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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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DIREITO 287 DIREITO<br />

manifestação. De fato, é <strong>de</strong> se observar que a<br />

ênfase ou mesmo a exaltação do caráter "ético",<br />

"racional", "provi<strong>de</strong>ncial" ou <strong>de</strong> qualquer<br />

forma necessário e necessitante do D. positivo<br />

têm como conseqüência simetricamente oposta<br />

a atribuição <strong>de</strong> caracteres idênticos ao D. natural.<br />

Se esses caracteres são atribuídos ao D.<br />

natural, reconhece-se ao mesmo tempo e com<br />

base nisso a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discutir, avaliar e<br />

julgar o D. positivo, reconhecendo-se, portanto,<br />

implícita ou explicitamente, a possibilida<strong>de</strong><br />

e a autonomia <strong>de</strong>sse juízo. Mas quando esses<br />

caracteres são atribuídos apenas ao D. positivo,<br />

nega-se qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discutir,<br />

avaliar e julgar tal D., negando-se portanto a<br />

autonomia e a própria possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer<br />

juízo e até mesmo da mais inócua discussão<br />

sobre o D. É essa negação que muitas vezes<br />

as teorias <strong>de</strong>sse gênero preten<strong>de</strong>m garantir<br />

e justificar.<br />

4. DIREITO COMO TÉCNICA SOCIAL.<br />

A concepção <strong>de</strong> D. como força nega o D.<br />

natural por negar qualquer <strong>de</strong>ver-ser, e nega<br />

qualquer <strong>de</strong>ver-ser por consi<strong>de</strong>rar o D. apenas<br />

como força necessariamente realizadora. Não<br />

prescin<strong>de</strong> <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> valor e, particularmente,<br />

da idéia <strong>de</strong> justiça, ou seja, <strong>de</strong> um<br />

tipo <strong>de</strong> coexistência perfeita entre os homens,<br />

mas consi<strong>de</strong>ra o valor ou a justiça já <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

sempre realizados: como dizia Hegel, a razão<br />

não é tão impotente que não possa realizarse<br />

no mundo. As correntes formalistas da<br />

mo<strong>de</strong>rna <strong>filosofia</strong> do D. ten<strong>de</strong>m, ao contrário,<br />

a prescindir <strong>de</strong> qualquer i<strong>de</strong>al valorativo,<br />

ou seja, da própria noção <strong>de</strong> justiça, que é<br />

entregue à esfera política e moral, mas consi<strong>de</strong>rada<br />

estranha à do D. O D. natural, como<br />

<strong>de</strong>lineamento normativo <strong>de</strong> condições perfeitas,<br />

<strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> vista é mera ficção: o<br />

único D. <strong>de</strong> que se po<strong>de</strong> legitimamente falar,<br />

que po<strong>de</strong> ser objeto <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração científica,<br />

e não <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos ou <strong>de</strong> aspirações<br />

i<strong>de</strong>alizadoras, é o D. positivo. Mas o D. positivo<br />

nada tem <strong>de</strong> perfeito ou <strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>nte,<br />

não inclui nenhum valor último e absoluto.<br />

É simplesmente um instrumento para<br />

alcançar certos fins; e, como todo instrumento,<br />

po<strong>de</strong> ser julgado em termos da eficiência,<br />

da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir uma or<strong>de</strong>nação<br />

(qualquer) da socieda<strong>de</strong> humana. Sob esse<br />

aspecto, o D. <strong>de</strong>ve ser reconhecido como um<br />

<strong>de</strong>ver-ser, como uma regulamentação do<br />

comportamento humano, com a qual esse comportamento<br />

po<strong>de</strong> até não se ajustar.<br />

Nessa concepção, confluem vários elementos<br />

historicamente reconhecíveis: a velha idéia<br />

do D. como utilida<strong>de</strong>, que sofistas, epicuristas<br />

e céticos já haviam <strong>de</strong>fendido na Antigüida<strong>de</strong> e<br />

que no mundo mo<strong>de</strong>rno foi retomada por<br />

Hobbes e Hume; e, em especial, a idéia central<br />

do jusnaturalismo mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> que o D. é a racionalida<strong>de</strong><br />

das relações humanas (pacíficas ou<br />

não) e que, portanto, em sua esfera inclui-se<br />

qualquer regulamentação racional <strong>de</strong> tais relações.<br />

Este último também é o conceito <strong>de</strong> D.<br />

aceito pela teoria formal, se bem que a polêmica<br />

tradicional <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m i<strong>de</strong>al e perfeita da comunida<strong>de</strong><br />

até agora impediu que essa teoria se<br />

i<strong>de</strong>ntificasse em seu prece<strong>de</strong>nte histórico mais<br />

ilustre e significativo. Não há dúvida <strong>de</strong> que a<br />

idéia <strong>de</strong> D. como técnica ou instrumento para<br />

possibilitar as relações humanas, tanto na paz<br />

quanto na guerra — idéia exprimível na forma<br />

<strong>de</strong> imperativos hipotéticos ou <strong>de</strong> proposições<br />

condicionais do tipo se... então—, é comum ao<br />

jusnaturalismo clássico <strong>de</strong> Grócio, Hobbes,<br />

Pufendorf e a outros <strong>de</strong>fensores hodiernos da<br />

"teoria geral do D."<br />

Po<strong>de</strong>-se ver um prece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ssa teoria na<br />

doutrina <strong>de</strong> John Austin que <strong>de</strong>finiu o D. como<br />

"regra formulada para que um ser inteligente<br />

guie outro ser inteligente e tenha po<strong>de</strong>r sobre<br />

ele' 1 . D. seria, portanto, mando: expressão da<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> um indivíduo, injuntiva para o indivíduo<br />

a quem é dirigida, no sentido <strong>de</strong> obrigálo<br />

a fazer o que o mandante requer (Lectures<br />

onJurispru<strong>de</strong>nce, 1861, 5- ed., 1885, I, pp. 88<br />

ss.J. As características fundamentais da doutrina<br />

<strong>de</strong> Austin são duas: I a redução do D. a uma<br />

norma injuntiva, enquanto mando; 2 a caráter<br />

racional, ou pelo menos razoável, <strong>de</strong>sse comando,<br />

visto emanar <strong>de</strong> um ser inteligente e<br />

dirigir-se a outro ser inteligente. Essas características<br />

também se encontram em doutrinas<br />

aparentemente diferentes da <strong>de</strong> Austin,<br />

como p. ex. na doutrina sociológica <strong>de</strong> Eugen<br />

Ehrlich, para quem "o D. é uma organização,<br />

vale dizer uma norma que atribui a cada membro<br />

da associação sua posição na comunida<strong>de</strong>,<br />

seja ela <strong>de</strong> preeminência ou <strong>de</strong> sujeição, bem<br />

como seus <strong>de</strong>veres" (Grundlegung <strong>de</strong>r Soziologie<br />

<strong>de</strong>sRechts, 1913, p. 18). Nessa doutrina, o<br />

conceito <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação prevalece sobre o <strong>de</strong><br />

mando, mas a or<strong>de</strong>nação, assim como o mando<br />

<strong>de</strong> Austin, é uma norma apta a realizar certa<br />

forma <strong>de</strong> convivência. Kelsen, hoje o maior<br />

<strong>de</strong>fensor e representante da teoria formal do<br />

direito, remete-se a esses pre<strong>de</strong>cessores. Dis-

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