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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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LIBERDADE 611 LIBERDADE<br />

— "a maior parte das almas escolhe <strong>de</strong> acordo<br />

com os costumes da vida anterior" (Ibid., 620<br />

a). A situação mítica aqui ilustrada é <strong>de</strong> L.<br />

finita, <strong>de</strong> escolha entre possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>terminadas<br />

e condicionadas por motivos <strong>de</strong>terminantes.<br />

Semelhante L. é <strong>de</strong>limitada: 1 Q pelo<br />

grau das possibilida<strong>de</strong>s objetivas, sempre em<br />

número mais ou menos restrito; 2 S pela or<strong>de</strong>m<br />

dos motivos da escolha, que po<strong>de</strong>m restringir<br />

ainda mais, até a unida<strong>de</strong>, a or<strong>de</strong>m das possibilida<strong>de</strong>s<br />

objetivas. Portanto, esse conceito <strong>de</strong> L.<br />

é uma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminismo, ainda que não<br />

<strong>de</strong> necessarismo: admite a <strong>de</strong>terminação do<br />

homem por parte das condições a que sua ativida<strong>de</strong><br />

correspon<strong>de</strong>, sem admitir que a partir<br />

<strong>de</strong> tais condições a escolha seja infalivelmente<br />

previsível.<br />

Esse conceito <strong>de</strong> L. foi completamente<br />

esquecido na Antigüida<strong>de</strong> e na Ida<strong>de</strong> Média<br />

<strong>de</strong>vido ao predomínio do conceito <strong>de</strong> L. como<br />

causa sui. Quando reapareceu, nos primórdios<br />

da Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna, assumiu, em oposição à noção<br />

<strong>de</strong> livre-arbítrio, a forma <strong>de</strong> negação da L.<br />

<strong>de</strong> querem <strong>de</strong> afirmação da L. <strong>de</strong> fazer. Nessa<br />

forma é expressa por Hobbes. Este, i<strong>de</strong>ntificando<br />

a vonta<strong>de</strong> com o apetite, afirma que não se<br />

po<strong>de</strong> não querer aquilo que se quer (não se po<strong>de</strong><br />

não ter fome quando se tem fome, não ter<br />

se<strong>de</strong> quando se tem se<strong>de</strong>, etc), mas que é possível<br />

fazer ou não fazer aquilo que se quer (comer<br />

ou não comer quando se tem fome, etc).<br />

Existe, pois, uma L. <strong>de</strong> fazer, não uma L. <strong>de</strong><br />

querer (De hom., II, § 2; De corp., 25, § 13).<br />

Essa doutrina foi substancialmente aceita<br />

por Locke, que <strong>de</strong>finia a L. como "o fato <strong>de</strong> se<br />

estar em condições <strong>de</strong> agir ou <strong>de</strong> não agir segundo<br />

se escolha ou se queira" (Ensaio, II, 21,<br />

27). Mas em Locke essa doutrina se complica e<br />

confun<strong>de</strong>, pois por um lado ele distingue apetite<br />

<strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, que julga constituída por um<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> escolha, preferência ou inibição (suspensão<br />

do <strong>de</strong>sejo, ibid., II, 23, 48), e por outro<br />

admite que tal escolha, preferência ou inibiçào<br />

é necessariamente <strong>de</strong>terminada pelo<br />

motivo (que inicialmente ele i<strong>de</strong>ntifica com o<br />

<strong>de</strong>sejo do bem e <strong>de</strong>pois com o mal-estar próprio<br />

do <strong>de</strong>sejo, ibid., II, 21, 31 )• Portanto, é difícil<br />

saber como, <strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> vista, se po<strong>de</strong>ria<br />

falar em L. <strong>de</strong> fazer ou <strong>de</strong> não fazer, visto<br />

que a escolha ou a preferência dada a uma ou<br />

a outra <strong>de</strong>ssas alternativas é necessariamente<br />

<strong>de</strong>terminada. De qualquer forma, a intenção da<br />

doutrina <strong>de</strong> Locke é clara: ten<strong>de</strong>, por um lado,<br />

a garantir o <strong>de</strong>terminismo dos motivos, negando<br />

o livre-arbítrio como autocausalida<strong>de</strong> da<br />

vonta<strong>de</strong>, e por outro a garantir a L. do homem<br />

contra o <strong>de</strong>terminismo rigoroso. Locke conseguiu<br />

expressar muito melhor esse conceito<br />

no terreno político ao negar, em oposição a<br />

Filmer, que a L. consistisse em cada um fazer o<br />

que bem enten<strong>de</strong>sse; e afirmou: "A L. natural<br />

do homem consiste em estar livre <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res<br />

superiores sobre a terra, em não estar submetido<br />

à vonta<strong>de</strong> ou à autorida<strong>de</strong> legislativa <strong>de</strong> ninguém<br />

e em possuir como norma própria apenas<br />

a lei natural. A L. do homem em socieda<strong>de</strong><br />

consiste em não estar sujeito a outro po<strong>de</strong>r<br />

legislativo além do estabelecido por consenso<br />

no Estado, nem ao domínio <strong>de</strong> outra vonta<strong>de</strong><br />

ou à limitação <strong>de</strong> outra lei além da que esse<br />

po<strong>de</strong>r legislativo tiver estabelecido <strong>de</strong> acordo<br />

com a confiança nele <strong>de</strong>positada" (Two<br />

Treatises of Government, II, 4, 22). No Estado<br />

natural a L. consiste na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha<br />

limitada pela norma natural, que é uma<br />

norma <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong>, segundo a qual <strong>de</strong>vese<br />

atribuir aos outros as mesmas possibilida<strong>de</strong>s<br />

atribuídas a si mesmo (Ibid., II, 2, 4). Em socieda<strong>de</strong>,<br />

a L. consiste na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolhas<br />

<strong>de</strong>limitadas por leis estabelecidas por<br />

um po<strong>de</strong>r para isso <strong>de</strong>signado pelo consenso<br />

dos cidadãos. Em outros termos, a L. política<br />

supõe duas condições: I a existência <strong>de</strong> normas<br />

que circunscrevam as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escolha<br />

dos cidadãos; 2 a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os próprios<br />

cidadãos fiscalizarem, em <strong>de</strong>terminada medida,<br />

o estabelecimento <strong>de</strong>ssas normas. Desse ponto<br />

<strong>de</strong> vista, o problema da L. política é um problema<br />

<strong>de</strong> medida: a medida na qual os cidadãos<br />

<strong>de</strong>vem participar da fiscalização das leis e a<br />

medida na qual tais leis <strong>de</strong>vem restringir as<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escolha dos cidadãos. Esse<br />

sempre foi o problema do liberalismo clássico,<br />

ou seja, <strong>de</strong> qualquer liberalismo autêntico, seja<br />

ele antigo ou mo<strong>de</strong>rno. Montesquieu repropôs<br />

a doutrina da L. política <strong>de</strong> Locke em IJesprit <strong>de</strong>s<br />

lois (1748, XI, 3-4). Hume e o Iluminismo retomaram<br />

a doutrina da L. filosófica. O primeiro<br />

afirmava: "Por L. só po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r um po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> agir ou <strong>de</strong> não agir, segundo a <strong>de</strong>terminação<br />

da vonta<strong>de</strong>; isso significa que, .se <strong>de</strong>cidirmos<br />

ficar parados, po<strong>de</strong>remos ficar, e se <strong>de</strong>cidirmos<br />

andar, também po<strong>de</strong>remos andar " (Inq.<br />

Cone. Un<strong>de</strong>rst., VIII, 1); ao mesmo tempo, ressaltava<br />

o <strong>de</strong>terminismo dos motivos, sem o<br />

qual as leis e sanções seriam inoperantes. O<br />

iluminismo, através <strong>de</strong> Voltaire, retomou essa

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