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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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DUPLA VERDADE<br />

<strong>de</strong>ferência à autorida<strong>de</strong>. Mas <strong>de</strong>pois a expressão<br />

dupla verda<strong>de</strong> serviu justamente para<br />

<strong>de</strong>signar esse fi<strong>de</strong>ísmo, fosse ele sincero ou<br />

insincero. Assim, no último período da Escolástica,<br />

muitas proposições, consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong>monstração<br />

impossível, são admitidas por fé; e<br />

Duns Scot <strong>de</strong>limita nitidamente a esfera da<br />

fé, que diz respeito à ação, e a esfera da <strong>filosofia</strong>,<br />

que diz respeito à especulação (Op. Ox., Prol.,<br />

q. 3). Com Ockham e seus seguidores, essa<br />

posição torna-se ainda mais radical, visto reconhecer-se<br />

a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar<br />

todas as proposições fundamentais da fé.<br />

Ockham afirmava peremptoriamente que "os<br />

artigos <strong>de</strong> fé não são princípios <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração,<br />

nem conclusões, nem probabilida<strong>de</strong>s"<br />

(Summa log., III, 1), querendo dizer que não<br />

são verda<strong>de</strong>s evi<strong>de</strong>ntes, nem verda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>monstradas,<br />

nem proposições prováveis. Mas<br />

nem mesmo em Ockham se observa a atitu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sconcertante que foi típica <strong>de</strong> muitos averroístas<br />

dos sécs. XIV e XV, consistente em <strong>de</strong>clarar<br />

friamente, sem a mínima justificação, que<br />

se acredita no contrário daquilo que se <strong>de</strong>monstrou,<br />

pois assim quer a fé ou a religião.<br />

Dizia, p. ex., João <strong>de</strong> Jandun (séc. XIV): "Conquanto<br />

essa opinião <strong>de</strong> Averróis não possa ser<br />

refutada com razões <strong>de</strong>monstrativas, eu digo o<br />

contrário e afirmo que o intelecto não é numericamente<br />

uno em todos os lugares... Mas isso<br />

não <strong>de</strong>monstro com nenhuma razão necessária<br />

porque não julgo possível; e se alguém sonhar<br />

fazê-lo, que se alegre (gau<strong>de</strong>at). Essa conclusão,<br />

afirmo que é verda<strong>de</strong>ira e julgo indubitável<br />

unicamente pela fé" (De an., III, q. 7). E<br />

também a propósito <strong>de</strong> outros pontos fundamentais<br />

da fé cristã João <strong>de</strong> Jandun repete seu<br />

convite irônico: "alegre-se quem souber <strong>de</strong>monstrá-lo".<br />

É difícil crer na sincerida<strong>de</strong> <strong>de</strong> semelhante<br />

atitu<strong>de</strong>, assim como é difícil acreditar<br />

na sincericia<strong>de</strong> <strong>de</strong> um Pomponazzi, que, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a inconciliabilida<strong>de</strong> entre o <strong>de</strong>stino<br />

e o livre-arbítrio, <strong>de</strong>clara explicitamente<br />

que é preciso crer na Igreja e portanto negar o<br />

<strong>de</strong>stino (De fato, Perorat.): escapatória a que<br />

muitos recorreram entre os sécs. XVI e XVII. Na<br />

realida<strong>de</strong>, só esse ponto <strong>de</strong> vista (se assim se<br />

po<strong>de</strong> chamá-lo) <strong>de</strong>veria ser chamado <strong>de</strong> "dupla<br />

verda<strong>de</strong>", ao passo que para o outro, representado<br />

por Averróis, a verda<strong>de</strong> é uma só e a religião<br />

e a <strong>filosofia</strong> simplesmente a expressam <strong>de</strong><br />

modos diferentes, uma para a especulação e<br />

outra para a ação. Numa forma ou noutra, porém,<br />

a atitu<strong>de</strong> da dupla verda<strong>de</strong> continua ten-<br />

295 DURAÇÃO<br />

do, ainda hoje, seus <strong>de</strong>fensores tácitos, tanto<br />

em <strong>filosofia</strong> quanto em religião e política.<br />

Quando se acha que nem todas as verda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>vem ser ditas e proclamadas, que algumas<br />

verda<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m ser perigosas para a "maioria",<br />

sendo, pois, necessário calar sobre elas ou<br />

ignorá-las oficialmente, está-se encarnando,<br />

ainda que inconscientemente, a atitu<strong>de</strong> que a<br />

tradição filosófica chamou <strong>de</strong> dupla verda<strong>de</strong>.<br />

Essa atitu<strong>de</strong> po<strong>de</strong> caracterizar-se como crença<br />

no caráter aristocrático da verda<strong>de</strong>, ou seja, <strong>de</strong><br />

que a verda<strong>de</strong> realmente se <strong>de</strong>stina a uns poucos<br />

e a "maioria" é incapaz <strong>de</strong> suportá-la.<br />

DURAÇÃO (gr. atcóv; lat. Aevum; in. Duration;<br />

fr. Durée, ai. Dawer, it. Durata). Período<br />

<strong>de</strong> vida <strong>de</strong> uma coisa ou <strong>de</strong> um acontecimento,<br />

limites <strong>de</strong> sua existência no tempo. Era assim<br />

que Aristóteles <strong>de</strong>finia a D.: "Termo que abrange<br />

o tempo <strong>de</strong> cada coisa viva e fora do qual<br />

nada <strong>de</strong>ssa coisa inci<strong>de</strong> naturalmente" (De<br />

cael., I, 9, 279 a 23). A duração abrange, portanto,<br />

todo o período <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> uma coisa,<br />

mas se a coisa <strong>de</strong> que se trata é o mundo, que<br />

abrange a totalida<strong>de</strong> do tempo, a D. é a própria<br />

eternida<strong>de</strong>, no sentido <strong>de</strong> um permanecer<br />

in<strong>de</strong>finido da existência no tempo (Ibid., I,<br />

9, 279 a 25). Entre os antigos, portanto, o conceito<br />

<strong>de</strong> D. tem dois significados: 1". os termos<br />

temporais que circunscrevem a existência <strong>de</strong><br />

uma coisa qualquer; 2". o prolongamento in<strong>de</strong>finido<br />

do tempo, ou seja, a eternida<strong>de</strong>. Aqui<br />

consi<strong>de</strong>raremos só o primeiro <strong>de</strong>sses significados,<br />

já que o outro está incluído no verbete<br />

ETERNIDADE (V.).<br />

Descartes distinguiu o tempo, como número<br />

do movimento, da D. em geral, vendo nele "certo<br />

modo <strong>de</strong> pensar essa D., <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r numa<br />

medida comum a D. <strong>de</strong> todas as coisas" (Princ.<br />

phil., I, 57). Spinoza só fez repetir o mesmo<br />

conceito <strong>de</strong> Descartes ao <strong>de</strong>finir a D. como "a<br />

existência das coisas criadas, enquanto persevera<br />

em sua realida<strong>de</strong>" (Cogitada metaphysica,<br />

I, 5) ou como "a continuação in<strong>de</strong>finida do existir"<br />

(Et., II, <strong>de</strong>f. 5). Com Locke a noção <strong>de</strong> D. é<br />

explicada a partir da experiência interior. D.<br />

seria a generalização <strong>de</strong>ssa experiência, como<br />

a extensão é uma generalização da experiência<br />

da distância obtida pela visão ou pelo tato. Locke<br />

diz "obtemos a idéia <strong>de</strong> sucessão ou <strong>de</strong> D. da<br />

reflexão em torno da sucessão das idéias que<br />

vemos aparecer, uma após a outra, em nosso<br />

espírito" (Ensaio, II, 14, 4). Diante disso, Leibniz<br />

observava que "uma série <strong>de</strong> percepções <strong>de</strong>sperta<br />

em nós a idéia da D., mas não a substitui.

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