poucos.- o sapiente<br />

<strong>de</strong>staca-se do restante da humanida<strong>de</strong>, tem seu<br />

próprio status metafísico e moral, diferente dos<br />

outros homens.<br />

A primeira tentativa <strong>de</strong> eliminar o caráter<br />

aristocrático da C. coube ao Iluminismo. Este<br />

teve dois aspectos essenciais: em primeiro lugar,<br />

procurou esten<strong>de</strong>r a crítica racional a todos<br />

os objetos possíveis <strong>de</strong> investigação e consi<strong>de</strong>rou,<br />

portanto, como erro ou preconceito tudo o<br />

que não passasse pelo crivo <strong>de</strong>ssa crítica. Em<br />

segundo lugar, propôs-se a difusão máxima da<br />

C, que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada patrimônio<br />

dos doutos para ser instrumento <strong>de</strong> renovação<br />

da vida social e individual. A Enciclopédia francesa<br />

foi a maior expressão <strong>de</strong>ssa segunda tendência,<br />

mas foi somente um dos meios pelos<br />

quais o Iluminismo procurou difundir a C. entre<br />

todos os homens e torná-la universal. Esse<br />

i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong> da C. permaneceu, caracterizando,<br />

até nossos dias, um aspecto<br />

essencial da C, não obstante a po<strong>de</strong>rosa influência<br />

do Romantismo; este, por seu caráter<br />

reacionário e antiliberal, procurou <strong>de</strong> várias formas<br />

retornar ao conceito aristocrático <strong>de</strong> cultura.<br />

Entretanto, domínio da C. alargava-se:<br />

as novas disciplinas científicas que se formavam<br />

e adquiriam autonomia mostravam-se ipso<br />

fado como novos elementos constitutivos do<br />

i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> cultura, elementos indispensáveis para<br />

a formação <strong>de</strong> uma vida humana equilibrada e<br />

rica. "Ser culto" já não significava dominar apenas<br />

as artes liberais da tradição clássica, mas<br />

conhecer em certa medida a matemática, a física,<br />

as ciências naturais, além das disciplinas<br />

históricas e filológicas que haviam formado.<br />

O conceito <strong>de</strong> C. começou então a significar<br />

"enciclopedismo", isto é, conhecimento geral<br />

e sumário <strong>de</strong> todos os domínios do saber.<br />

A partir do início <strong>de</strong>ste século percebeuse<br />

a insuficiência <strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>al enciclopedista,<br />

que, no entanto, era fruto da multiplicação e da<br />

especifiçâo dos campos <strong>de</strong> pesquisa e <strong>de</strong><br />

suas respectivas disciplinas. Em 1908, Croce<br />

lamentava que nos cinqüenta anos anteriores<br />

houvesse prevalecido "o tipo do homem que<br />

tem não poucos conhecimentos, mas não tem o<br />

conhecimento, que fica limitado a pequeno círculo<br />

<strong>de</strong> fatos ou se per<strong>de</strong> em meio a fatos dos<br />

mais variados tipos, e que, assim limitado ou<br />

perdido, continua privado <strong>de</strong> uma diretriz ou,<br />

como se diz, <strong>de</strong> uma fé". Croce porém, achava<br />

que esse mal não era <strong>de</strong>vido à especificação<br />

das disciplinas, mas ao predomínio do positivismo,<br />

que privilegiara a C. "naturalista e matemática".<br />

E propunha como solução uma C. que

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