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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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CONSCIÊNCIA 2<br />

seqüência (7tapaKoXoi30Tioiç), e o "retorno<br />

para si mesmo" ou o "retorno para a interiorida<strong>de</strong>"<br />

ou a "reflexão sobre si mesmo", que<br />

constituem a C. propriamente dita (Enn., V, 3,<br />

1; IV, 7,10). Embora o mesmo termo (oúvecnç)<br />

às vezes seja empregado para as duas coisas<br />

(Enn., V, 8, 11, 23), Plotino <strong>de</strong>ixa evi<strong>de</strong>nte a<br />

oposição entre os dois sentidos: um é a percepção<br />

do que se sente ou se faz e o outro é o<br />

acesso à realida<strong>de</strong> interior do homem. Afirma<br />

que há muitas ativida<strong>de</strong>s, visões e ações belíssimas<br />

que não são acompanhadas pelo "estar<br />

cônscio"; p. ex., quem lê não está necessariamente<br />

cônscio <strong>de</strong> que está lendo, sobretudo se<br />

lê com atenção; quem age com coragem não<br />

está cônscio <strong>de</strong> estar agindo corajosamente<br />

enquanto realiza a ação; e assim por diante.<br />

Aliás, esse tipo <strong>de</strong> consciência po<strong>de</strong> enfraquecer<br />

a ativida<strong>de</strong> que acompanha: "Por si sós, essas<br />

ativida<strong>de</strong>s têm mais pureza, mais força e mais<br />

vida; <strong>de</strong> tal modo que é sem estarem cônscios<br />

que aqueles que chegaram à sabedoria têm<br />

uma vida mais intensa, que não se dispersa<br />

em sensações, mas recolhe-se inteiramente em<br />

si mesma" (Ibid., I, 4, 10). Precisamente esse<br />

"recolher-se em si mesmo" é a C. como atitu<strong>de</strong><br />

ou condição do sábio que prescin<strong>de</strong> do exterior<br />

(das coisas e dos outros homens) e só olha<br />

para o interior. Contra os estóicos que aconselham<br />

o recolhimento em si mesmos (EPICTETO,<br />

Diss., III, 22, 38; I, 4, 18, etc), mas tomam as<br />

coisas exteriores como objeto <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>,<br />

Plotino diz que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dirigir sua vonta<strong>de</strong><br />

para si mesmo, o sábio não po<strong>de</strong> buscar a felicida<strong>de</strong><br />

nas manifestações exteriores nem procurar<br />

nas coisas exteriores o objeto <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong><br />

{Enn., I, 4, 11). O que ele <strong>de</strong>ve fazer é<br />

"olhar para <strong>de</strong>ntro", e o que é isso? Plotino diz<br />

o que é quando trata da procura do Belo inteligível,<br />

atrás do qual está o próprio Bem, isto é,<br />

Deus. É preciso "retornar para si mesmo" e tornar-se<br />

aquilo que se quer olhar. "Jamais um<br />

olho verá o sol sem tornar-se semelhante ao<br />

sol, nem uma alma verá o Belo sem ser bela.<br />

Portanto, quem quer contemplar Deus e o Belo<br />

<strong>de</strong>ve começar por tornar-se semelhante a Deus<br />

e belo" (Ibid., I, 6, 9). Nesse caso, a C. i<strong>de</strong>ntifica-se<br />

com a própria condição do sábio, "que<br />

extrai <strong>de</strong> si mesmo o que revela aos outros e<br />

olha para si mesmo, pois não somente ten<strong>de</strong> a<br />

unificar-se e a isolar-se das coisas externas,<br />

como está voltado para si mesmo e encontra<br />

em si todas as coisas" (Ibid., III, 8, 6).<br />

187 CONSCIÊNCIA 2<br />

Essa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-ausculatação interior<br />

que, para a <strong>filosofia</strong> paga, era privilégio do<br />

sábio, na <strong>filosofia</strong> cristã é acessível a qualquer<br />

homem como tal. S. Agostinho é quem traduz<br />

para termos cristãos, isto é, universalistas, a<br />

atitu<strong>de</strong> aristocrática do sábio. O homem espiritual<br />

<strong>de</strong> que falava S. Paulo (I Cor., II, 16) é o<br />

verda<strong>de</strong>iro protagonista <strong>de</strong> sua <strong>filosofia</strong>, cujo<br />

tema fundamental foi expresso pelas célebres<br />

palavras: "Não saias <strong>de</strong> ti, retorna para ti mesmo,<br />

no interior do homem habita a verda<strong>de</strong> e,<br />

se achares mutável a tua natureza, transcen<strong>de</strong>te<br />

a ti mesmo" {De vera rei, 39). S. Agostinho<br />

insiste justamente nessa transcendência, que<br />

não se dirige ao exterior (as coisas, os homens),<br />

mas a Deus enquanto princípio, norma e medida<br />

da própria realida<strong>de</strong> íntima do homem.<br />

Deus reflete-se no caráter auto-reflexivo da alma<br />

humana que, nas três faculda<strong>de</strong>s — memória,<br />

inteligência e vonta<strong>de</strong> — reflete a Trinda<strong>de</strong><br />

divina. Agostinho diz (De Trin., X, 18): "Lembro<br />

que tenho memória, inteligência e vonta<strong>de</strong>;<br />

entendo que entendo, quero e lembro e quero<br />

querer, lembrar e enten<strong>de</strong>r". De tal modo que<br />

não só a alma em seu todo, mas cada aspecto<br />

ou faculda<strong>de</strong> da alma olha para si e <strong>de</strong>fine-se<br />

em sua relação puramente intrínseca consigo.<br />

"A mente não conhece nada tão bem quanto<br />

aquilo que lhe é mais acessível (praesto) e nada<br />

está tão próximo da mente quanto ela <strong>de</strong> si<br />

mesma" (Ibid., XIV, 7). Este estava <strong>de</strong>stinado a<br />

ser um dos temas mais repetidos da <strong>filosofia</strong><br />

medieval e mo<strong>de</strong>rna: a certeza <strong>de</strong> sua própria<br />

existência que a alma, o pensamento, a razão<br />

haurem na C. <strong>de</strong> si, dada a estrutura da C.<br />

como relação intrínseca, direta e privilegiada<br />

que não po<strong>de</strong> ser perturbada, <strong>de</strong>struída ou<br />

falsificada por nada. Na Ida<strong>de</strong> Média esse tema<br />

reaparece sobretudo na tradição agostiniana: é<br />

repetido por Scotus Erigena (De dívis. nat., IV,<br />

9), S. Anselmo (Afore., § 33) e outros. Contudo,<br />

sua importância é menor na corrente<br />

aristotélica, dado o seu caráter objetivista. A<br />

análise que S. Tomás faz do termo C. visa a esclarecer<br />

sobretudo seu aspecto moral, em relação<br />

com o conceito <strong>de</strong> síndêrese (v.); fora <strong>de</strong>sse<br />

significado, para S. Tomás a C. é o simples<br />

"estar cônscio". "O nome C", diz ele, "significa<br />

a aplicação da ciência a alguma coisa; daí,<br />

conscire é como simul scire. Qualquer ciência<br />

po<strong>de</strong> ser aplicada a alguma coisa, por isso a C.<br />

não indica um hábito ou uma potência especial,<br />

mas o ato <strong>de</strong> aplicar um hábito ou uma<br />

noção a algum ato particular. Ora, uma noção

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