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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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HABITO 1 495 HABITO 2<br />

De modo análogo, mas em campo diferente,<br />

Bergson (talvez retomando uma idéia <strong>de</strong><br />

Renouvier, Nouvelle monadologie, p. 298) utilizou<br />

a noção <strong>de</strong> hábito/costume para explicar<br />

as obrigações morais, que não seriam exigências<br />

da razão, mas costumes sociais que garantem<br />

a vida e a soli<strong>de</strong>z do corpo social {Deux<br />

sources, p. 21).<br />

A interpretação do hábito como ação originariamente<br />

espontânea ou livre que <strong>de</strong>pois se<br />

fixa com o exercício, <strong>de</strong> tal forma que po<strong>de</strong><br />

ser repetida sem a intervenção do raciocínio e<br />

da consciência, portanto mecanicamente, possibilitou<br />

o uso metafísico <strong>de</strong>ssa noção: uso que<br />

aparece com bastante freqüência na <strong>filosofia</strong><br />

mo<strong>de</strong>rna e contemporânea, especialmente no<br />

i<strong>de</strong>alismo e no espiritualismo. O primeiro a<br />

tirar proveito <strong>de</strong>sse uso para a construção <strong>de</strong><br />

uma metafísica da experiência interior foi Maine<br />

<strong>de</strong> Biran, em sua obra Influência do habito<br />

sobre a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar(1803) • Enquanto<br />

os hábitos passivos, que dizem respeito às sensações,<br />

reduzem a consciência, os hábitos ativos,<br />

que dizem respeito às operações, facilitam<br />

e aperfeiçoam a consciência, constituindo, por<br />

isso, um instrumento para que o espírito se liberte<br />

dos mecanismos que ten<strong>de</strong>m a formarse<br />

mediante a repetição dos seus esforços.<br />

Essa noção <strong>de</strong> hábito/costume, que, mesmo<br />

sendo expressa nos termos da <strong>de</strong>nominada<br />

"experiência interior" ou "sentido interior",<br />

já tem alcance metafísico (pois Maine <strong>de</strong> Biran<br />

acredita que os dados <strong>de</strong>ssa experiência revelam<br />

a própria realida<strong>de</strong>) e encontra correspondência<br />

na doutrina <strong>de</strong> Hegel, que lhe <strong>de</strong>dicou<br />

alguns parágrafos da sua seção sobre o espírito<br />

subjetivo, na parte <strong>de</strong>dicada à alma senciente<br />

{Ene, §§ 409-10). Hegel diz que, graças ao hábito,<br />

a alma "toma posse do seu conteúdo e conserva-o<br />

<strong>de</strong> tal forma que, nessas <strong>de</strong>terminações,<br />

ela não está como sensitiva, não está em<br />

relação com elas, mas distingue-se <strong>de</strong>las, nem<br />

está nelas imersa, mas as possui sem sensação<br />

e sem consciência, movendo-se <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>las.<br />

A alma, portanto, está livre <strong>de</strong>las, porquanto<br />

por elas não se interesse e com elas não se<br />

preocupe; e existindo nestas formas como em<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> si, está concomitantemente aberta a<br />

qualquer outra ativida<strong>de</strong> e ocupação (tanto da<br />

sensação quanto <strong>de</strong> consciência espiritual em<br />

geral)". Por esta função do hábito, <strong>de</strong> oferecer<br />

à alma a posse <strong>de</strong> certo conteúdo, <strong>de</strong> tal forma<br />

que ela possa utilizar esse conteúdo "sem sensação<br />

e sem consciência" (<strong>de</strong> modo que sensa-<br />

ção e consciência tornam-se livres novamente<br />

disponíveis para outras operações), Hegel ressaltou<br />

a importância do hábito para a vida espiritual.<br />

"O hábito" — disse ele — "é mais essencial<br />

para a existência do que qualquer espiritualida<strong>de</strong><br />

no indivíduo, para que o sujeito exista como<br />

sujeito concreto, como i<strong>de</strong>alida<strong>de</strong> da alma; para<br />

que o conteúdo religioso, moral, etc, pertença<br />

a ele como ele mesmo, a ele como a essa alma;<br />

para que não esteja nele apenas em si (como<br />

disposição), nem como sensação e como representação<br />

transitória, nem como interiorida<strong>de</strong><br />

abstrata separada do fazer e da realida<strong>de</strong>,<br />

mas no seu ser". Isto quer dizer que o hábito<br />

incorpora certo conteúdo no próprio ser da<br />

alma individual, como uma posse efetiva, que<br />

se traduz em ação real.<br />

Na esteira <strong>de</strong> Maine <strong>de</strong> Biran, Ravaisson<br />

propôs uma metafísica do hábito, que expõe<br />

num famoso trabalho {Sobre o habito, 1838).<br />

No hábito, Ravaisson viu uma idéia substancial,<br />

ou seja, uma idéia que se transformou em<br />

substância, em realida<strong>de</strong>, e que age como tal.<br />

O hábito não é um mecanismo puro, mas uma<br />

"lei <strong>de</strong> graça", porquanto indica o predomínio<br />

da causa final sobre a causa eficiente. Permite,<br />

pois, que se entenda a própria natureza como<br />

espírito e como ativida<strong>de</strong> espiritual, uma vez<br />

que <strong>de</strong>monstra que o espírito po<strong>de</strong> tornar-se<br />

natureza e a natureza, espírito. Permite organizar<br />

todos os seres numa série cujos limites<br />

extremos são representados pela natureza e<br />

pelo espírito. "O limite inferior é a necessida<strong>de</strong>,<br />

o <strong>de</strong>stino, se quisermos, mas na espontaneida<strong>de</strong><br />

da natureza; o limite superior é a liberda<strong>de</strong><br />

do intelecto. O hábito <strong>de</strong>sce <strong>de</strong> um para outro,<br />

reaproxima esses contrários e, reaproximandoos,<br />

revela sua essência íntima e sua conexão<br />

necessária." A partir <strong>de</strong> Bergson, esses conceitos<br />

foram retomados com freqüência no<br />

espiritualismo contemporâneo, para explicar<br />

<strong>de</strong> certa forma o "mecanismo da matéria" e<br />

reintegrá-lo na espontaneida<strong>de</strong> espiritual.<br />

HÁBITO 2 (gr. ifyç-, lat. Habitus, in. Habit; fr.<br />

Disposition; ai. Fertigkeit; it. Abitó). É preciso<br />

distinguir o significado <strong>de</strong>ste termo do significado<br />

<strong>de</strong> costume (v. HÁBITO 1 ), com o qual é<br />

freqüentemente confundido. Significa uma disposição<br />

constante ou relativamente constante<br />

para ser ou agir <strong>de</strong> certo modo. P. ex., o "hábito<br />

<strong>de</strong> dizer a verda<strong>de</strong>" é a disposição <strong>de</strong>liberada,<br />

neste caso um compromisso moral <strong>de</strong> dizer a<br />

verda<strong>de</strong>. É coisa bem diferente do "costume <strong>de</strong><br />

dizer a verda<strong>de</strong>", que implicaria o mecanismo

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