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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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FE 432 FE<br />

II, 141). S. Paulo resumiu as características fundamentais<br />

da F. religiosa nas célebres palavras:<br />

"F. é a garantia das coisas esperadas e a prova<br />

das que não se vêem" (Hebr, II, I). S. Tomás<br />

esclareceu da seguinte forma as palavras <strong>de</strong> S.<br />

Paulo: "Quando se fala <strong>de</strong> prova, distingue-se a<br />

F. da opinião, da suspeita e da dúvida, coisas<br />

em que falta a firme a<strong>de</strong>são do intelecto ao seu<br />

objeto. Quando se fala <strong>de</strong> coisas que não se<br />

vêem, distingue-se a fé da ciência e do intelecto,<br />

nos quais alguma coisa se faz aparente. E<br />

quando se diz garantia das coisas esperadas<br />

faz-se a distinção entre a virtu<strong>de</strong> da F. e a F. no<br />

significado comum [isto é, crença em geral],<br />

que visa à bem-aventurança esperada" (S. Th,<br />

II, 2, q. 4, a. 1). Os escolásticos ativeram-se,<br />

com poucas variantes, a essa <strong>de</strong>scrição da fé.<br />

Com o misticismo alemão do séc. XIV, começou<br />

a tomar corpo a doutrina do caráter privilegiado<br />

da F. como via <strong>de</strong> acesso original, direta e<br />

imediata às realida<strong>de</strong>s supremas, especialmente<br />

a Deus. Mestre Eckhart vê na F. o meio pelo<br />

qual o homem atinge a realida<strong>de</strong> última <strong>de</strong> si e<br />

<strong>de</strong> Deus: a F., diz ele, é o nascimento <strong>de</strong> Deus<br />

no homem. Esse tema retomou na chamada<br />

"<strong>filosofia</strong> da F." do séc. XVIII: Hamann e Jacobi<br />

atribuem à F. o mesmo status privilegiado, a<br />

mesma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colocar o homem diretamente<br />

em contato com as realida<strong>de</strong>s últimas e<br />

especialmente com Deus, transpondo os limites<br />

e as incertezas da razão. Embora Jacobi<br />

inclua na fé religiosa também a parte que mais<br />

propriamente diz respeito à crença ("Nós cremos<br />

que temos corpo; cremos na existência<br />

das coisas sensíveis", Werke, IV, 211; III, 411),<br />

para ele é no caráter religioso que se funda a<br />

certeza da F.: toda F. é necessariamente F. da<br />

revelação e esta é necessariamente F. em Deus,<br />

religião (Ibid., II, 274, 284, ss.). Os românticos<br />

reafirmaram amiú<strong>de</strong> esse status privilegiado da<br />

fé. Foi o que fez Fichte, que exaltou a F. nas<br />

obras populares do segundo período, como p.<br />

ex. em Missão do homem (1800), em que afirma<br />

que "a F., dando realida<strong>de</strong> às coisas, impe<strong>de</strong>-as<br />

<strong>de</strong> ser vãs ilusões: é a sanção da ciência",<br />

repetindo as palavras <strong>de</strong> Jacobi: "Todos nascemos<br />

na F." {Werke, II, pp. 254-55). Nos textos<br />

<strong>de</strong> Schelling muitas vezes o tom é análogo<br />

(Werke, I, 10, 183), enquanto Novalis diz que a<br />

ciência é somente uma das meta<strong>de</strong>s e que a F.<br />

é a outra meta<strong>de</strong> (Fragmente, 391).<br />

No último período da Escolástica começou<br />

a acentuar-se outro aspecto da F.: seu caráter<br />

prático, que não consiste na sua <strong>de</strong>pendência<br />

da vonta<strong>de</strong>, mas na sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dirigir a<br />

ação. Duns Scot foi o primeiro a insistir nesse<br />

caráter: "A F. não é um hábito especulativo, assim<br />

como crer não é um ato especulativo e a<br />

visão que segue a crença não é uma visão<br />

especulativa, mas prática" (Op. Ox., prol., q. 3).<br />

Por "prático" Duns Scot enten<strong>de</strong> o que serve<br />

para dirigir a conduta; portanto para ele a teologia<br />

é prática, pois as verda<strong>de</strong>s que ela ensina<br />

não são teóricas, ou seja, necessárias e <strong>de</strong>monstráveis,<br />

mas servem unicamente para dirigir<br />

o homem para a bem-aventurança (Ibid.,<br />

prol., q. 4, n. 42). A mesma antítese entre o<br />

habitusáà F. e o habitus da ciência era admitida<br />

por Ockham, que reputava os dois hábitos incompatíveis<br />

entre si, observando que não se<br />

po<strong>de</strong> dizer que quem crê em alguma coisa cuja<br />

<strong>de</strong>monstração esqueceu realmente tem "F.",<br />

porque o objeto <strong>de</strong> sua crença continua sendo<br />

a <strong>de</strong>monstração (In Sent., III, q. 8 R). No mundo<br />

mo<strong>de</strong>rno, o caráter prático da F. foi <strong>de</strong>fendido<br />

por Spinoza: "A F. consiste em ter, em relação<br />

a Deus, os sentimentos que são eliminados<br />

quando se elimina a obediência a Deus, e que<br />

estão presentes necessariamente quando está<br />

presente tal obediência". (Tract. theol.-pol,<br />

14). Portanto, a F. é o conjunto <strong>de</strong> crenças que<br />

condicionam a obediência à divinda<strong>de</strong>, segundo<br />

Spinoza. Esse conceito seria retomado por<br />

Kant, para quem a crença teoricamente insuficiente<br />

po<strong>de</strong>, sobretudo em seu aspecto prático,<br />

ser chamada <strong>de</strong> F. Kant generaliza o conceito<br />

prático da F., reconhecendo nela a atitu<strong>de</strong><br />

compromissada que po<strong>de</strong> dirigir tanto a habilida<strong>de</strong>,<br />

ou seja, a ativida<strong>de</strong> que tem em vista fins<br />

arbitrários e aci<strong>de</strong>ntais, quanto a moralida<strong>de</strong>,<br />

que visa a fins absolutamente necessários. A F.<br />

que dirige a habilida<strong>de</strong> é a F. pragmática, cujo<br />

interesse raramente enfrenta <strong>de</strong>safios. Ao contrário,<br />

a F. doutrinai é mais compromissada,<br />

mas tampouco chega à certeza da F. moral.<br />

Esta última espécie <strong>de</strong> fé dá uma certeza que<br />

não po<strong>de</strong> ser comunicada; não é, pois, <strong>de</strong> natureza<br />

lógica, mas constitui uma "certeza moral"<br />

que se baseia em fundamentos subjetivos. "Assim,<br />

nunca <strong>de</strong>vo dizer: é moralmente certo que<br />

Deus existe, etc, mas: estou moralmente certo,<br />

etc. Ou seja, a fé em Deus e em outro mundo<br />

está tão profundamente entrelaçada com meu<br />

sentimento moral que, assim como não corro o<br />

risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r este, tampouco temo que aquela<br />

me seja retirada" (Crít. R. Pura, Cânone da Razão<br />

Pura, seç. 3). Segundo Kant, a F. religiosa<br />

po<strong>de</strong> ser "F. religiosa pura", que é a própria F.

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