22.06.2013 Views

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

CONTRATUAUSMO 206 CONTRATUALISMO<br />

com o jusnaturalismo, transforma-se em po<strong>de</strong>roso<br />

instrumento <strong>de</strong> luta pela reivindicação dos<br />

direitos humanos. As Vindiciae contra tyrannos,<br />

publicadas pelos calvinistas em 1579, em<br />

Genebra, retomam a doutrina do contrato para<br />

reivindicar o direito do povo a rebelar-se contra<br />

o rei sempre que ele <strong>de</strong>scurar dos compromissos<br />

do contrato original. No mesmo espírito,<br />

João Altúsio generalizou a doutrina do<br />

contrato, utilizando-a para explicar todas as formas<br />

<strong>de</strong> associação humana. O contrato não é<br />

só contrato <strong>de</strong> governo que rege as relações<br />

entre o governante e seu povo, mas é também<br />

contrato social no sentido mais amplo, como<br />

acordo tácito que fundamenta toda comunida<strong>de</strong><br />

(consociatio) e que leva os indivíduos a<br />

conviver, isto é, a participar dos bens, dos serviços<br />

e das leis vigentes na comunida<strong>de</strong><br />

(Política methodice digesta, 1603). Hobbes e<br />

Spinoza puseram a doutrina do contrato a serviço<br />

da <strong>de</strong>fesa do po<strong>de</strong>r absoluto. Assim<br />

Hobbes enunciava a fórmula básica do contrato:<br />

"Transmito meu direito <strong>de</strong> governar-me a<br />

este homem ou a esta assembléia, contanto<br />

que tu cedas o teu direito da mesma maneira"<br />

(Leviath., II, 17). Essa, diz Hobbes, é "a origem<br />

do gran<strong>de</strong> Leviatã ou, com mais respeito, do<br />

Deus mortal a quem, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Deus imortal,<br />

<strong>de</strong>vemos nossa paz e <strong>de</strong>fesa, pois por essa<br />

autorida<strong>de</strong> conferida pelos indivíduos que o<br />

compõem, o Estado tem tanta força e po<strong>de</strong>r<br />

que po<strong>de</strong> disciplinar à vonta<strong>de</strong> todos para a<br />

conquista da paz interna e para a ajuda mútua<br />

contra os inimigos externos" (Ibid., II, 17). Por<br />

sua vez, Spinoza julga que o direito do Estado<br />

constituído pelo consenso comum só é limitado<br />

por sua força, que é o "po<strong>de</strong>r da multidão"<br />

(Tractatus politicus, 2, 17).<br />

Mais freqüentemente, porém, o C. é empregado<br />

para <strong>de</strong>monstrar a tese <strong>de</strong> que o po<strong>de</strong>r<br />

político é necessariamente limitado. Nesse<br />

sentido foi entendido por Grócio, Pufendorf<br />

e especialmente por Locke, que o usou para<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a revolução liberal inglesa <strong>de</strong> 1688.<br />

Dizia Pufendorf: "Se consi<strong>de</strong>ramos uma multidão<br />

<strong>de</strong> indivíduos que gozam <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> natural, e querem proce<strong>de</strong>r à instituição<br />

<strong>de</strong> um Estado, é preciso antes <strong>de</strong> mais<br />

nada que esses futuros cidadãos façam um pacto<br />

no qual manifestem a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> unir-se em<br />

associação perpétua e <strong>de</strong> prover, com <strong>de</strong>liberações<br />

e or<strong>de</strong>ns comuns, sua própria salvação e<br />

segurança. Esse pacto po<strong>de</strong> ser simples ou condicionado:<br />

tem-se o primeiro quando alguém<br />

se obriga a participar da associação, seja qual<br />

for a forma <strong>de</strong> governo aprovada pela maioria;<br />

o segundo, quando se acrescenta a condição<br />

<strong>de</strong> que a forma <strong>de</strong> governo será aprovada por<br />

ele mesmo" (De iure naturae, 1672, VII, 2, 6).<br />

Por sua vez, Locke fala do contrato como acordo<br />

entre os homens para "unirem-se numa socieda<strong>de</strong><br />

política"; por isso, <strong>de</strong>fine-o como "o<br />

pacto que existe e <strong>de</strong>ve necessariamente existir<br />

entre indivíduos que se associam ou fundam<br />

um Estado" (Two Treatíses of Government,<br />

1960, II, § 99). Criticado por Hume, o C. encontrou<br />

em Rousseau uma interpretação que,<br />

substancialmente, eqüivaleu a sua negação. De<br />

fato, o C. pressupõe que os indivíduos como<br />

tais tenham "direitos naturais" a que renunciam,<br />

para adquirir outros, com o contrato social.<br />

Rousseau consi<strong>de</strong>ra que os indivíduos<br />

como tais são absolutamente <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong><br />

direitos e que só os têm como cidadãos <strong>de</strong> um<br />

Estado. Os homens, diz Rousseau, tornam-se<br />

iguais "por convenção e direito legal"; por isso,<br />

"o direito <strong>de</strong> cada indivíduo ao seu estado particular<br />

está sempre subordinado ao direito supremo<br />

da comunida<strong>de</strong>" (Contrato social, 1762,1,<br />

9)- Para Rousseau, o contrato originário afigurava-se<br />

mais como um meio <strong>de</strong> "legitimar" o vínculo<br />

social do que como realida<strong>de</strong> (Ibid., I, 1);<br />

a mesma coisa foi nitidamente afirmada por<br />

Kant: "O ato pelo qual o próprio povo se constituí<br />

em Estado, ou melhor, a simples idéia <strong>de</strong>sse<br />

ato, que por si só permite conceber sua legitimida<strong>de</strong>,<br />

é o contrato originário segundo o<br />

qual todos (omnes et singuli) no povo renunciam<br />

à liberda<strong>de</strong> externa para retomá-la<br />

imediatamente como membros <strong>de</strong> um corpo<br />

comum" (Met. <strong>de</strong>r Sitten, I, § 47). Hoje, dificilmente<br />

a idéia fundamental <strong>de</strong> C, na forma<br />

elaborada pelos escritores do séc. XVIII, po<strong>de</strong><br />

ser consi<strong>de</strong>rada um instrumento válido para<br />

compreen<strong>de</strong>r o fundamento do Estado e, em<br />

geral, da comunida<strong>de</strong> civil. Contudo, entre os<br />

séculos XVI e XVII, a idéia contratualista teve<br />

notável força libertadora em relação aos costumes<br />

e tradições políticas. Hoje, com o uso que<br />

as ciências e a <strong>filosofia</strong> fazem <strong>de</strong> conceitos<br />

como convenção, acordo, compromisso, a noção<br />

<strong>de</strong> contrato talvez pu<strong>de</strong>sse ser retomada<br />

para a análise da estrutura das comunida<strong>de</strong>s<br />

humanas, com base na noção da reciprocida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> compromissos e do caráter condicional<br />

dos acordos dos quais se originam direitos e<br />

<strong>de</strong>veres.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!