22.06.2013 Views

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

ACASO 12 ACASO<br />

fortuitos e muito menos do acaso como princípio<br />

ou categoria <strong>de</strong> tais eventos; <strong>de</strong>ve ver neles<br />

a ação necessária da causa reconhecida em ato<br />

no universo, negando como ilusão ou erro o<br />

seu caráter casual. É esse o motivo por que<br />

Kant, que mo<strong>de</strong>la as suas categorias e os seus<br />

princípios a priori sobre a física newtoniana,<br />

inteiramente fundada no princípio <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>,<br />

nega a existência do A., e faz, aliás, <strong>de</strong>ssa<br />

negação um dos princípios a priori do intelecto:<br />

"A proposição 'nada ocorre por A. (in mundo<br />

non datur casus)' é uma lei a priori da natureza"<br />

(Crít. R. Pura, Analítica dos princípios,<br />

Refutação do i<strong>de</strong>alismo). Hegel, que parte do<br />

princípio da perfeita racionalida<strong>de</strong> do real, atribui<br />

o A. à natureza, ou melhor, vê na natureza<br />

"uma aci<strong>de</strong>ntalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sregulada e <strong>de</strong>senfreada"<br />

(Ene, § 248), mas na medida em que a natureza<br />

não está a<strong>de</strong>quada à substância racional<br />

do real e, por isso, carece ela própria <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>.<br />

De modo análogo, na <strong>filosofia</strong> contemporânea,<br />

Bergson explicou o A. pela troca, meramente<br />

subjetiva, entre a or<strong>de</strong>m mecânica e a<br />

or<strong>de</strong>m vital ou espiritual: "Que a mecânica das<br />

causas que fazem a roleta parar sobre o número<br />

me permita vencer e, por isso, aja como um<br />

gênio benéfico para quem os meus interesses<br />

tivessem gran<strong>de</strong> importância; ou que a força<br />

mecânica do vento arranque uma telha do teto<br />

e a arroje sobre a minha cabeça, isto é, que aja<br />

como um gênio maléfico que conspirasse contra<br />

a minha pessoa; em ambos os A. eu encontro<br />

um mecanismo on<strong>de</strong> eu teria procurado e<br />

on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria encontrar, ao que parece, uma intenção:<br />

é isso que se exprime quando se fala<br />

<strong>de</strong> A." (Évol. créatr, 8 a ed., 1911, p. 254).<br />

2 e Por outro lado, seguncio a interpretação<br />

objetivista, o A. não é um fenômeno subjetivo,<br />

mas objetivo, e consiste no entrecruzar-se <strong>de</strong><br />

duas ou mais or<strong>de</strong>ns ou séries diversas <strong>de</strong> causas.<br />

A mais antiga das interpretações <strong>de</strong>sse tipo<br />

é a <strong>de</strong> Aristóteles. Aristóteles começa notando<br />

que o A. não se verifica nem nas coisas que<br />

acontecem sempre do mesmo modo, nem nas<br />

que acontecem quase sempre do mesmo<br />

modo, mas entre as que ocorrem por exceção<br />

e sem qualquer uniformida<strong>de</strong> (Fís., II, 5, 196 b<br />

10 ss.). Desse modo, ele atribui corretamente o<br />

A. à esfera do imprevisível, isto é, do que acontece<br />

fora do necessário ("o que acontece sempre<br />

do mesmo modo") e do uniforme ("o que<br />

acontece quase sempre do mesmo modo"). Assim<br />

sendo, o A. (ou a sorte) é <strong>de</strong>finido por<br />

Aristóteles como "uma causa aci<strong>de</strong>ntal no âm-<br />

bito das coisas que não acontecem nem <strong>de</strong><br />

modo absolutamente uniforme nem freqüente<br />

e que po<strong>de</strong>riam acontecer com vistas a uma finalida<strong>de</strong>"<br />

(ibíd., 197 a 32). Para Aristóteles, a<br />

<strong>de</strong>terminação da finalida<strong>de</strong> é essencial, já que<br />

o A. tem ao menos o aspecto ou a aparência da<br />

finalida<strong>de</strong>: como no exemplo <strong>de</strong> quem vai ao<br />

mercado por motivo completamente diferente<br />

e ali encontra um <strong>de</strong>vedor que lhe restitui a<br />

soma <strong>de</strong>vida. Nesse exemplo chama-se A. (ou<br />

sorte) o evento da restituição <strong>de</strong>vido ao encontro<br />

que não foi <strong>de</strong>liberado ou <strong>de</strong>sejado como<br />

finalida<strong>de</strong>, mas que teria podido ser uma finalida<strong>de</strong>:<br />

enquanto, na realida<strong>de</strong>, foi o efeito aci<strong>de</strong>ntal<br />

<strong>de</strong> causas que agiam com vistas a outras<br />

finalida<strong>de</strong>s. A noção <strong>de</strong> encontro, <strong>de</strong> enredamento<br />

<strong>de</strong> séries causais para a explicação do<br />

A., foi retomada na Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna por filósofos,<br />

matemáticos e economistas, que reconheceram<br />

a importância da noção <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong><br />

(v.) para a interpretação da realida<strong>de</strong> em<br />

geral. Assim, Cournot <strong>de</strong>finiu o A. como o caráter<br />

<strong>de</strong> um acontecimento "<strong>de</strong>vido à combinação<br />

ou ao encontro <strong>de</strong> fenômenos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

na or<strong>de</strong>m da causalida<strong>de</strong>" (Théorie <strong>de</strong>s<br />

chances et <strong>de</strong>sprobabilités, 1843, cap. II), noção<br />

que se tornou predominante no positivismo,<br />

também porque foi aceita por Stuart Mill<br />

(Logic, III, 17, § 2): "Um evento que aconteça<br />

por A. po<strong>de</strong> ser mais bem <strong>de</strong>scrito como uma<br />

coincidência da qual não temos motivo para inferir<br />

uniformida<strong>de</strong>... Po<strong>de</strong>mos dizer que dois<br />

ou mais fenômenos são reunidos ao A. ou que<br />

coexistem ou se suce<strong>de</strong>m por A., no sentido<br />

<strong>de</strong> não serem, <strong>de</strong> modo algum, vinculados pela<br />

causaçâo; que não são nem a causa ou o efeito<br />

um do outro, nem efeitos da mesma causa ou<br />

<strong>de</strong> causas entre as quais subsista uma lei <strong>de</strong><br />

coincidência, nem efeitos da mesma colocação<br />

<strong>de</strong> causas primárias". De modo semelhante,<br />

Ardigò (Opere, III, p. 122) relaciona o A. com a<br />

pluralida<strong>de</strong> e o entrelaçamento <strong>de</strong> séries causais<br />

distintas. Essa noção, todavia, é objetiva só<br />

entre certos limites, ou melhor, só na aparência.<br />

Dizer que o A. consiste no encontro <strong>de</strong><br />

duas séries causais diferentes significa que ele<br />

é um acontecimento causalmente <strong>de</strong>terminado<br />

como todos os outros, mas só mais difícil <strong>de</strong><br />

ser previsto porque a sua ocorrência não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

do curso <strong>de</strong> uma série causai única. Segundo<br />

essa noção, a <strong>de</strong>terminação causai do A.<br />

é mais complexa, mas não menos necessitante;<br />

a imprevisibilida<strong>de</strong>, característica fundamental<br />

do A., <strong>de</strong>ve-se tão-somente a tal complexida<strong>de</strong>

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!