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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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DEUS 254 DEUS<br />

(De docta ignor, I, 22). Às vezes essa característica<br />

é tomada como ponto <strong>de</strong> partida da prova<br />

ontológica, como faz Descartes, para quem<br />

"a existência necessária está contida na natureza<br />

ou no conceito <strong>de</strong> D., <strong>de</strong> tal modo que é<br />

verda<strong>de</strong> dizer que a existência necessária está<br />

em D. ou que D. existe" (Secon<strong>de</strong>s Réponses,<br />

prop. I, Démonstration). Outras vezes nega-se<br />

a legitimida<strong>de</strong> cie semelhante prova, mas assume-se<br />

igualmente a necessida<strong>de</strong> como <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong> D.; é o que faz p. ex. Leibniz. "É preciso",<br />

diz ele, "procurar a razão da existência do<br />

mundo, que é a totalida<strong>de</strong> das coisas contingentes,<br />

e é preciso procurá-la na substância<br />

que traz consigo a razão <strong>de</strong> sua existência e<br />

que é, portanto, necessária e eterna" ( Tbéod., I,<br />

§ 7). Portanto, substância necessária, para<br />

Leibniz, é D. (Monad., 38). Nesse aspecto, são<br />

poucas as novida<strong>de</strong>s apresentadas pelas concepções<br />

<strong>de</strong> D. como causa criadora na <strong>filosofia</strong><br />

mo<strong>de</strong>rna e contemporânea. Limitam-se a repetir<br />

as características tradicionais, a começar da<br />

necessida<strong>de</strong>, que na maioria das vezes é assumida<br />

como ponto <strong>de</strong> partida para uma <strong>de</strong>monstração<br />

ontológica. É o que fazem, p. ex.<br />

Lotze (Microkosmus, III, p. 457) e, na sua esteira,<br />

muitos representantes do espiritualismo<br />

contemporâneo. A única exceção a essa tendência<br />

é constituída por Kierkegaard e por todos<br />

os que se inspiram diretamente em sua<br />

concepção <strong>de</strong> D. Segundo Kierkegaard, a relação<br />

entre D. e o mundo é incompreensível e só<br />

po<strong>de</strong> ser esclarecida negativamente com a noção<br />

<strong>de</strong> diferença absoluta, <strong>de</strong> "salto" entre o<br />

mundo e D. (Diário, VIII, A, 414). Portanto,<br />

Kierkegaard não utiliza a noção <strong>de</strong> causa para<br />

<strong>de</strong>terminar a relação entre o mundo e D., evitando<br />

atribuir a D. a categoria <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>.<br />

D. é "aquele para o qual tudo é possível" (Die<br />

Krankheit zum To<strong>de</strong>, I, c; trad. it., Fabro, p.<br />

247); essa <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> D. torna a fé possível<br />

por ser o fundamento da confiança naquele<br />

que po<strong>de</strong> sempre encontrar uma possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> salvação para o homem mas exclui a<br />

certeza fundada na necessida<strong>de</strong> da natureza<br />

divina. É óbvio que, <strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> vista, a<br />

própria qualificação <strong>de</strong> D. como criador do<br />

mundo torna-se imcompreensível, sendo indiferente<br />

afirmá-la ou negá-la. O mesmo vale para<br />

a doutrina contemporânea que, nesse aspecto,<br />

mais se aproxima da inspiração <strong>de</strong> Kierkegaard:<br />

a <strong>de</strong> Jaspers. Qualificar a transcendência<br />

do ser com os atributos tradicionalmente dados<br />

a D. ou como D. mesmo é, segundo Jaspers,<br />

anular a distância entre a transcendência e o<br />

homem, ou seja, anular a transcendência como<br />

tal. A única cifra ou sinal da transcendência é o !<br />

fracasso que o homem sofre quando tenta |<br />

alcançar a transcendência. Esse fracasso é o j<br />

único e autêntico sinal da transcendência, i<br />

que é negada por todas as tentativas <strong>de</strong> j<br />

torná-la próxima e acessível, pensando-a j<br />

com os termos tradicionais da divinda<strong>de</strong> (PM., i<br />

III, 3, pp. 166 ss.). |<br />

2. DEUS E O MUNDO MORAL. j<br />

A relação entre D. e o mundo moral (ou I<br />

mundo dos valores) é o segundo aspecto <strong>de</strong> I<br />

distinção das várias concepções <strong>de</strong> D. Sob esse !<br />

aspecto é possível isolar, em primeiro lugar, as ;<br />

doutrinas que não atribuem a D. nenhuma fun- '<br />

ção <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m moral. Essas doutrinas, porém, j<br />

são raríssimas, pois constituem formas <strong>de</strong> um [<br />

quase-ateísmo; po<strong>de</strong>-se mencionar Voltaire. Pa- \<br />

radoxalmente, Voltaire disse que a divinda<strong>de</strong> se j<br />

<strong>de</strong>sinteressa completamente pela conduta dos \<br />

homens. Azar dos cor<strong>de</strong>iros que se <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong>- ><br />

vorar pelos lobos. "Mas se um cor<strong>de</strong>iro fosse di- •<br />

zer a um lobo-. 'Faltas ao bem moral, D. te punirá',<br />

o lobo respon<strong>de</strong>ria: 'Faço o meu bem físico i<br />

e parece que D. não está muito preocupado em i<br />

saber se te como ou não'" (Traité <strong>de</strong> mét., 9). ;<br />

Contudo, esse ponto <strong>de</strong> vista, que é comparti- \<br />

lhado por outros iluministas, aparece raramente i<br />

na história da <strong>filosofia</strong>, em que a relação entre •<br />

D. e a or<strong>de</strong>m moral ten<strong>de</strong> a tomar como mo<strong>de</strong>- :<br />

Io a relação entre D. e o mundo físico. Nesse ;<br />

aspecto, po<strong>de</strong>m ser distinguidas três concepções<br />

fundamentais: a) a que consi<strong>de</strong>ra D. como \<br />

garante da or<strong>de</strong>m moral do mundo; b) a que o ;<br />

i<strong>de</strong>ntifica com a or<strong>de</strong>m moral; c) a que o consi<strong>de</strong>ra<br />

criador da or<strong>de</strong>m moral.<br />

a) Deus como garante da or<strong>de</strong>m moral. j<br />

Por essa concepção, a or<strong>de</strong>m moral, do mes- !<br />

mo modo que a or<strong>de</strong>m substancial do mundo,<br />

é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> D.; mas D. concorre <strong>de</strong><br />

modo mais ou menos eficaz para mantê-la ou<br />

para realizá-la, acrescentando-lhe sua garantia.<br />

É essa a concepção <strong>de</strong> Platão e Aristóteles, segundo<br />

os quais D., apesar <strong>de</strong> criador da or<strong>de</strong>m<br />

natural, não tem nenhuma responsabilida<strong>de</strong><br />

sobre a or<strong>de</strong>m moral que é confiada aos homens,<br />

limitando-se a apoiá-la e a encorajá-la<br />

com sanções próprias. No mito <strong>de</strong> Er, Platão<br />

atribui à parca Láquesis as seguintes palavras,<br />

dirigidas às almas que estão prestes a escolher<br />

um novo ciclo <strong>de</strong> vida: "A virtu<strong>de</strong> não tolera senhores;<br />

cada um participará <strong>de</strong>la mais ou menos,<br />

conforme a honre mais ou menos. Cada

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