22.06.2013 Views

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

ACIDENTE 14 ACIDENTE<br />

isso não acontece por necessida<strong>de</strong> ou na maior<br />

parte dos casos, ser branco, para um músico,<br />

será um "aci<strong>de</strong>nte". Da mesma forma, para alguém<br />

que cave um buraco a fim <strong>de</strong> colocar<br />

uma planta, encontrar um tesouro é aci<strong>de</strong>ntal,<br />

já que a encontrar um tesouro não se segue necessariamente<br />

o ato <strong>de</strong> cavar um buraco, nem<br />

acontece habitualmente em semelhante circunstância.<br />

Nesse significado (Mel, V, 30,1.025<br />

a 14), portanto, aci<strong>de</strong>nte é tudo o que acontece<br />

por acaso, isto é, pela inter-relaçâo e o entrelaçamento<br />

<strong>de</strong> várias causas, mas sem uma causa<br />

<strong>de</strong>terminada que assegure a sua ocorrência<br />

constante ou, pelo menos, relativamente freqüente.<br />

Mas há também: 2 a o aci<strong>de</strong>nte não casual,<br />

ou aci<strong>de</strong>nte por si, isto é, aquele caráter<br />

que, embora não pertença à substância, estando,<br />

pois, fora da <strong>de</strong>finição, pertence ao objeto<br />

em virtu<strong>de</strong> daquilo que o próprio objeto é. P.<br />

ex., ter ângulos internos iguais a dois retos não<br />

pertence à essência necessária do triângulo, tal<br />

qual é expressa pela <strong>de</strong>finição; por isso, é um<br />

aci<strong>de</strong>nte. Mas é um aci<strong>de</strong>nte que pertence<br />

ao triângulo por acaso, isto é, por uma causa<br />

in<strong>de</strong>terminável, mas por causa do próprio<br />

triângulo, quer dizer, por aquilo que o triângulo<br />

é; e é por isso um aci<strong>de</strong>nte eterno (Met., V,<br />

30, 1.025 a 31 ss.). Aristóteles ilustra a diferença<br />

do seguinte modo (An.post, 4, 73 b 12 ss.): "Se<br />

relampeja enquanto alguém caminha, isso é<br />

um aci<strong>de</strong>nte, já que o relâmpago não é causado<br />

pelo caminhar... Se, porém, um animal morre<br />

<strong>de</strong>golado, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> um ferimento, diremos<br />

que ele morreu porque foi <strong>de</strong>golado, e<br />

não que lhe ocorreu, aci<strong>de</strong>ntalmente, morrer<br />

<strong>de</strong>golado". Em outros termos, o aci<strong>de</strong>nte por si<br />

está vinculado causalmente (e não casualmente)<br />

às <strong>de</strong>terminações necessárias da substância,<br />

embora não faça parte <strong>de</strong>las. E embora<br />

não haja ciência do aci<strong>de</strong>nte casual, porque a<br />

ciência é só do que é sempre ou habitualmente<br />

(Met., X, 8, 1.065 a 4) e porque ela investiga a<br />

causa, ao passo que a causa do aci<strong>de</strong>nte é in<strong>de</strong>finida<br />

(Fís., II, 4, 196 b 28), o aci<strong>de</strong>nte por si<br />

entra no âmbito da ciência, como é indicado<br />

pelo próprio exemplo geométrico <strong>de</strong> que se<br />

valeu Aristóteles em Met., V, 30, e em numerosos<br />

textos dos Tópicos.<br />

Com esse segundo significado aristotélico<br />

da palavra po<strong>de</strong>-se relacionar o terceiro significado,<br />

segundo o qual ela <strong>de</strong>signa, em geral, as<br />

qualida<strong>de</strong>s ou os caracteres <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong><br />

(substância) que não po<strong>de</strong>m ficar sem ela, porque<br />

o seu modo <strong>de</strong> ser é o <strong>de</strong> "inerir" (ínesse) à<br />

própria realida<strong>de</strong>. Talvez esse uso tenha sido<br />

iniciado por Porfírio, que <strong>de</strong>fine o aci<strong>de</strong>nte<br />

(Isag., V, 4 a, 24): "O que po<strong>de</strong> ser gerado<br />

ou <strong>de</strong>saparecer sem que o sujeito seja<br />

<strong>de</strong>struído". Essa <strong>de</strong>finição, obviamente, referese<br />

à <strong>de</strong>finição aristotélica do aci<strong>de</strong>nte como "o<br />

que po<strong>de</strong> pertencer e não pertencer a um só e<br />

mesmo objeto". S. Tomás anota corretamente<br />

(Met., V, 1.143) que, no segundo dos dois significados<br />

aristotélicos, o aci<strong>de</strong>nte se contrapõe à<br />

substância. Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa contraposição, o<br />

aci<strong>de</strong>nte é "o que está em outra coisa" (S. Th.,<br />

III, q. 77, a. 2 ad l e ), isto é, em um sujeito ou<br />

substrato sem o qual ele, no curso ordinário da<br />

natureza (isto é, prescindindo da or<strong>de</strong>m da graça<br />

que se manifesta no sacramento do altar)<br />

não po<strong>de</strong> subsistir (ibid., III, q. 76, a. 1 ad\-).<br />

Nesse significado, em que o aci<strong>de</strong>nte se contrapõe<br />

à substância, porquanto o seu modo <strong>de</strong> ser<br />

é inerir (inesse) a algum sujeito, em oposição<br />

ao subsistir da substância que não tem necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> apoiar-se em outra coisa para existir, o<br />

termo aci<strong>de</strong>nte torna-se coextensivo ao <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />

em geral, sem referência a seu caráter<br />

casual e gratuito, que Aristóteles tinha ilustrado.<br />

A terminologia dos escolásticos a<strong>de</strong>re habitualmente<br />

a este último significado, que <strong>de</strong>stes<br />

passa para os escritores mo<strong>de</strong>rnos, na medida<br />

em que se valem da linguagem escolástica. Todavia,<br />

mais próxima da <strong>de</strong>finição aristotélica<br />

que do uso escolástico encontra-se a <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong> Stuart Mill, para quem os aci<strong>de</strong>ntes são todos<br />

os atributos <strong>de</strong> uma coisa que não estão<br />

compreendidos no significado do nome e não<br />

têm vínculo necessário com os atributos<br />

indivisíveis <strong>de</strong>ssa mesma coisa (Logic, I, 7, § 8).<br />

Locke e os empiristas ingleses, o mais das vezes,<br />

usam no lugar da palavra aci<strong>de</strong>nte, a palavra<br />

qualida<strong>de</strong> (v.). Mas a sua insistência na<br />

inseparabilida<strong>de</strong> das qualida<strong>de</strong>s em relação à<br />

substância, que sem elas se esvai no nada, influi<br />

no uso posterior da palavra em questão: uso<br />

que ten<strong>de</strong> a reduzir ou a anular a oposição entre<br />

aci<strong>de</strong>nte e substância e a consi<strong>de</strong>rar os aci<strong>de</strong>ntes<br />

como a própria manifestação da substância.<br />

Na verda<strong>de</strong> esse uso também po<strong>de</strong> ser<br />

encontrado em Spinoza, se, porém, se admitir<br />

que a palavra "modo" que ele emprega é<br />

sinônimo <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte; essa sinonímia parece<br />

ser sugerida pela <strong>de</strong>finição que ele dá <strong>de</strong><br />

"modo" (Et., I, <strong>de</strong>f. 5) como o que está em outra<br />

coisa e é concebido por meio <strong>de</strong>ssa outra coisa.<br />

De qualquer forma, a mudança <strong>de</strong> significado é<br />

claramente verificável em Kant e Hegel. Kant

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!