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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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FELICIDADE 435 FELICIDADE<br />

vos, pertence eminentemente à vida mais completa<br />

e perfeita, que é a da inteligência pura. O<br />

sábio, em quem tal vida se realiza, é um bem<br />

para si mesmo: só tem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> si para<br />

ser feliz e não busca as outras coisas ou então<br />

as busca somente porque são indispensáveis<br />

às coisas que lhe pertencem (por exemplo, ao<br />

corpo), e não a ele mesmo. A F. do sábio não<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>struída pela má sorte, pelas doenças<br />

físicas ou mentais, nem por qualquer circunstância<br />

<strong>de</strong>sfavorável, assim como não po<strong>de</strong><br />

ser aumentada pelas circunstâncias favoráveis<br />

(Ibid., I, 4, 5 ss.): por isso, é a própria bemaventurança<br />

<strong>de</strong> que gozam os <strong>de</strong>uses. A <strong>filosofia</strong><br />

medieval adotou e enfatizou esses conceitos,<br />

adaptando a eles por vezes (como fez S. Tomás)<br />

a própria doutrina aristotéüca, mas esten<strong>de</strong>ndo-os<br />

à totalida<strong>de</strong> dos homens.<br />

A partir do humanismo, a noção <strong>de</strong> F. começa<br />

a ser estritamente ligada à <strong>de</strong> prazer, como já<br />

havia ocorrido com os cirenaicos e com os<br />

epicuristas. A obra De voluptate <strong>de</strong> Lourenço<br />

Valia gira em torno <strong>de</strong>ssa conexão, que se<br />

acentua no mundo mo<strong>de</strong>rno. Locke e Leibniz<br />

concordam nesse aspecto. Locke diz que a F. "é<br />

o maior prazer <strong>de</strong> que somos capazes, e a infelicida<strong>de</strong><br />

o maior sofrimento; o grau ínfimo daquilo<br />

que po<strong>de</strong> ser chamado <strong>de</strong> F. é estar tão<br />

livre <strong>de</strong> sofrimentos e ter tanto prazer presente<br />

que não é possível contentar-se com menos"<br />

(Ensaio, II, 21, 43). E Leibniz: "Creio que a F. é<br />

um prazer durável, o que não po<strong>de</strong>ria acontecer<br />

sem o progresso contínuo em direção a novos<br />

prazeres" (Nouv. ess., II, 21, 42). A noção<br />

<strong>de</strong> F. como prazer ou como soma, ou melhor,<br />

"sistema" <strong>de</strong> prazeres, segundo a expressão<br />

do velho Aristipo, começa a adquirir significado<br />

social com Hume: a F. torna-se um prazer<br />

que po<strong>de</strong> ser difundido, o prazer do maior<br />

número, e <strong>de</strong>ssa forma a noção <strong>de</strong> F. torna-se<br />

a base do movimento reformador inglês do<br />

séc. XIX. Entrementes, Kant, que julgava impossível<br />

consi<strong>de</strong>rar a F. como fundamento da vida<br />

moral, esclarecia eficazmente a noção <strong>de</strong> F.<br />

sem recorrer à <strong>de</strong> prazer: "A F. é a condição do<br />

ser racional no mundo, para quem, ao longo<br />

da vida, tudo acontece <strong>de</strong> acordo com seu <strong>de</strong>sejo<br />

e vonta<strong>de</strong>" (Crít. R. Prática, Dialética, seç. 5).<br />

Trata-se, portanto, <strong>de</strong> um conceito que o homem<br />

não haure dos instintos e que não <strong>de</strong>riva<br />

daquilo que nele é animalida<strong>de</strong>, mas que ele<br />

constrói para si <strong>de</strong> maneiras diferentes, que<br />

ele po<strong>de</strong> alterar com freqüência, muitas vezes<br />

arbitrariamente {Crít. do Juízo, § 83). Kant julga<br />

que a F. é parte integrante do bem supremo,<br />

que para o homem é a síntese <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> e felicida<strong>de</strong>.<br />

Mas como tal o bem supremo não é<br />

realizável no mundo natural, seja porque nada<br />

garante neste mundo a perfeita proporção entre<br />

moralida<strong>de</strong> e F., em que consiste o bem supremo,<br />

seja porque nada garante a satisfação<br />

plena <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>sejos e tendências do ser<br />

racional, em que consiste a F. Portanto, para<br />

Kant, a F. é impossível no mundo natural, sendo<br />

transferida para um mundo inteligível, que<br />

é "o reino da graça" (Crít. R. Pura, Doutrina do<br />

Método, cap. II, seç. 2). Em primeiro lugar,<br />

Kant teve o mérito <strong>de</strong> enunciar com rigor a noção<br />

<strong>de</strong> F. e, em segundo lugar, <strong>de</strong> mostrar que<br />

essa noção é empiricamente impossível, irrealizável.<br />

De fato, não é possível que sejam satisfeitas<br />

todas as tendências, inclinações e volições<br />

do homem, porque <strong>de</strong> um lado a natureza<br />

não se preocupa em vir ao encontro do homem,<br />

com vistas a essa satisfação total, e <strong>de</strong><br />

outro porque as próprias necessida<strong>de</strong>s e inclinações<br />

nunca se aquietam no repouso da satisfação<br />

(Crít. do Juízo, § 83). Associada ao conceito<br />

<strong>de</strong> satisfação absoluta e total — em que<br />

Hegel também insiste (Ene, § 479-480) —, a F.<br />

torna-se o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> um estado ou condição inatingível,<br />

a não ser no mundo sobrenatural e por<br />

intervenção <strong>de</strong> um princípio onipotente. Não é<br />

<strong>de</strong> admirar, portanto, que toda a parte da <strong>filosofia</strong><br />

mo<strong>de</strong>rna que passou pelo filtro do kantismo<br />

tenha <strong>de</strong>sprezado a noção <strong>de</strong> F. e não a<br />

tenha utilizado na análise daquilo que a existência<br />

humana é ou <strong>de</strong>ve ser. Todavia, com<br />

Hume, o empirismo inglês havia iniciado (como<br />

já foi dito) um novo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssa<br />

noção em sentido social, o que é próprio do<br />

utilitarismo. Hume observara que, "quando se<br />

elogia alguma pessoa bondosa e humana",<br />

nunca se <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> dar <strong>de</strong>staque "à F. e satisfação<br />

da socieda<strong>de</strong> humana em po<strong>de</strong>r contar<br />

com sua ação e com seus bons serviços" (Inc.<br />

Cone. Morais, II, 2). Portanto, i<strong>de</strong>ntificara o que<br />

é moralmente bom com o que é útil e benéfico.<br />

Depois <strong>de</strong>le, Bentham retomava como fundamento<br />

da moral a fórmula <strong>de</strong> Beccaria: "A<br />

maior felicida<strong>de</strong> possível, no maior número <strong>de</strong><br />

pessoas", fórmula em que também se inspiraram<br />

James Mill e Stuart Mill, acentuando cada<br />

vez mais o seu caráter social. Nesses autores<br />

não se encontra um conceito rigoroso <strong>de</strong> F.,<br />

mas tampouco se encontra neles a rigi<strong>de</strong>z e o<br />

absolutismo que essa noção sofrerá com Kant,<br />

o que a tornara impraticável. Eles sabem que a

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