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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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AMOR 49 AMOR<br />

mergulha na sua objetivida<strong>de</strong> diante da minha<br />

subjetivida<strong>de</strong>" (ibid., p. 444). Em outros termos,<br />

cada um, no A., quer ser para o outro o<br />

objeto absoluto, o mundo, a totalida<strong>de</strong> infinita,<br />

mas para isso é necessário que o outro permaneça<br />

subjetivida<strong>de</strong> livre e igualmente absoluta.<br />

Mas, como ambos querem exatamente a mesma<br />

coisa, o único resultado do A. é um conflito<br />

necessário e um fracasso inevitável. Há, todavia,<br />

outro caminho para realizar a assimilação<br />

<strong>de</strong> um ser com o outro, que é exatamente o<br />

contrário do que foi <strong>de</strong>scrito: em vez <strong>de</strong> projetar<br />

absorver o outro conservando-lhe a alterida<strong>de</strong>,<br />

posso projetar fazer-me absorver pelo<br />

outro e per<strong>de</strong>r-me na sua subjetivida<strong>de</strong> para<br />

<strong>de</strong>sembaraçar-me da minha. Nesse caso, em<br />

vez <strong>de</strong> procurar existir para o outro como objeto-limite,<br />

como mundo ou totalida<strong>de</strong> infinita,<br />

procurarei fazer-me tratar como um objeto entre<br />

os outros, como um instrumento a ser utilizado,<br />

em uma palavra, como uma coisa. Terse-á,<br />

então, a atitu<strong>de</strong> masoquista. Mas o próprio<br />

masoquismo é e <strong>de</strong>ve ser um fracasso, pois,<br />

por mais que se queira, nunca se virá a ser um<br />

simples instrumento inanimado, uma coisa<br />

humil<strong>de</strong>, ridícula ou obscena; será necessário,<br />

precisamente, querer isso, isto é, valer, para<br />

essa finalida<strong>de</strong>, como subjetivida<strong>de</strong> livre {ibid.,<br />

pp. 346-347). Não há, portanto, salvação no A.:<br />

o conflito e o fracasso são-lhe intrinsecamente<br />

necessários. Por outro lado, Sartre vê conflito<br />

análogo também no simples <strong>de</strong>sejo sexual, cujo<br />

"i<strong>de</strong>al impossível" assim <strong>de</strong>fine: "Possuir a<br />

transcendência do outro como pura transcendência<br />

e no entanto como corpo-, reduzir o<br />

outro à sua simples facticida<strong>de</strong>, pois ele ainda<br />

está no meio do meu mundo, mas fazer que<br />

essa facticida<strong>de</strong> seja uma representação perpétua<br />

da sua transcendência nadificante" (ibid.,<br />

pp. 463-464). E, como o A. po<strong>de</strong> ten<strong>de</strong>r para o<br />

masoquismo como solução ilusória do seu conflito,<br />

assim também o <strong>de</strong>sejo sexual ten<strong>de</strong> para<br />

o sadismo, isto é, para a não-reciprocida<strong>de</strong> das<br />

relações sexuais, para o gozo <strong>de</strong> ser "potência<br />

possessiva e livre em face <strong>de</strong> uma liberda<strong>de</strong><br />

aprisionada pela carne" (ibid., p. 469). Não há<br />

dúvida <strong>de</strong> que a análise <strong>de</strong> Sartre, tão rica <strong>de</strong><br />

reparos e referências, representa um exame sem<br />

preconceitos <strong>de</strong> certas formas que o A. po<strong>de</strong><br />

assumir e assume e dos conflitos em que <strong>de</strong>sembocam.<br />

Mas trata-se das formas do A. romântico<br />

e das suas <strong>de</strong>generações. O A. <strong>de</strong> que<br />

fala Sartre é o projeto da fusão absoluta entre<br />

dois infinitos; e dois infinitos só po<strong>de</strong>m ex-<br />

cluir-se e contradizer-se. Querer ser amado significa,<br />

para Sartre, querer ser a totalida<strong>de</strong> do<br />

ser, o fundamento dos valores, o todo e o infinito:<br />

isto é, o mundo ou Deus mesmo. E o<br />

outro, o amado, <strong>de</strong>veria ser um sujeito igualmente<br />

absoluto e infinito, capaz <strong>de</strong> tornar absoluto<br />

e infinito quem o ama. São evi<strong>de</strong>ntes os<br />

pressupostos românticos <strong>de</strong>ssa colocação. A<br />

unida<strong>de</strong> absoluta e infinita que o Romantismo<br />

clássico postulava ingenuamente como uma<br />

realida<strong>de</strong> garantida do A. torna-se, em Sartre,<br />

um projeto inevitavelmente <strong>de</strong>stinado ao fracasso.<br />

O Romantismo <strong>de</strong> Sartre é frustrado e<br />

consciente <strong>de</strong> sua falência.<br />

No entanto, está patente na <strong>filosofia</strong> contemporânea<br />

a tendência anti-romântica a privar<br />

o A. do caráter <strong>de</strong> infinitu<strong>de</strong>, isto é, da<br />

natureza "cósmica" ou "divina", e a circunscrevêlo<br />

em limites mais restritos e <strong>de</strong>marcãveis. Russell<br />

evi<strong>de</strong>nciou a fragilida<strong>de</strong> do A. romântico, que<br />

preten<strong>de</strong> ser a totalida<strong>de</strong> da vida, mas caminha<br />

rapidamente em direção à exaustão e ao malogro.<br />

"O A.", disse ele, "é o que dá valor intrínseco<br />

a um matrimônio e, como a arte e o pensamento,<br />

é uma das coisas supremas que tornam<br />

a vida digna <strong>de</strong> ser vivida. Mas, embora não<br />

haja bom casamento sem A., os melhores casamentos<br />

têm um objetivo que vai além do A. O<br />

A. recíproco <strong>de</strong> duas pessoas é <strong>de</strong>masiado circunscrito,<br />

<strong>de</strong>masiado separado da comunida<strong>de</strong><br />

para ser, por si mesmo, o objetivo principal da<br />

vida. Não é, em si mesmo, fonte suficiente <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>, não oferece perspectivas suficientes<br />

para constituir uma existência em que se possa<br />

encontrar uma satisfação fundamental. Cedo<br />

ou tar<strong>de</strong>, torna-se retrospectivo, é um túmulo<br />

<strong>de</strong> alegrias mortas, não uma fonte <strong>de</strong> vida nova.<br />

Esse mal é inseparável <strong>de</strong> qualquer finalida<strong>de</strong><br />

atingível numa única emoção suprema. Os únicos<br />

fins a<strong>de</strong>quados são os que têm incidência no<br />

futuro, que nunca po<strong>de</strong>m ser plenamente alcançados,<br />

mas estão em constante 'crescendo'<br />

e são infinitos, como a infinitu<strong>de</strong> da busca humana.<br />

Só quando o A. está ligado a algum fim<br />

infinito <strong>de</strong>ssa espécie po<strong>de</strong> ter a serieda<strong>de</strong> e a<br />

profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que é capaz" (Principies of<br />

Social Reconstruction, p. 192). Com isto, o A.<br />

não é negado, mas reconduzido aos limites que<br />

o <strong>de</strong>finem. "O homem", diz ainda Russell, "que<br />

nunca viu as coisas belas em companhia da<br />

mulher amada não conheceu plenamente o<br />

mágico po<strong>de</strong>r que tais coisas possuem. E mais:<br />

o A. é capaz <strong>de</strong> romper o duro cerne do eu,<br />

porque é uma espécie <strong>de</strong> colaboração biológi-

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